A sedução da sabedoria. Comentário de Ana Casarotti

Foto: Romolo Tavani | Canva Pro

30 Agosto 2024

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 7,1-8.14-15.21-23, que corresponde ao 22° Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo  Ressuscitado.

Naquele tempo, os fariseus e alguns mestres da Lei vieram de Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus. Eles viam que alguns dos seus discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as terem lavado. Com efeito, os fariseus e todos os judeus só comem depois de lavar bem as mãos, seguindo a tradição recebida dos antigos. Ao voltar da praça, eles não comem sem tomar banho. E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre.

Os fariseus e os mestres da Lei perguntaram então a Jesus: "Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?"

Jesus respondeu: "Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: 'Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos'. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens".

Em seguida, Jesus chamou a multidão para perto de si e disse: "Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem".

Neste domingo, continuamos com a leitura do Evangelho de Marcos, que começa narrando que “alguns mestres da Lei vieram de Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus”.

Eles não vão em busca de cura para certas doenças, como a gente leu em outras ocasiões, nem atraídos pelos comentários de pessoas simples que se admiravam com suas palavras. Eles vão para “observar”, que será o que eles vão fazer quando estejam perto de Jesus. São aparentes supervisores da conduta e do comportamento daqueles que estão próximos a Jesus. Eles viram que alguns de seus discípulos comiam pão com as mãos impuras, ou seja, sem tê-las lavado.

Eles não são atraídos pelas pessoas que podem estar perto de Jesus, mas permanecem com a atitude dos discípulos que comiam sem lavar as mãos. Eles não vão por curiosidade, nem são atraídos pelas palavras de Jesus, nem pela simplicidade das pessoas que se aproximam dele. Sua atitude é “ver”, quase como promotores que analisam o comportamento dos discípulos de acordo com a lei. De Jerusalém, eles se reuniram em torno de Jesus para investigar, como também relata o Evangelho de Lucas: “Os escribas e os fariseus observavam atentamente Jesus para ver se ele estava curando no sábado, pois queriam encontrar algo de que acusá-lo” (Lc 6,7).

A Lei era importante para os judeus porque os orientava em sua maneira de viver a aliança, dava-lhes diretrizes claras sobre o que contribuía para viver o relacionamento com Deus, que os havia libertado da escravidão e feito uma aliança com eles, e também sobre o que os separava dessa aliança. Era uma forma de manter sua identidade! Mas, especialmente após o exílio, os escribas fizeram tantas interpretações da Lei, acrescentando tradições, obrigações e regras, que era impossível para o povo conhecê-las e muito menos cumpri-las. Eles se tornaram um regulador de conduta que classificava aqueles que observavam tudo o que pensavam e decidiam como bons judeus e aqueles que não o faziam como maus judeus ou pessoas ignorantes e indignas. Dessa forma, perdeu-se o verdadeiro significado de viver a aliança de amor que Deus havia selado com seu povo.

Os fariseus e os mestres da Lei perguntaram então a Jesus: "Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?"

Firmes em sua posição de controladores da lei e, portanto, do julgamento das atitudes das pessoas, eles questionam Jesus porque seus discípulos não lavam as mãos antes de comer, quebrando a tradição dos antigos. Como ele permite que seus discípulos comam sem lavar as mãos? Jesus aproveita a oportunidade para desmascarar a hipocrisia daqueles que olham para o exterior e não sabem ver a vida que bate dentro das pessoas. Ele pega as palavras do profeta Isaías para descrevê-los: "Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: 'Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”. É por isso que ele continua dizendo a eles: Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens". Eles permaneceram nas tradições, nas palavras, em seu próprio conhecimento, que talvez considerem como sabedoria. Mas eles se afastaram de Deus, tornaram-se juízes daquilo que eles mesmos inventaram ao longo do tempo, que são as interpretações progressivas da lei, que eles chamam de tradição.

Em nome dessa lei, eles usam palavras vazias, totalmente desvinculadas da aliança de amor de Deus com o povo, e se tornam vigilantes e inspetores rigorosos do comportamento dos outros de acordo com as regras que eles mesmos criaram. Como Jesus lhes diz, eles esquecem o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens. E Jesus reforça sua reflexão sobre o julgamento feito pelos fariseus e pelos mestres da lei e diz: “Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior”. [...] “Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem". Jesus sabe com absoluta clareza que não há nada fora do homem que possa torná-lo impuro, mas que “as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo” vêm de dentro do homem.

Quem são os inspetores de hoje que determinam o que é bom, o que é justo, o que constrói o bem comum, o que gera a verdadeira fraternidade, o que agrada a Deus? Quem são os sábios que nos cercam e que controlam as ações das pessoas simples e singelas, colocando-as sob o jugo de seus olhares? São aqueles que acumulam conhecimento passageiro, opiniões descritas ou ouvidas em diferentes plataformas ou que os ajudam a ter uma “interpretação sábia” do que deve ser feito. Líderes políticos ou religiosos, personalidades da mídia ou influenciadores das mídias sociais, acadêmicos ou grupos “proeminentes” têm uma característica comum: promovem ideologias excludentes, marginalizam perspectivas diferentes, espalham mensagens de ódio e intolerância.

Jesus nos convida a ter uma visão holística da pessoa humana, a não nos deixarmos deslumbrar pelo conhecimento “sábio” que nos posiciona em um determinado lugar, gerando superioridade e domínio de alguns sobre outros. A verdadeira sabedoria não é a soma de certos conhecimentos, nem um conjunto de ideias, sejam elas sociais, culturais ou religiosas, que formam uma rede que serve apenas para separar ricos e pobres, sábios e ignorantes ou praticantes e agnósticos. O Papa Francisco, referindo-se aos sistemas de IA, menciona que “os possíveis efeitos danosos, discriminadores e socialmente injustos dos sistemas de IA. O risco maior, segundo ele, é “a redução do pluralismo, a polarização da opinião pública ou a construção do pensamento único”. Por isso, exorta a criar “modelos de regulamentação ética de tais sistemas”. (Disponível em: Inteligência artificial ou sabedoria humana? A necessidade de superar os dualismos e habitar o devir da complexidade. Artigo de Moisés Sbardelotto)

Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem" Com essas palavras, Jesus nos convida a nos perguntarmos o que vem do nosso coração? Quais são as intenções que orientam nossas opiniões, que geram nossos pontos de vista e julgamentos sobre a realidade ou sobre os outros? Por meio de quais atitudes - pessoais ou comunitárias - somos “sábios” para julgar o comportamento dos outros, tornando-nos “certos” ou aqueles que trilham o caminho “verdadeiro”?
Pedimos ao Senhor que nos ajude a não sermos acumuladores de uma sabedoria vã que simplesmente gera um status passageiro no sentimento social, mas não cria raízes e nos prende em nossa subjetividade. Pedimos ao Senhor que tenhamos uma mente aberta que saiba ser empática com o que é novo e diferente, que realmente construa uma sociedade mais justa, uma religião mais autêntica, uma vida mais igualitária em termos de direitos básicos.

Oração

Felizes aqueles

Felizes aqueles que diante de Deus são pobres:
a eles Deus dará o seu Reino.
Felizes aqueles que estão tristes:
Deus os consolará.
Felizes aqueles que não são violentos:
Deus lhes dará a terra prometida.
Felizes aqueles que desejam ardentemente aquilo que Deus quer:
Deus atenderá os seus desejos.
Felizes aqueles que têm compaixão dos outros:
Deus terá compaixão deles.
Felizes aqueles que são puros de coração:
esses verão a Deus.
Felizes aqueles que defendem a paz:
Deus os acolherá como filhos.
Felizes aqueles que são perseguidos:
a eles Deus dará o Reino.

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