01 Novembro 2016
Coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que congrega 40 mil famílias em onze estados brasileiros, Guilherme Boulos prevê, nessa entrevista exclusiva ao 247, um 2017 de conflitos no Brasil, mas sobretudo na maior cidade do país, onde o movimento é mais robusto.
“São Paulo vai virar uma praça de guerra”, diz ele, antevendo que o novo prefeito irá usar a força para reprimir a luta pela moradia. “Doria disse que vai acabar com as ocupações. É próprio de alguém que nunca saiu do Jardim Europa. Ninguém pede licença ao prefeito para fazer ocupação”.
A entrevista é de Alex Solnik, publicada por Brasil247, 30-10-2016.
Boulos classifica o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, como “um sujeito de índole autoritária”, sempre “à procura de um inimigo interno”. Sergio Moro “não é uma referência de Justiça” e ” tem mentalidade de justiceiro”. “Para ele”, diz Boulos, “vale qualquer coisa, até passar por cima da constituição, para que ele possa pegar quem ele quer pegar”.
E define a missão do general Etchegoyen no governo Temer: “Ele tem o papel de infiltrar gente, como fez com aquele capitão do Exército aqui em São Paulo nos movimentos sociais, com o objetivo de monitorar os movimentos, preparar a escalada repressiva… um cenário preocupante”.
O MTST irá às ruas se Lula for preso? “Uma prisão arbitrária do Lula não é um ataque apenas ao Lula. É uma declaração de guerra. Evidente que vai gerar reações”.
Há quanto tempo você mora na periferia?
Eu moro na periferia de São Paulo há quinze anos, desde que eu entrei no MTST.
É perigoso morar lá?
Olha, não acho. Perigoso é andar pelo Congresso Nacional. Eu me sinto mais seguro no meu bairro do que quando eu tenho que ir para Brasília.
Por que você foi morar lá?
Olha, você sabe que eu tenho origem nas camadas médias, mas logo cedo, ainda secundarista comecei a militar no movimento estudantil. E fui me envolvendo com os movimentos sociais, com os movimentos de esquerda e quando o MTST entra na região metropolitana de São Paulo, em 2001, eu tinha acabado de entrar na faculdade, eu passei a apoiar as ocupações que ocorriam, vi nessas ocupações uma legitimidade, uma capacidade de organização e de mobilização muito forte, um espaço onde podia renascer o contato da esquerda com o povo. O bom e velho trabalho de base. Perdido, esquecido. Por isso fui morar nas ocupações.
Você é um sem-teto?
Existe uma falta de compreensão de quem é o sem teto por parte da sociedade brasileira. As pessoas acham que sem teto é a pessoa que está em situação de rua. Claro que é, mas não só ela. O déficit habitacional é de 6 milhões de famílias no Brasil. E esse déficit é composto majoritariamente por famílias que pagam aluguel, comprometendo uma parte expressiva da sua renda, relacionada a coabitação, várias famílias morando na mesma casa, famílias morando em situação de risco – esses também são sem teto. O cara que está pagando aluguel em situação precaríssima, se amanhã ele perde o emprego ele vai para a rua. Então, as pessoas que vão para as ocupações e se organizam no MTST são desse perfil de trabalhadores.
Quantos vocês são?
São 35 mil a 40 mil famílias organizadas no país. Divididas em onze estados brasileiros. Principalmente nas capitais e nas regiões metropolitanas. O movimento se organiza através de ocupações de terrenos urbanos e de núcleos comunitários em bairros, onde também se organiza a luta por moradia. Em São Paulo temos mais de 90 núcleos comunitários. E 27 ocupações. É onde o movimento é maior. É forte em Fortaleza, em Curitiba, Uberlândia, tem uma força razoável no Distrito Federal, Rio de Janeiro.
O número de ocupações cresce ou diminui?
Há uma crescente nas ocupações urbanas e na luta por moradia. De 2008 a 2014 houve um surto inédito de especulação imobiliária no Brasil. A valorização do metro quadrado nas maiores cidades brasileiras superou 200%, em São Paulo chegou a 215%, no Rio de Janeiro, 260%. Isso gerou uma inflação de aluguéis. E essa dinâmica gerou novos sem-teto. As pessoas que moravam numa região foram jogadas em regiões mais distantes, piorando a sua qualidade de vida, foram sendo despejadas. Terra virou ouro. A disputa pelas terras significa o aumento do número de despejos coletivos. Tudo isso agravou o conflito fundiário urbano no Brasil. E aumentou muito o número das ocupações. No próximo período a tendência é que isso se torne ainda mais explosivo. A especulação imobiliária diminui com a recessão, mas a esse processo se somam o desemprego que não havia antes e o arrocho salarial. Como as pessoas vão pagar aluguel? A tendência no próximo período é haver um aumento da luta por moradia.
O que você espera da relação com o novo prefeito de São Paulo? Haverá diálogo?
Olha, o João Doria deixa claro que não quer diálogo conosco. Doria vem de uma elite preconceituosa. Durante a campanha construiu um discurso raivoso em relação ao movimento social, às ocupações, como se ocupação fosse um gesto de vontade…o MTST resolveu fazer ocupações! Como se a ocupação não fosse o resultado da falta de escolha de milhares, de milhões de pessoas a quem nunca foi dada oportunidade de moradia digna. Ele disse que vai acabar com as ocupações. “Não vai ter ocupações no meu governo”. É próprio de alguém que nunca saiu do Jardim Europa. Ele não entende o que é dinâmica de ocupação. Ninguém pede licença ao prefeito para fazer ocupação. As ocupações vão haver porque existe um agravamento da situação social no Brasil. Ninguém vai pedir licença pro João Doria pra fazer ocupação. E tudo indica que o governo dele tende a reagir com repressão, com tentativa de ataque aos movimentos, ondas de despejo. São Paulo vai virar uma praça de guerra.
A relação de vocês com a Dilma já era difícil. E agora, com Temer, vai existir alguma relação?
O MTST sempre prezou por manter uma rigorosa autonomia política em relação aos governos. Nunca foi um movimento do PT. O MTST fez uma série de mobilizações de enfrentamento aos governos petistas quando a pauta do movimento não era atendida. Evidentemente que esse cenário, com a consumação do golpe institucional, você tem um governo que apresenta uma ofensiva maior aos trabalhadores e isso reforça a necessidade de luta social. A relação do MTST com os governos é uma relação de luta social. Evidentemente que o MTST negocia programas habitacionais, sua pauta específica, mas faz isso respaldado e rastreado na mobilização social.
Vai haver algum tipo de diálogo com o governo Temer?
É difícil…
Como você define esse governo? Direita? Centro-direita? Extrema direita?
É um governo de direita, conservador na política, ultraliberal na economia…a PEC 241 é um escândalo! Ela está passando sob a apatia e o silêncio da maior parte da sociedade. Não há precedentes em nenhum lugar do mundo de uma regra, ainda mais de uma regra constitucionalizada que estabeleça política de austeridade por vinte anos! Congele os investimentos sociais por vinte anos!
E por que vinte anos? De onde tiraram esse número?
Deve ser um número cabalístico. O que pega aí é que, evidentemente, vai haver momentos de crescimento econômico nos próximos dez ou vinte anos… e isso tem sido pouco falado… que a PEC vai cortar investimentos em saúde e educação, assistência social, programas sociais, isso tem se falado… agora, tudo bem, e o crescimento econômico? Com o crescimento econômico vai aumentar a arrecadação, mas como vai haver teto de gastos, mesmo com o aumento da arrecadação isso não vai poder ir para investimento social. Para onde vai a receita do crescimento econômico brasileiro nos próximos vinte anos? Vai para o pagamento dos juros da dívida pública que não tem teto. Vai para meia dúzia de detentores de títulos do estado brasileiro. Isso é escandaloso! Isso é uma captura do estado pelo capital financeiro! É selvagem! Daí se diz olha, nós estamos num nível de endividamento alto… a dívida em relação ao PIB representa hoje 60% do PIB… dos Estados Unidos é 108% do PIB…do Japão, mais de 200%…na Alemanha que é o símbolo da austeridade é de 75% do PIB…não há nada que justifique uma medida draconiana dessa natureza. A não ser a oportunidade de rapinagem dada por uma situação política de um governo ultraliberal, sem legitimidade social, não respaldado no voto popular e que não tem um programa eleito que ele precise seguir. Essa circunstância vai fazer o país pagar caro. Se isso for aprovado o brasileiro vai pagar caro pelas próximas gerações.
Os movimentos sociais vão continuar indo pra rua contra a PEC mesmo depois das derrotas na Câmara?
Nós temos ido às ruas contra a PEC, essa semana, no dia da votação teve manifestação em várias capitais do Brasil. Qual é o problema? O problema é que só os movimentos sociais não têm força suficiente para reverter o processo. As pessoas dizem “os movimentos estão paralisados, os movimentos estão silenciados”, o que não é verdade, tem manifestação toda semana. O problema é que esses temas essenciais pelos quais a gente tem feito mobilização ainda não têm atraído a grande massa, que é a principal afetada por essas políticas. A massa trabalhadora, o povão das periferias urbanas não tem ido às ruas, a não ser aqueles que já estão organizados em movimentos sociais. Mas esses que estão organizados em movimentos sociais, embora combativos, importantes, não têm força suficiente para barrar projetos dessa natureza… os caras têm 3/5 do Congresso Nacional. Pra barrar isso vai ser preciso colocar não milhares nas ruas, mas centenas de milhares, milhões e não é esse o cenário que está colocado, apesar das iniciativas e das mobilizações dos movimentos sociais.
Quais são as caras que caracterizam esse governo como um governo autoritário? Para mim, os dois rostos mais emblemáticos são os de Alexandre de Moraes e de Sergio Moro (embora não seja do governo, mas do sistema).
Desde esse ponto de vista da escalada autoritária, de criminalização de lutas, de criminalização dos movimentos sociais o Alexandre de Moraes representa isso com primor. É um sujeito de índole autoritária. A primeira declaração quando ele assume o Ministério da Justiça é que supostos excessos dos movimentos sociais vão ser arrolados como crimes. Depois, ele vem e diz que não falta treinamento, preparo técnico ou teórico às polícias, falta armamento, falta poder bélico. É a velha lógica do inimigo interno que marca todos os governos autoritários. Mas não é só o Alexandre de Moraes. Nós temos o general Etchegoyen, com status de ministro, chefe do Gabinete de Segurança Institucional…
E ninguém sabe o que ele faz…
Ele tem o papel de infiltrar gente, como fez com aquele capitão do Exército aqui em São Paulo nos movimentos sociais, com o papel de monitorar os movimentos, preparar a escalada repressiva… um cenário preocupante. Porque nós temos esse processo atuando contra os movimentos em diversos níveis. Tem esse nível da repressão direta, tem o nível da criminalização judicial e tem o nível da desmoralização. Que esse não é feito no porrete. Esse é feito com aparato midiático. Construíram um consenso na sociedade de que movimento social é coisa de quem quer boquinha, coisa de quem quer um cargo, de quem quer pegar dinheiro público…esse tipo de desmoralização da luta por direitos dos movimentos sociais tem ecoado diariamente no discurso da grande mídia e ele legitima e prepara uma criminalização e uma repressão mais dura.
Esse Plano Nacional de Segurança que está sendo preparado o que te parece?
Eu não tenho muito conhecimento, acompanhei pela imprensa.
O nome é parecido com Lei de Segurança Nacional.
Imagino que não seja coisa boa. Vindo de onde vem, imagino que coisa boa não deve ser…
Você acha que essa aliança PMDB-PSDB, essa maioria de 3/5 no Congresso é coisa para durar?
Eles têm uma aliança. O Fernando Henrique chamou isso de Novo Bloco de Poder. Agora, no meio do caminho tem um Eduardo Cunha, no meio do caminho tem a Lava Jato, que pode criar problemas para essa aliança deles também. Não sabemos aonde isso vai chegar, quem vai pegar, se pega o próprio Temer, quem vai pegar do PSDB, se é que vai pegar alguém… quem vai pegar da cúpula do PMDB…há uma incerteza no cenário político que está relacionada a isso. Mas, do ponto de vista programático eles têm uma afinidade importante e, do ponto de vista do método, a velha lógica de comprar votos do centrão… distribuir cargos pelos métodos mais fisiológicos…
E banquetes… aliás, esse hábito de banquetes é dos anos 30, quando o então candidato à presidência em 1937, Armando Salles de Oliveira oferecia gigantescos banquetes em sua campanha, verdadeiros banquetes-comício…Parece que voltamos à década de 1930…
Eu acho que se a volta fosse para 1930 não seria tão ruim, na minha opinião, desde alguns pontos progressivos que se pode verificar no período Vargas. A CLT é da década de 1940…
Em 1930 faltavam sete anos para o Estado Novo… havia tortura… queima de livros… queimaram a obra de Jorge Amado e de José Lins do Rego…
Claro, claro, mas o governo Vargas é um governo contraditório, teve esse elemento repressivo mas teve elementos populares que no governo Temer não se tem.
Nenhum.
Por isso é que eu acho que a analogia tem esse limite.
Nem eu quis comparar Getúlio com Temer… nada disso, Temer não tem condições nem de engraxar os sapatos de Getúlio…
Não há comparação.
Quem é o Moro para você? Um fascista? Como você o descreve?
Olha…
Ele é popular na periferia?
Todo mundo que a Globo elege como herói ganha popularidade. Eu acho que o Sérgio Moro é alguém com uma mentalidade fortemente autoritária. Mentalidade de justiceiro. Ele trabalha no registro de justiceiro mais do que de juiz. Para quem vale qualquer coisa para que ele possa pegar quem quer pegar. Vale passar por cima da constituição, vale desrespeitar garantias individuais elementares, vale acabar com o direito de defesa, vale acabar com a presunção de inocência, vale eliminar o habeas corpus que é o elemento básico de um estado de direito. E além dos seus procedimentos, digamos, autoritários, atua de forma evidentemente seletiva. Não há como não ver, no caso do Lula, por exemplo, que há uma perseguição, uma tentativa de linchamento, de julgamento, ancorado também numa aliança com a mídia, mas há uma perseguição decidida do Moro e da Procuradoria, colocaram como alvo: queremos prender o Lula. Depois vamos encontrar como. E é o que eles estão fazendo há mais de um ano. Encontrando como. E preparando a opinião pública para isso. Eu não acho Sérgio Moro referência de Justiça.
Se Lula for preso vocês vão pra rua?
Uma prisão arbitrária do Lula não é um ataque apenas ao Lula. Alguns dias depois da condução coercitiva do Lula, em março, aconteceu um fenômeno, muito localizado, mas que me chamou atenção. Numa ocupação do MTST na Zona Sul de São Paulo, a polícia foi, fez uma abordagem, começou a agredir as pessoas e um dos policiais que estava comandando falou “vai lá, chama Lula agora”! Qual é o simbolismo disso? “Se nós estamos fazendo isso com o Lula, o que não vamos fazer com vocês”?! Fazem isso com um cara que foi tido em qualquer pesquisa como o melhor presidente da história do país, que saiu com uma popularidade incrível, ex-presidente da República duas vezes…então, uma prisão arbitrária do Lula significa um avanço no sentido dos ataques, na nossa opinião, ao movimento social, inclusive. Evidente que vai gerar reações.
Você acha que a prisão dele seria uma espécie de declaração de guerra?
Olha, são tantas as declarações de guerra… eu acho que essa é mais uma… a PEC 241 é uma declaração de guerra… a reforma da Previdência é uma declaração de guerra…os vários gestos de criminalização dos movimentos são declarações de guerra. Essa é mais uma.
O que aconteceu com o PT? Por que o PT trilhou esse caminho que deu no que deu?
Eu acho, Alexander, que foi uma escolha que foi sendo construída ao longo do tempo, não foi uma decisão numa encruzilhada. Ocorreram várias encruzilhadas nessa história. O PT nasce como uma inovação – partido vindo das lutas sociais – nasce a quente. Resultado das greves, das comunidades eclesiais de base, movimentos urbanos, movimentos rurais, esse caldo forma o PT. E, pouco a pouco, ao longo dos anos 90, o PT constrói o entendimento de que o centro da sua política e da sua estratégia é a disputa institucional, particularmente ganhar a presidência da República. Até aí eu não vejo que esse seja o grande problema. O problema é que isso foi dissociado das lutas e mobilizações. Se entendeu que era necessário, para ser aceito no jogo eleitoral, abrir mão de ferramentas mobilizatórias que eram a própria origem do PT. Era a sua substância, aquilo que ele tinha de mais poderoso. Quando chega ao governo depois das eleições de 2002 já chega mediante essas escolhas, esses pactos. E a estratégia que estabelece a partir de 2003, 2004 é uma estratégia de tentar governar sem conflitos. Ao mesmo tempo que é verdade – e isso precisa ser reconhecido como mérito dos governos petistas – que houve aumento progressivo do salário mínimo, houve crédito popular, houve a formação de uma série de programas sociais importantes para o povo mais pobre, ou seja, que o andar de baixo ganhou, é também verdade que isso foi feito sem mexer com nenhum privilégio do andar de cima. Foi feito sem pautar as reformas estruturais e populares que seriam o centro dessa estratégia de esquerda: reforma tributária, reforma urbana, reforma agrária, o tema da dívida pública, democratização das comunicações, democratização do sistema político. A lógica da governabilidade junto aos setores conservadores que mantiveram o controle do Parlamento tão enraizados no estado brasileiro significou abrir mão de pontos fundamentais. Aí poderia se perguntar: mas poderia ser de outro jeito? Como poderia ter sido feito diferente? É evidente que é preciso construir condições de governabilidade, uma vez que se chega ao governo. Mas restringir essa governabilidade a aliança parlamentar com os partidos conservadores é você despotencializar o seu projeto político. Governabilidade também se constrói – e há várias experiências políticas que mostram isso – nas ruas, se constrói mobilizando, estimulando as forças sociais, inclusive a pressionar o Parlamento e construir um polo que dê condições ao governo de tomar medidas mais à esquerda. Foi uma sucessão de escolhas que levou à situação em que estamos hoje. E, de algum modo, o golpe representa a ruptura da própria burguesia, que não deixou de ganhar nesses governos, ao contrário, ganhou muito com esse pacto. Foi o momento em que a burguesia acredita que está forte o suficiente para não precisar mais da conciliação. E pode vir com um programa de espoliação mais radical…
E ela também percebeu que o governo perdeu o apoio popular…
Esse foi um ponto decisivo. Por isso que a política de ajuste fiscal executada pela Dilma após as eleições de 2014 tem uma responsabilidade importante no desfecho dessa situação. Porque quando ela ganha as eleições naquele segundo turno polarizado e muito mobilizado, inclusive, e no dia seguinte começa a aplicar o programa derrotado, faz um ajuste, por mais que seja um ajuste que perto do que está acontecendo agora é brincadeira de criança, mas esse ajuste fez com que a base popular que havia eleito ela e aquele programa e ainda confiava no PT como uma alternativa e que foi colocada na condição de ter que pagar a conta da crise, essa base, digamos, se distancia do governo, deixa de sustentá-lo e o governo fica numa situação flutuante, não tem mais sustentação social, ele cai para 10% de aprovação, de popularidade. Quando a burguesia vê isso eles falam “bom, é a hora”.
Na periferia também há posições de esquerda e de direita ou são todos de esquerda?
Claro que há posições. Agora, há na sociedade brasileira em geral uma tremenda despolitização. Claro que essa despolitização não é responsabilidade do PT, ela é secular. Agora, o PT teve uma oportunidade de envolver as periferias, as massas urbanas como atores sociais e não só como beneficiários. Teria possibilidade de trabalhar com essas pessoas como foi feito em outros lugares da América Latina para que, mobilizadas percebessem o processo como um avanço de direitos e não uma dádiva do estado. Ou, o que é pior, dentro do registro meritocrático. Esse enfrentamento ideológico político não foi feito. E aí é que vemos “prounistas” que apoiaram o impeachment e foram para avenida Paulista de verde e amarelo. Beneficiários de políticas de melhora social que não entenderam isso como parte da política de mudança. Periferias urbanas são complexas, você vai encontrar lá gente de esquerda, gente com pensamento de direita, você tem uma penetração fortíssima dos evangélicos, neo pentecostais…ainda há uma força muito grande da lógica clientelista, mas, de forma geral, hoje, na periferia predomina uma desilusão com a política. A crise de representatividade pega fundo. No sentido de não se perceber alternativa de mudanças. As pessoas votam, é evidente, votam dentro da perspectiva clientelista, mas a falta de esperança de que algo possa mudar através da política e, em especial, da política institucional é generalizada. Não à toa que nós nas últimas eleições tivemos um número de abstenção, de votos nulos e brancos crescente, bateu recordes históricos.
O que você prevê para os dois próximos anos?
Olha, há poucas certezas sobre os dois próximos anos. Talvez uma das mais fortes delas é que será um período de instabilidade social no Brasil. Quando aplicaram um golpe parlamentar da maneira como fizeram, quando guela abaixo da sociedade brasileira impõem um programa que não foi eleito pelo povo, um programa de retrocessos, de regressão social, isso abriu a porteira da instabilidade social no Brasil. Essa ferida não se fecha do dia pra noite. Pode ter alguns momentos como esse em que a reação não é tão forte, a maior parte da sociedade ainda não entende o que está em jogo, demonstra uma certa apatia, mas vão haver momentos, seguramente, de maior enfrentamento. É inimaginável que haja os ataques da maneira que querem implementar e que isso se dê sem reação da sociedade. Os próximos anos vão ser anos de turbulência no Brasil. Agora, acho que precisa ser pontuado que a seletividade não começa com a Lava Jato e com Sergio Moro. Porque o estado brasileiro historicamente é seletivo contra os mais pobres. Garantias constitucionais na periferia nunca existiram. Habeas corpus? Julgamento? Periferia é porrada da polícia, é extermínio, é abuso das prisões preventivas, é forjar provas, forjar flagrantes. A ação da polícia na periferia é uma ação miliciana. Não tem lei. Eles fazem a lei. A polícia brasileira é uma das que mais mata no mundo. Só a polícia de São Paulo matou mais no último ano do que todas as polícias americanas juntas. E tem os autos de resistência. É extermínio. Juventude negra periférica é a que mais morre. Então, esse estado policial e seletivo que fica agora aos olhos do país na Lava Jato não é nenhuma novidade. Para a maior parte do povo brasileiro é regra há muito tempo.
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Prisão de Lula é mais uma declaração de guerra. Entrevista com Guilherme Boulos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU