02 Abril 2018
Assista à entrevista em vídeo:
A entrevista é de Sergio Lirio, publicada por CartaCapital, 29-03-2018.
“Meu nome é longo: Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira. Sou pernambucano, estou com 84 anos, descendo a ladeira mais rápido do que eu gostaria”, brinca o sociólogo durante os preparativos da gravação.
Na manhã da entrevista, Chico de Oliveira parece recomposto da hemodiálise semanal. Está bem disposto e afiado. Faz piada de si mesmo e do cenário político. Transpira, na verdade, a essência de seu mais recente livro, “Brasil: Uma Biografia Não Autorizada”, uma coletânea lançada pela Boitempo que mescla textos inéditos com artigos publicados nos anos recentes.
Apesar das reformas do governo Temer, que visam destruir de vez a era varguista, Oliveira soa otimista em relação ao futuro. Segundo ele, ainda há espaço para uma esquerda reformista, em contraposição ao esgotamento do pensamento revolucionário. Insistir nas reformas, ressalta, é o papel das forças progressistas no mundo contemporâneo.
Em certa medida, o sociólogo, que trocou o PT pelo PSOL, atenua suas críticas ao partido de Lula. A legenda, diz, “transformou a estrutura política em algo mais fundamentado na estrutura social”.
O sociólogo compara ainda o PSDB à UDN, partido de oposição a Getúlio Vargas. “Os tucanos jamais vencerão uma eleição. Eles são a UDN dos anos 40, 50 e 60”.
O Brasil atual
O Brasil cresceu muito desde o século XX, mas de uma maneira muito desequilibrada. Essa é uma característica do País. Não foi assim na Europa Ocidental ou nos Estados Unidos. Não conseguimos realizar uma distribuição de renda mais equilibrada.(...)
(...) Passou o tempo em que grandes reformas estruturais poderiam melhorar a situação dos mais pobres na escala social e econômica. O máximo que uma economia dessa faz é tapar o sol com a peneira.
Temos 200 milhões de habitantes, não é mais tão fácil equilibrar as classes sociais. Não há na história mais reformas para esse contingente. A revolução é um conceito ultrapassado. Não se espera mais revoluções sociais capazes de mudar a estrutura econômica e de classes.
O PT
O PT não era uma força revolucionária e nunca se propôs a isso, portanto não enganou ninguém. Sempre foi um partido reformista, mas forte. Esse reformismo determinado se esvaiu.
O PT realizou uma missão e seria torpe não reconhecer. O impulso reformista também se atenuou. E o interessante: isso aconteceu não pelo fracasso, mas pelo êxito (...) O Brasil é muito mais complexo hoje do que nos anos 1930, quando Getúlio Vargas chegou ao poder. A estrutura de classes é muito mais complexa.
O partido transformou a estrutura política em algo mais fundamentado na estrutura social. O Brasil era um país de classe média sem um partido de classe média. Os partidos comunistas desapareceram no mundo todo. Não desapareceram à toa. A Itália moderna é uma criação do Partido Comunista com os democratas-cristãos. Eles realizaram uma enorme tarefa, de modernizar o capitalismo.
O processo contra Lula
Dificilmente uma sentença como esta é justa. Ela tem forte caráter político, sem dúvida. E esse forte caráter político anula as possibilidades do Lula. Ele não é revolucionário, nem nunca bancou, portanto, se os recursos não prevalecerem, ele terá de cumprir a sentença. Depois serão outros quinhentos. Haverá uma batalha política formidável e essa batalha levará provavelmente a uma absolvição. Aí estão as esperanças dele.
O fim das revoluções e o papel das esquerdas
Não tem revolução possível, pois as reformas estruturais foram feitas. Vargas não é à toa. É o grande reformista político no Brasil.
O Juscelino era o “oba-oba” do desenvolvimentismo. O grande político da história do Brasil chama-se Getúlio Vargas. O que temos hoje é o que o Getúlio implantou. Não tem nada para trás e nada para a frente.
Cabe insistir pelas reformas. Esse é o papel das esquerdas. A esquerda reformista tem futuro, a esquerda revolucionária não tem. Esta já fez o que tinha de fazer.
A herança varguista e a Petrobras
Os Estados Unidos nunca perdoaram ao Brasil a solução estatal do petróleo. Sempre foi o ponto de choque. Mas podemos dizer que a Petrobras hoje é estatal?. A Petrobras está entre as 50 maiores empresas do mundo. E é a maior brasileira. Isso é um fracasso? Com as armas do capitalismo você empurrou a economia brasileira para o centro do sistema. A solução estatal foi vitoriosa.
O PSDB
A crítica neoliberal dá em quê? Dá em que os tucanos jamais vencerão uma eleição. Os tucanos são a UDN dos anos 1930, 40, 50. Vocês não sabem o que era a UDN. Chamava-se União Democrática Nacional. Mas não era uma união, não era democrática e não era nacional. O grande partido da revolução brasileira nenhum de nós aceita, por que temos o coração à esquerda. O grande partido se chamou Partido Social Democrata, que não era partido, não era social e não era democrata. Era o partido dos grandes proprietários rurais, que fizeram o Brasil moderno. A grande contradição brasileira é que o País moderno foi construído por um partido de base rural.
Ditadura
A ditadura foi a solução de parte das classes dominantes para o impasse político. João Goulart não era um herdeiro à altura de Vargas. Nem a direita nem a esquerda tinham força para ocupar o poder. A esquerda havia perdido toda a capacidade reformista e a direita não tinha nenhuma. Isto é a ditadura, que durou 20 anos. Não por acaso, a ditadura brasileira não foi retrógrada do ponto de vista econômico. Ela empurrou a economia. E como a gente sai da crise, de 20 anos de ditadura? Nenhum de vocês teria motivos para se envergonhar, são jovens. Eu teria. A gente sai com Tancredo Neves (risos). Tancredo Neves era a solução. Era um absurdo tão grande..., mas a história realiza absurdos.
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“A esquerda reformista ainda tem futuro". Entrevista com Chico de Oliveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU