Por: Ricardo Machado | 20 Outubro 2018
Em fevereiro deste ano os pesquisadores Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, e Thomas Lovejoy, professor da George Mason University, nos Estados Unidos, publicaram na revista Science um artigo explicando que se o desmatamento da Amazônia alcançar 20% (atualmente a taxa é de 18%) as consequências serão irreversíveis. O local que abriga a maior biodiversidade do planeta e fonte de riquezas incalculáveis depende, justamente, da preservação. Ao contrário da complexidade que o tema exige, a pauta “Amazônia” tem aparecido no debate eleitoral de forma caricata, reducionista e, por que não, estúpida.
Sônia Guajajara e Felício Pontes (Fotos: Ricardo Machado/IHU)
Durante aproximadamente duas horas o tema foi debatido por Felício Pontes Jr, procurador da república junto ao Ministério Público do Distrito Federal, e pela líder indígena Sônia Guajajara, representante nacional do Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib, na quinta-feira à noite, 18-10-2018, na Unisinos, em São Leopoldo/RS. O evento, intitulado Palestra Megaprojetos e Amazônia sob a perspectiva social, jurídica, cultura e ambiental, encerrou a programação da 3ª Semana de Estudos Amazônicos – Semea.
A fala foi aberta por Felício Pontes Jr, que começou apresentando os paradigmas conflitantes no campo do direito que estabeleceram a relação do Estado nacional com os povos indígenas. “Ao longo de quatro séculos o Brasil manteve uma postura assimilacionista em relação aos povos indígenas, em que a lei 6001 de 1973 previa que eles fossem integrados progressivamente à cultura branca. Depois de 1988, com o artigo 273 da Constituição Federal, essa noção foi transformada e passou a vigorar a doutrina da autodeterminação, em que reconhece o direito dos indígenas à auto-organização social, costumes e tradições. De modo que o Estado assume o compromisso em protege-los”, explica.
Para o procurador, é importante que todos se empenhem para que a doutrina atual seja implantada, o que nunca ocorreu de modo consistente, mesmo tendo passado 30 anos da promulgação da Constituição. “A Constituição mandava marcar os territórios indígenas em cinco anos e até hoje não demarcaram. Sem demarcação não tem educação, segurança alimentar e moradia para esses povos. Como já disse a Sônia, que está aqui do meu lado, 'Terra é mãe. Mãe não se vende, não se troca, não se negocia''”, assevera Pontes.
A Amazônia e toda sua biodiversidade tem sido alvo de um modelo predatório baseado, principalmente, em cinco atividades: madeira, pecuária, mineração, monocultura e energia. Pontes lembrou que dos projetos de financiamento para exploração econômica da Amazônia que ele investigou, subsidiados pelos bancos Sudam, Banco da Amazônia (ambos extintos) e o Banco do Brasil, todos continham irregularidades. “A extração de madeira ilegal continua a plenos pulmões. Nos locais de mineração, quando acaba o processo de extração as populações locais ficam mais pobres que antes. A pecuária tem baixa produtividade. Além disso, estamos destruindo a maior biodiversidade do planeta por monoculturas. Por fim, não há impacto maior na biodiversidade que a construção de hidrelétricas”, descreve.
Na contramão do modelo predominante, o extrativista, a perspectiva socioambiental aparece não somente como a mais rentável, mas também, como a mais responsável. “Estamos deixando de produzir aquilo que somente nós da Amazônia podemos, os óleos vegetais e os bens da floresta que ninguém mais tem e que têm um imenso valor de mercado”, sugere o procurador. “Apenas mantendo a Amazônia em pé, 17 atividades ligadas ao ecossistema amazônico, do abastecimento de água à regulação climática, rendem 692 bilhões de dólares por ano”, sinaliza Pontes.
“O mercado fitoterápico produz anualmente 50 bilhões de dólares e o Brasil movimenta somente 500 milhões por ano. Quando inundaram a região da floresta amazônica onde foi construída Belo Monte, duas espécies endêmicas foram dizimadas. Poderia estar ali a cura para doenças que hoje não têm cura”, lamenta.
Um dos dados mais estarrecedores em relação a Amazônia é que apenas 1% de sua biodiversidade foi estudada. “Somente na Universidade de São Paulo – USP há mais doutores que em toda a região amazônica. Eu não tenho nada contra os pesquisadores da USP é ótimo que haja tantos lá, o problema é ter tão poucos na Amazônia. Lá são necessários de doutores do Direito à Teologia”, acrescenta.
Sônia Guajajara abriu sua fala ressaltando a importância de os indígenas da Amazônia terem saído de suas regiões e vindo para o sul do Brasil debater questões centrais sobre seus povos e territórios. “Vir aqui para o sul é importante para a nossa luta. Todas as regiões estão impactadas”, frisa.
“Quando se fala de entregar a Amazônia para o estrangeiro, não demarcar um centímetro de terra, acabar com a Fundação Nacional do Índio - FUNAI, acabar com o ativismo, claramente se está falando contra os povos indígenas. É por isso que nós precisamos fazer incidência no processo eleitoral, porque é o nosso destino que será decidido, mas não somente o nosso. O futuro da Amazônia, do Cerrado, do Pampa e da Caatinga depende do futuro da floresta”, ressalta Sônia.
Sônia chamou atenção para uma de nossas importantes contradições, em que o crescimento do Produto Interno Bruto – PIB não representa a diminuição da pobreza e da desigualdade. “Agronegócio, mineração e indústria formam o tripé de nossa economia. O agronegócio e a mineração é onde estão as bancadas mais fortes do Congresso e um dos lugares mais visados pelo agronegócio são as terras indígenas, porque eles olham para esses territórios, que são áreas protegidas, como áreas improdutivas”, pontua Sônia.
O Brasil é um dos signatários do Acordo de Paris, que sediou a COP-21, em que o país se comprometeu em zerar o desmatamento ilegal até 2020 e o desmatamento completo até 2030. “No Congresso tem mais de 30 projetos tentando flexibilizar a legislação de proteção ambiental. A convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT exige a consulta com os povos nativos para qualquer atividade na região, mas ela nunca é cumprida. Alguns povos criaram protocolos para se perguntarem se querem os empreendimentos ou não, mas é uma iniciativa comunitária não reconhecida legalmente”, denuncia e explica Sônia.
Ao encerrar sua fala, Sônia destacou que a neutralidade, no atual momento, representa a escolha de um lado. “O lado que nós indígenas escolhemos é aquele de termos o direito de continuar existindo. Não adianta dizer que ‘ama’ os índios e ficar em cima do muro. Estamos em um momento muito delicado de nossa história e devemos defender, ao menos, o direito de continuarmos lutando. Se não lutarmos hoje, estaremos sendo omissos e coniventes com o caos político, social, cultural, jurídico e ambiental de amanhã. Precisamos lutar!”, finalizou Sônia, sob longos aplausos da plateia de mais de cem pessoas que participaram o encerramento do 3º Semea.
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Eleições 2018 e a Amazônia: entre a sobrevivência e a devastação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU