16 Março 2017
Muito já foi escrito sobre as eleições equatorianas, realizadas em primeiro turno em 19 de fevereiro. Conheceremos o próximo presidente do Equador no segundo turno, marcado para o dia 2 de abril.
O comentário é de Tullo Vigevani, professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP), pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC), do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU) e faz parte do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI, em artigo publicado por CartaCapital, 16-03-2017.
Vinculado ao atual presidente Rafael Correa, Lenin Moreno, do Alianza PAIS (AP), obteve 39,36% no primeiro turno. Já a chapa conservadora de Guillermo Lasso, do CREO-SUMA, alcançou 28,09%.
Para além das análises conjunturais, é importante discutir alguns aspectos que se relacionam com o período que vive a América Latina e o mundo. Pode-se ler o contexto atual equatoriano como um laboratório excelente para pensar a evolução regional latino-americana.
As eleições equatorianas, ainda que tensas, realizaram-se numa situação de razoável equilíbrio, não havendo questionamentos sérios sobre a lisura do processo, e, sobretudo, não transcorreram em ambiente de crise institucional.
O presidente Rafael Correa deixa o governo com o reconhecimento de que o país vive de forma democrática, não houve risco significativo de manipulação de resultados de nenhum dos lados, e, embora haja acusações de mau uso da máquina administrativa, inclusive de corrupção, elas não atingem o presidente de forma direta.
No entanto, parecem alcançar, ao menos indiretamente, o atual vice- presidente e candidato novamente ao mesmo cargo, Glas Espinel, e outros funcionários.
Rafael Correa sai do cargo sem os índices de popularidade com que havia sido reeleito em 2013, quase 60% dos votos, mas com forte aprovação. Seu candidato a sucessor alcançou quase 40%.
Outro ponto importante é que a eleição presidencial no Equador dá continuidade a uma rotina de eleições democráticas que não parece ter sido rompida na América do Sul.
O caso do Paraguai e o questionamento da legitimidade da situação do Brasil não se referem especificamente à rotina eleitoral. O presidente Correa foi muito questionado em relação à Lei de Comunicação, aprovada pelo Parlamento em junho de 2013, mas nada sugere que as alterações tenham influenciado na votação.
Ao mesmo tempo, os resultados colocam questões importantes para o futuro da região.
Apesar de todo o empenho das forças conservadoras, o governo de Alianza Pais, depois de 10 anos, mantém o apoio de 40% da população. O índice, no entanto, diminuiu nos últimos quatro anos.
Muitas análises coincidem em interpretar a diminuição do entusiasmo como consequência da crise das matérias-primas, que incidiu já a partir de 2013: em especial, a diminuição do preço do petróleo, fator de grande relevância para o orçamento.
Essa visão vem sendo reiterada para explicar parte das crises que atingem a governabilidade da região. Correa rompeu o ciclo de instabilidade que prevaleceu desde a década de 1990, atingindo sete presidentes, todos de partidos diferentes.
De 2000 a 2007, sucederam-se Jamil Mahuad, Gustavo Noboa, Lucio Edwin Gutiérrez Borbúa e Alfredo Palacio. O governo, a partir de 2007, viabilizou sua estabilidade pela existência de novas condições econômicas e pela capacidade de construir uma base de apoio heterogênea, mas capaz de garantir a governabilidade.
A eleição de 2017 indica que um governo desenvolvimentista-distributivista contribuiu à consolidação das instituições, ainda que em contextos tensos.
Segundo Decio Machado, ao longo do governo de Rafael Correa, os fatores econômicos favoráveis permitiram mudanças. No Equador, a pobreza se reduziu a 12%, multiplicando-se os ingressos do Estado, de modo que o piso salarial passou de 160 dólares em 2006 a 340 dólares em 2013. Ao mesmo tempo, o Estado pôde investir 13,5 bilhões de dólares em saúde, construiu hospitais e implantou outros equipamentos sociais, beneficiando sobretudo os mais pobres.
Ao mesmo tempo, é fundamental entender as razões pelas quais governos que favoreceram a melhora das condições de partes importantes da população pobre, mas sem atacar as condições de acumulação dos mais ricos, como Rafael Correa afirmou em mais ocasiões, tiveram parcialmente reduzida a sua popularidade.
No caso do Equador não intervieram fatores extraordinários, formalmente extra-políticos, daí o interesse especial desta experiência. Os resultados de 19 de fevereiro mostram que mesmo havendo algum declínio, o prestígio da experiência desenvolvimentista-distributivista continua importante e persiste com competitividade eleitoral.
Citamos como fato relevante a mudança do quadro econômico em termos de preços de matérias-primas. Segundo Santiago Ortiz Crespo, contribuiu para aumentar os problemas o terremoto de abril de 2016.
A resposta do governo foi importante, um plano de construção de 1.500 casas ao mês para dar moradia aos afetados, ou a entrega de recursos para a reabilitação das casas. Mas os efeitos do desastre somaram-se à continuidade da baixa do preço do petróleo.
No caso do Equador, uma questão que tem grande significado é a dolarização da economia. Decidida no governo Jamil Mahuad em 2000, no contexto de superinflação, não foi alterada depois, nem mesmo no governo Correa.
Tal cenário limita os instrumentos à disposição para enfrentar as crises e a valorização do dólar contribuiu para a debilitação da economia. A consequência foi a forte restrição da capacidade de investimento do Estado.
Na interpretação de alguns críticos ‘de esquerda’, como Carlos Pastor, da experiência da ‘Revolução Cidadã’, os dez anos transcorridos não romperam as estruturas tradicionais do país.
Os grandes grupos econômicos mantiveram o seu poder, a criação da Superintendência de Controle do Poder de Mercado não teve capacidade para alterar a estrutura monopolista.
O grave problema do acesso à água tampouco pôde encontrar soluções efetivamente distributivas, sendo um dos fatos que enfraqueceram a Alianza PAIS junto a populações indígenas.
A força dos setores conservadores, ainda que divididos, mostrou-se pela votação alcançada por Guillermo Lasso e pela sua competidora na mesma área sócio-política, Cynthia Viteri, com 16,32%.
A considerada baixa votação de Paco Moncayo, 6,71%, com posições social-democratas, sugere que a capacidade de atração do bloco que governou o país por 10 anos continua forte.
Aspecto não ressaltado nas interpretações dos resultados de 19 de fevereiro é a persistente e secular diferença entre a costa, onde está Guayaquil, e a ‘sierra’, onde se situa Quito.
Em Guayaquil forças conservadoras têm mostrado forte enraizamento, o que é evidenciado pelo fato de Jaime Nebot Saadi, grande liderança conservadora próxima aos banqueiros equatorianos e aos proprietários de terras de produção bananeira, ter sido reeleito prefeito por cinco vezes, a última em 2014.
Já a modernidade trazida pelo governo Correa concentrou-se mais na área de Quito.
Uma última consideração a ser feita é a respeito do papel das lideranças políticas. Num mundo altamente conectado, elas mantêm sua importância. A avaliação positiva obtida por Correa o transformou num líder carismático.
As eleições de 2017 são as primeiras que se realizam sem sua presença. Esse é um fato importante e servirá para medir a estabilidade das instituições no longo período.
Na Assembleia Nacional eleita, Alianza PAIS detém 55% das cadeiras, clara maioria, mas já não tão ampla no período 2013-2017. A votação para o parlamento consolida a ideia de que o partido de Correa detém enraizamento e apoio.
Manuela Celi Moscoso sublinha um problema: a existência de uma liderança política forte e carismática tem papel importante. Nas eleições do Equador não surge de forma clara um projeto nacional, mesmo na candidatura Lenin Moreno.
As ideias de desenvolvimento aparecem sob forma de defesa do papel do Estado, sem adequada ponderação dos fatores. A polarização prevalece sobre as propostas.
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O que as eleições no Equador podem ensinar sobre a América Latina? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU