A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 17º Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto bíblico de Mateus 13,44-52.
“O Reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo...; é também como um comprador de pérolas preciosas” (Mt 13,44-45)
As parábolas têm sua força na luz da proposta e não na agressividade do contraste. São implicativas, tem valor universal, não precisam de um passo prévio de preparação intelectual para poderem ser compreendidas. São entendidas porque são transparentes, pequenas, sem contornos sofisticados.
As parábolas nos evangelhos despertam o dinamismo da fé para acolher a novidade do Reino apresentada por Jesus. É na mesma fé que elas adquirem força para serem propostas, compartilhadas e presenteadas.
As parábolas são parte essencial dos métodos terapêuticos de Jesus. Ele cura por meio de histórias, cura usando palavras que abrem o coração dos ouvintes para a própria verdade e para uma relação mais sadia com o Pai. Com seus relatos, Jesus desperta e extrai o melhor e mais nobre presente no interior de cada um; quem o escuta sente um novo movimento que o faz sair de si e abrir-se às surpresas da vida.
Por isso, as parábolas apresentam uma linguagem simples, comum, próxima. Para quem as escuta ou as lê, é preciso alargar seus espaços interiores numa atitude de atenção acolhedora, de encontro, de deixar-se envolver e provocar por elas, sem ter que forçar o texto ou uma interpretação. As parábolas apresentam-se sempre como relatos abertos, provocando diferentes reações, despertando e ampliando a vida.
Podemos, então, dizer que as parábolas contadas por Jesus são “arriscadas”. Não pertencem à literatura de consumo; ampliam a vida e a comprometem; pronunciá-las ou assumi-las como estilo de vida, dá medo... Colocam-nos no fluxo do divino e precisamente por isso tem um atrativo muito especial: são incontestáveis.
As parábolas do tesouro escondido ou da pérola procurada, presentes em diferentes tradições sapienciais, constitui um convite a encontrar ou descobrir aquilo que, mesmo sem saber, desejamos: o que realmente somos. Elas contêm várias indicações valiosas: o tesouro e a pérola estão aí, o tempo todo; trata-se simplesmente de descobri-los. Não são algo separado de nós, nem algo do qual carecemos, mas justamente aquilo que somos. Quando os encontramos ou descobrimos, tudo o mais começa a ser visto como algo secundário; e essa descoberta se traduz em alegria perene.
Todo ser humano anseia por esse tesouro e essa pérola. De fato, é essa aspiração que nos move, nos faz iniciar a busca e percorrer diferentes caminhos, atraídos sempre por seu aroma de plenitude.
No entanto, nessa busca pode acontecer de tudo: nos distraímos e terminamos enredados; nos conformamos com pequenas “guloseimas” ou nos entretemos com “brinquedos”, esquecendo o tesouro real; calamos a voz do desejo profundo, abafando-nos com múltiplos ruídos; dizemos a nós mesmos que a aspiração profunda é inventada e que é necessário ser “práticos” e não acreditar em “contos” ilusórios...
E, mesmo no melhor dos casos, quando a busca se apoia numa forte determinação, não é fácil superar a armadilha que nos incita a buscar o tesouro ou a pérola em “algo” fora, longe ou no futuro.
Há em todos nós o “bom odor” da plenitude. Mas, nossa mente, identificada com nosso ego separado, nos faz crer que a plenitude se encontra fora e aí começamos a correria que não conduz a nenhum lugar.
As parábolas deste domingo nos recordam esta inspiradora verdade: nós, em nossa verdadeira identidade, somos já o que estamos buscando. Não é preciso correr para fora, porque onde temos de chegar é no nosso eu mais profundo, na nossa essência, onde somos nós mesmos. Basta pacificar a mente e, se tivermos paciência e perseverança nisso, o silêncio nos mostrará o tesouro que desde sempre aspiramos. Quando isto acontece, a busca será concluída: descobrimos o que sempre fomos e que nos permanecia oculto.
Só podemos encontrar o tesouro e a pérola dentro de nós se descermos ao chão de nossa vida, ou mergulharmos nas profundezas de nossa interioridade. É normal que nós nos surpreendamos frente a frente com um “eu” desconhecido, temido ou reprimido há muito tempo.
O caminho para o nosso tesouro passa pelo diálogo com os nossos instintos, com nossas paixões, com nossos problemas e fragilidades, nossas angústias e nossas feridas, com tudo quanto grita dentro de nós e consome nossa energia. A espiritualidade cristã nos mostra que exatamente em nossas feridas nós descobrimos o tesouro do nosso verdadeiro “eu” escondido no fundo de nosso coração.
“Lá onde nós fomos feridos, onde nos quebramos, aí nós também nos abrimos para Deus” (H. Nouwen)
Se algo nos deixa claro nas parábolas deste domingo é que a renúncia ou desprendimento evangélico não é um meio para ter acesso ao Reino, mas consequência de tê-lo encontrado. É o tesouro e a pérola que exigem e possibilitam a renúncia, uma vez encontrado. Não o inverso. É muito curiosa esta íntima relação evangélica entre a alegria e a perda. Uma alegria que nos mobiliza... e nos despoja.
“A alegria é o primeiro efeito do amor e, portanto, da entrega... Pelo contrário, a tristeza é um vício causado pelo desordenado amor de si mesmo, que não é um vício especial, mas a raiz geral de todos eles” (S. Tomás de Aquino).
A partir daqui se entende muito bem a ligação direta entre alegria e entrega total, pois “cada um tanto se aproveitará em todas as coisas espirituais, quanto sair de seu próprio amor, querer e interesse” (S. Inácio).
Sempre e quando seja um sair que nos adentra em nós mesmos, nos desaloja para poder viver “em casa”.
Talvez nos ajude a recuperar o sentido da abnegação e o “custo” (vendeu tudo) como condição necessária para uma vida evangélica. É o duplo movimento do “empobrecer-nos para sermos ricos” (2Cor 8,9), para que o tesouro que nos habita seja o centro de nossa vida e não o ego inflado e estéril.
E isso porque se trata de descentrar-nos, de esvaziar o ego e converter o “eu” em um receptáculo cada vez mais disponível para que Deus possa irromper e manifestar-se através dos nossos melhores recursos.
Enfim, podemos proclamar esta certeza: o tesouro e a pérola é o que “Deus é em nós”. Não se trata de um conhecimento discursivo ou racional, mas de uma experiência no mais profundo de nosso ser. Continuamos a investir na descoberta de um Deus que está fora, que nos controla à distância e que nos oferece falsas seguranças. Esse é um caminho equivocado que não conduz a lugar nenhum.
O tesouro é Deus mesmo presente em cada um de nós. Ele é a verdadeira realidade que somos, e que são todas as demais criaturas. A identidade de todos os seres é dada por essa presença que habita e ilumina tudo: “nos elementos dando o ser; nas plantas, a vida vegetativa; nos animais, a vida sensitiva; nas pessoas, a vida intelectiva; do mesmo modo em mim, dando-me o ser, o viver, o sentir e o entender” (S. Inácio).
O que há de Deus em nós é o fundamento de todos os valores. O Reino, que é Deus, está em nós. Essa presença é o valor supremo. Quando as religiões esquecem isto, elas se convertem em ideologias escravizantes. O tesouro, a pérola não representam grandes valores, mas uma realidade que está para além de toda valoração. Aquele que encontra a pérola preciosa não despreza as outras. Deus não se contrapõe a nenhum valor, mas potencia o valor de tudo o que é bom, belo e verdadeiro.
Sabemos que o coração se enraíza onde cremos ter o mais valioso de nossa vida, aquilo pelo qual faríamos qualquer coisa. E a isso que valorizamos como um tesouro, não só lhe entregamos o coração, senão que vivemos correndo atrás dele.
Diante da presença de Deus, esteja aberto ao contato com a própria realidade interior, para que venha à superfície aquilo que o sustenta e dignifica o seu viver.
Dirija seu olhar para o mais íntimo de si, onde nascem sentimentos e valores, decisões e gestos... onde você é convidado a se alegrar com os rastros da Graça.
- Em que investe sua vida, seu tempo mais importante, suas forças? Você busca o máximo que pode alcançar ou se conforma e se instala nas migalhas de segurança e comodidade que se esvai e se escorre como a água?
- Há uma sede existencial em seu interior que o mantém em permanente “estado de busca”; há uma “voz interior” que o move a buscar o maior, o melhor, ativando todas as suas potencialidades?