Por: Patricia Fachin | 21 Março 2018
Se, de um lado, o investimento em tecnologias é fundamental para a reindustrialização do Brasil, de outro, as mudanças geradas pelos processos de automação e os avanços da Revolução 4.0 geram uma preocupação: o que fazer com aqueles que ficarão à margem da formação tecnológica ou daqueles que poderão ficar desempregados? Para refletir sobre essas questões, Fábio do Prado, reitor do Centro Universitário FEI, acentua que uma atualização do magis inaciano pode contribuir na busca de uma resposta. “Temos de fazer mais e fazer o melhor, devemos sair da condição de conforto e lançarmos ao desconhecido, fazer melhor significa fazer o novo, e inovar. Santo Inácio dizia: ‘Aquele que deseja encontrar o magis deve arriscar-se na superação do já conhecido, do definido e do esperado, em vista sempre do bem maior, do novo e do mais justo”. Isso no meu entendimento é a base de um projeto inovador’”.
Outra inspiração de Fábio do Prado para pensar sobre as implicações da Revolução 4.0 são as reflexões do papa Francisco na exortação apostólica Evangelii Gaudium, quando diz: “‘Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, das normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta’. Sempre que releio essa frase, que tem um forte cunho social, estendo seu raciocínio ao aspecto formativo: essa fome também é de conhecimento, também é de bons empregos, também é de colocação profissional e ascensão social por meio do trabalho decente, portanto, estamos falando de nossa responsabilidade de formar pessoas qualificadas”. Segundo o reitor da FEI, com o avanço da Revolução 4.0 um possível cenário de desemprego futuro “é real e deve nos preocupar, principalmente por vivermos num país em que isto não está no centro das atenções políticas”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, ele cita alguns dados do relatório The Future That Works, do McKinsey Global Institute. Entre eles, o de que “51% das atividades da economia norte-americana, que contabilizam quase 2,7 trilhões de salários, serão passíveis de ser automatizadas”. Isso significa “que 51% das atividades da economia americana podem ser substituídas por máquinas”. Essa realidade, pontua, demonstra que “temos que estar cientes de que durante um certo período de transição, as pessoas que estarão buscando a requalificação e recolocação profissional deverão ter algum tipo de subsídio público. Não vejo outra forma: alguma modalidade de bolsa-auxílio temporária deverá ser criada, enquanto os trabalhadores se recapacitam”.
Apesar de não ser possível prever quais serão as condições de trabalho no futuro, Fábio do Prado tem uma visão otimista. “Podemos falar de um futuro de abundância, e não de escassez, como muitos autores têm escrito”, aposta. Enquanto isso, ressalta, a formação universitária, mas também a básica, devem se preocupar em responder à seguinte questão: “Como formar profissionais qualificados e cidadãos solidários capazes de ser protagonistas nas transformações disruptivas e de propor soluções a questões complexas e mal estruturadas, ainda desconhecidas, por meio de tecnologias ainda não existentes, e que tenham como fim a melhoria da qualidade de vida?”.
Essas questões serão tema da conferência de Fábio do Prado na Unisinos campus São Leopoldo, promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, na noite desta quarta-feira, 21-3-2017, intitulada A formação profissional no contexto da revolução 4.0.
O evento integra o 2º Ciclo de Estudos Revolução 4.0. Impactos aos modos de produzir e viver e inicia às 19h30min na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros.
Fábio do Prado | Foto: Crub
Fábio do Prado é bacharel e licenciado em Física pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em Ciências pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA e doutor em Geofísica Espacial pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe. Foi membro da Sociedade Brasileira de Física - SBF e da Associação Brasileira de Ensino de Engenharia – Abenge. Atualmente é reitor do Centro Universitário FEI, vice-presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras – Crub, coordenador suplente do Fórum das Instituições de Educação Superior Confiadas à Companhia de Jesus no Brasil – Fories e segundo vice-presidente da Associação das Universidade confiadas à Companhia de Jesus na América Latina - Ausjal.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Como e em que contexto surgiu o Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana "Padre Saboia de Medeiros [1]" – FEI? Pode nos contar sobre a trajetória da FEI, especialmente acerca da sua aposta na formação abrangente direcionada à tecnologia e engenharia?
Fábio do Prado — A FEI foi fundada pelo jesuíta Pe. Saboia de Medeiros, que tinha uma visão bastante empreendedora. Como todo empreendedor, era uma pessoa inquieta e de grande criatividade e, à época, percebeu que o país, em expansão industrial, particularmente no ABC paulista, onde se instalavam plantas automobilísticas, necessitava criar uma instituição de educação que formasse profissionais para essa nova indústria.
A partir de modelos estrangeiros de ensino, especialmente da Universidade de Harvard e do Massachusetts Institute of Technology – MIT, trouxe para o Brasil um modelo pioneiro para formação de pessoas em nível superior, criando em 1941 o primeiro curso de administração do Brasil — a então Escola Superior de Administração e Negócios – ESAN. Cinco anos depois, 1946,cria o primeiro curso de engenharia, na modalidade Química, fundando a Faculdade de Engenharia Industrial. Expandiu seus cursos de engenharia e agregou a Informática, hoje consolidado como um Centro Universitário de referência com foco em Gestão e Tecnologia.
A estratégia da fundação da FEI à época também deve ser destacada, pelo seu caráter inovador. O Pe. Saboia de Medeiros saiu em busca de empresários, praticamente batendo a suas portas, pedindo um conto de réis de doação para implantar seu projeto. A FEI foi construída com o espírito inovador de seu fundador e manteve em seu DNA a articulação com o setor produtivo.
IHU On-Line — Como se deu, posteriormente, o processo de transição na FEI no sentido de acompanhar as mudanças tecnológicas envolvidas no que hoje chamamos de Revolução 4.0? Como a FEI tem investido nesse campo?
Fábio do Prado — Tendo como missão formar administradores, engenheiros e profissionais em Computação para uma sociedade melhor e mais justa, e ciente de que a inovação se faz na indústria, todo o projeto institucional da FEI tem por referência o mercado e o impacto que seus profissionais têm e terão na sociedade. Em nenhum momento deixamos de olhar quais eram as demandas das organizações e, nesse sentido, as nossas ações sempre foram assim dirigidas. Com a revolução digital não foi diferente; conhecida como Revolução 4.0, esta exigiu que a FEI também se reinventasse, adaptasse seu processo formativo e reorientasse suas pesquisas para acompanhar as novas demandas. Nossas transformações sempre foram calcadas nessas mudanças tecnológicas. Foi assim que se implantou o Centro Universitário, criado 17 anos atrás, a partir da agregação das suas faculdades isoladas; mantivemos o foco na tecnologia e investimos na pesquisa e na pós-graduação em áreas estratégicas para os cenários local e nacional de desenvolvimento, sempre alinhadas às demandas tecnológicas.
IHU On-Line — Qual é a percepção dos jesuítas ligados à FEI sobre o papel das tecnologias e da Revolução 4.0 para o desenvolvimento futuro do país? Ainda nesse sentido, como a missão da Companhia de Jesus dialoga com essas áreas técnicas?
Fábio do Prado — Vou responder a essa questão a partir das vozes de jesuítas que são referências para nossa comunidade. Está no foco de qualquer instituição jesuíta produzir profissionais que sejam adequadamente inseridos no mercado de trabalho e atuem para o bem maior da sociedade, deixando um legado de qualidade às gerações futuras e isso implica, portanto, na formação de excelência. Formando profissionais com qualidade, que sejam protagonistas das transformações sociais e tecnológicas, estaremos cumprindo a nossa missão.
Faço, então, uma leitura atualizada do magis inaciano: temos de fazer mais e fazer o melhor, devemos sair da condição de conforto e lançarmos ao desconhecido, fazer melhor significa fazer o novo, e inovar. Santo Inácio dizia: “Aquele que deseja encontrar o magis deve arriscar-se na superação do já conhecido, do definido e do esperado, em vista sempre do bem maior, do novo e do mais justo”. Isso no meu entendimento é a base de um projeto inovador. Da mesma forma, faço uso de uma frase do papa Francisco na exortação apostólica Evangelii Gaudium que diz o seguinte: “Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, das normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta”. Sempre que releio essa frase, que tem um forte cunho social, estendo seu raciocínio ao aspecto formativo: essa fome também é de conhecimento, também é de bons empregos, também é de colocação profissional e ascensão social por meio do trabalho decente, portanto, estamos falando de nossa responsabilidade de formar pessoas qualificadas.
Nosso presidente, o padre Theodoro Peters, tem uma frase bastante interessante para expressar a importância da inovação e que diz o seguinte: “O ser humano questiona o infinito através do conhecimento, da curiosidade em busca de todas as respostas e soluções para as questões que se apresentam ou são suscitadas. Renovar a face da Terra, transformar a sociedade, qualificar a vida é a autêntica inovação”. E complementa: “É o projeto divino realizando-se pelas mãos e mentes humanas”. É com estas vozes que respondo essa sua pergunta sobre a percepção dos jesuítas sobre o papel das tecnologias em nossas obras.
IHU On-Line — Alguns sociólogos têm chamado atenção para dois fatores: de um lado, o impacto que a Revolução 4.0 pode gerar nos postos de trabalho, gerando desemprego e, de outro, a situação dos trabalhadores que podem ficar à margem da formação profissional tecnológica. Como o senhor analisa essas preocupações? Esses são riscos reais? Como esse receio em relação ao futuro dialoga com a missão e a aposta da FEI e da Companhia de Jesus em relação ao investimento em tecnologias?
Fábio do Prado — Na primeira Revolução Industrial ocorreu uma transferência da produção braçal para a produção mecânica. Na segunda, a eletricidade permitiu a ampliação da produção. Na década de 1990, a chamada terceira era industrial, foi a vez do fluxo de informação com a internet. No século XXI, o termo Indústria 4.0, cunhado pelos alemães, expressa a produção aumentada pela potência aprimorada da cognição. A nova era digital permite um fluxo de informações em alta velocidade, a geração de bancos de dados e conversas entre máquinas e pessoas, gerando disrupturas não só no modo de produzir, mas nas relações humanas como um todo.
Isso leva a algumas consequências: a primeira é que hoje tudo torna-se congruente, ou seja, se exige que o novo profissional trabalhe fortemente em rede, em cooperação, do contrário seu conhecimento será insuficiente. A segunda grande consequência da transformação digital é o ciclo de obsolescência das coisas e processos cada vez menor, ou seja, teremos que formar um indivíduo que no final do seu percurso formativo se deparará com tecnologias e transformações que este não havia sequer imaginado no início do seu planejamento universitário. Esses aspectos nos levam a uma situação que, se nós não estivermos atentos à velocidade das mudanças, e se não formarmos pessoas flexíveis e capacitadas a aprender continuamente, elas estarão facilmente fora do jogo.
O cenário que você nos apresenta é real e deve nos preocupar, principalmente por vivermos num país em que isto não está no centro das atenções políticas. Falamos de pessoas inseridas num mundo digital, da necessidade da formação de competências e habilidades específicas para conseguir acompanhar esse processo. Ou seja, estamos falando em políticas públicas para a educação básica que incentivem a conectividade, o acesso à internet e às tecnologias da informação para todos. O analfabetismo digital deve nos preocupar muito ao pensarmos que futuramente as funções mecânicas serão todas realizadas por máquinas.
Um relatório do McKinsey Global Institute, intitulado The Future That Works, o qual trata da automação, empregabilidade e produtividade, apresenta um cenário preocupante para os Estados Unidos — que está muito à frente do cenário brasileiro — segundo o qual mais de duas mil atividades de trabalho em 800 diferentes ocupações têm potencial de serem automatizadas por conta da adoção das novas tecnologias. O relatório diz também que, desse grupo, somente 5% das ocupações não poderiam ser totalmente automatizadas e que cerca de 60% delas têm 30% de suas atividades constituintes passíveis de ser automatizadas. Outro dado que o relatório apresenta é que 51% das atividades da economia norte-americana, que contabilizam quase 2,7 trilhões de salários, serão passíveis de ser automatizadas. Estamos dizendo que 51% das atividades da economia americana podem ser substituídas por máquinas. E esta já uma realidade nas economias desenvolvidas.
Em relação ao Brasil, possivelmente as nossas indústrias estão num patamar muito menor do que isso e, portanto, demoraremos mais para chegar a esse índice de substituição. Mas esta é a tendência de mercado. Alguns estudiosos dizem que, em contrapartida, outros postos de trabalho envolvendo atividades de alta cognição e inteligências emocionais e humanas serão demandados em uma quantidade próxima daquelas substituídas por máquinas. É uma especulação. Mesmo assim, quem vai assumir esses postos de trabalho são pessoas com talentos diferenciados, que demandam uma formação diferenciada desde a sua formação básica, que hoje está nas mãos dos estados e prefeituras.
Além dos aspectos relacionados à formação técnica e tecnológica, o relatório apresenta uma preocupação quanto à sustentabilidade dos futuros profissionais substituídos. Temos que estar cientes de que durante um certo período de transição, as pessoas que estarão buscando a requalificação e recolocação profissional deverão ter algum tipo de subsídio público. Não vejo outra forma: alguma modalidade de bolsa-auxílio temporária deverá ser criada, enquanto os trabalhadores se recapacitam.
IHU On-Line — Alguns teóricos têm sugerido um tipo de tributação para robôs como alternativa para viabilizar esse tipo de bolsa que o senhor menciona, e alguns inclusive têm defendido uma espécie de renda mínima para os possíveis futuros desempregados. Essas propostas lhe parecem factíveis? Quais são as preocupações dos jesuítas com esse cenário possível e como se poderia conciliar tanto o investimento em tecnologia quanto uma alternativa para um possível cenário de desemprego?
Fábio do Prado — Responderei como colaborador em uma obra inspirada pela Companhia de Jesus no Brasil. Essa proposta de taxar robôs para criar um fundo de renda aos futuros desempregados é uma possível ação que deve ser pensada como complementar e emergencial. Neste momento todos os esforços, públicos e privados, deveriam convergir para o estabelecimento de uma agenda de formação de talentos para ocupar os novos postos de trabalho da era digital. Essa transformação já está ocorrendo nas instituições jesuítas em maior ou menor grau, muitas experiências inovadoras têm demonstrado isto. Ainda não está muito claro se essa conta vai fechar, isto é, se os trabalhadores que forem substituídos por máquinas adquirirão as competências para assumir os novos postos de trabalho. Uma agenda nacional é necessária como forma de criar instrumentos legais para a sustentabilidade dessas pessoas. Instrumento fiscal é apenas uma das iniciativas possíveis.
IHU On-Line — Na sua percepção, a Revolução 4.0 tem exigido uma modificação na formação profissional? Quais são suas preocupações acerca da formação profissional nesse contexto e que aspectos são fundamentais na formação daqui para frente, levando em conta as transformações tecnológicas?
Fábio do Prado — Tenho colaborado com grupos de trabalho no Conselho Nacional de Educação e no âmbito do Movimento Empresarial pela Inovação da CNI sobre a formação de profissionais e diretrizes curriculares das engenharias, e é a partir dessas experiências que formo minha percepção, além de estar na gestão de uma instituição de educação superior jesuíta. Vamos retomar os impactos mais significativos da Revolução 4.0 na força de trabalho. É preciso lembrar que essas são mudanças disruptivas, são complexas e rápidas, exigem um bom plano estratégico para enfrentá-las, não existem mais espaços para amadores nesse jogo. Os produtos estão cada vez mais personalizados e a produção cada vez mais focada nos interesses pessoais dos usuários — serviços personalizados. As novas funções, mais criativas, exigem decisões rápidas e inteligentes, num cenário de incertezas. As importantes questões de futuro serão mal estruturadas e demandarão novas ideias, e consequentemente, a capacidade de adaptação contínua e novas habilidades. O talento humano será o grande diferencial competitivo das organizações. Obviamente o trabalho em rede e o alto índice de cooperação que eu já havia mencionado são fundamentais nesse processo. Fala-se também na maior diversificação de campos de trabalho, numa escala nunca vista antes.
Todos os atores terão, cada vez mais, acesso a grandes volumes de informação, é o BigData, e poderão ter acesso a tecnologias mais baratas e de maior precisão. Refiro-me aqui também a uma escala residencial, isto é, seremos usuários dessas tecnologias em nosso fazeres domésticos do dia a dia. Uma produção mais eficiente significa redução de desperdício. Nesse sentido, podemos falar de um futuro de abundância, e não de escassez, como muitos autores têm escrito. E ainda, de forma lógica, de um futuro de igualdade de oportunidades. Desde que todos tenham acesso e talento para aproveitá-las em condições similares. Por fim, a possibilidade de monitoramento centrado nos dados acumulados também nos permite uma série de intervenções inteligentes em tempo real — é o que chamamos analytics. Nesse sentido, a gestão do conhecimento e da aprendizagem ganhará novos e eficientes instrumentos de mensuração e de avaliação.
Esses vários aspectos exigem um novo ambiente educacional, que tenha como foco a autonomia do aluno. Precisamos de alunos que tenham a capacidade de continuar aprendendo pelo resto de suas vidas. Não vamos conseguir criar essa autonomia se não utilizarmos, primeiramente, metodologias, linguagens e simbologias que o mundo digital apresenta, e no qual os alunos foram alfabetizados. Não há outra forma de diálogo. Segundo, o professor deixa de ser simplesmente o transmissor do conhecimento e assume o papel de tutor, de mentor, que tem a responsabilidade de valorar essas informações.
Outros aspectos caracterizam a Educação 4.0, como assim denominam alguns: o conhecimento vai de uma visão local para uma visão universal, o conhecimento deve ser globalizado. O aluno precisa trabalhar a visão de futuro, compreender as grandes tendências, para poder planejar a sua carreira e a sua vida pessoal. O ambiente universitário deve dar vazão à conectividade e ao senso de cooperação trazidos por essa juventude. Os espaços de coworking deverão ser priorizados. Essa integração vai muito além de uma cooperação simplesmente entre alunos, vejo a necessidade de cooperação entre alunos, família e sociedade.
Em síntese, a educação que se quer deve responder a uma ampla questão: como formar profissionais qualificados e cidadãos solidários capazes de ser protagonistas nas transformações disruptivas e de propor soluções a questões complexas e mal estruturadas, ainda desconhecidas, por meio de tecnologias ainda não existentes, e que tenham como fim a melhoria da qualidade de vida? A resposta é complexa, mas reitero que esta está calcada na criatividade e na autonomia do estudante, competências que permitem ao aluno continuar a aprender durante toda a sua vida e a propor novas ideias.
IHU On-Line — Então uma das funções da universidade será oferecer formação constante e focar na formação humana para fomentar essas habilidades?
Fábio do Prado — Perfeitamente. Existe inclusive um escritor moderno chamado Kevin Kelly, que escreve sobre futuro e sobre educação. Ele é autor do livro Inevitável. As 12 forças tecnológicas que mudarão o nosso mundo. Ele tem uma frase que diz que todo esse movimento de automação e robotização vai levar a maior humanização da educação. Em outras palavras, é exatamente o que você está dizendo. Parece uma contradição num primeiro momento. A tecnologia é um aspecto importante, mas não adianta investir somente nela. Da mesma forma o talento sem as devidas ferramentas torna-se limitado hoje em dia. É a “simbiose” entre o humano e a máquina, dito de um modo geral.
Neste ponto, vale a pena destacar também a importância da iniciação científica na graduação. A Revolução 4.0 tem exigido cada vez mais a integração entre o ensino e a pesquisa, a integração da graduação com a pós-graduação. Como poderemos gerar novas ideias se não houver o aprofundamento do conhecimento? Não podemos ser superficiais. Precisamos exercitar nossa capacidade de contemplar, de investigar, de relacionar, de comparar, de ter critérios, de propor soluções, de validá-las e de avaliar. Quer dizer, tudo são habilidades humanas que a máquina não vai desempenhar. Precisaremos potencializá-las para conviver saudavelmente com as máquinas num futuro próximo, e acima de tudo, para ocuparmos efetivamente nosso papel nesse sistema simbiótico. Nesse sentido, as habilidades humanas se apresentam fundamentais e faz o referido autor afirmar que a maior automatização levará a uma maior humanização dos processos.
IHU On-Line — Como o Brasil, enquanto país, está se preparando para essa mudança tecnológica? O que tem sido feito e investido em termos de tecnologia e o que ainda é um desafio?
Fábio do Prado — Recentemente a empresa Deloitte realizou uma pesquisa — vou apresentá-la na palestra — com várias empresas brasileiras para mostrar quais são as expectativas de investimento em 2018 em termos de tecnologia. Surpreendeu-me que ao mesmo tempo em que a pesquisa cita a expectativa das empresas em investir em uma série de tecnologias, tais como cidades inteligentes, indústria 4.0, plataformas automatizadas, internet das coisas, bitcoins, segurança digital etc., esta mostra o quanto as empresas consultadas ainda desconhecem muitas dessas tecnologias. Apenas para citar alguns números: 35% das entrevistadas desconhecem as bases das smartcities [2] e 30% não conhecem plataformas autônomas. Quando se fala em investimento, se observa um grupo de empresas aportando em 2018 uma parcela significativa de suas receitas no desenvolvimento dessas tecnologias.
Ainda estamos muito atrasados em relação aos países desenvolvidos. Fala-se da Indústria 2.5 no Brasil. Mas observamos a consciência do setor produtivo de que se não houver os investimentos necessários em novas tecnologias, a defasagem em produtividade vai ficar cada vez maior.
Também tive acesso aos resultados do Projeto Indústria 2027 da Confederação Nacional das Indústrias do Brasil – CNI, que consultou um grupo significativo de empresas, perguntando, dentro de uma série de protocolos de automatização industrial, em que nível de tecnologia elas se encontravam em diversos processos. Apenas para efeito de ilustração, os níveis de tecnologia variam entre Geração 1 e Geração 4.
Por exemplo, para o quesito Gestão da Produção, Geração 1 corresponde a automação simples com máquinas não conectadas; a Geração 2 consiste no processo parcialmente automatizado; a Geração 3 trabalha com sistemas integrados, e a Geração 4 tem uma produção automatizada por meio da comunicação entre máquinas, que usa a Internet das Coisas e está no cerne da indústria 4.0. Os resultados mostram que apenas 1,6% das empresas brasileiras estão na quarta geração digital e menos de 25% das empresas brasileiras usam tecnologias da geração digital mais recente — 3 e 4.
IHU On-Line — De que setores são essas empresas?
Fábio do Prado — Foram pesquisadas 760 empresas de setores variados. Esse resultado mostra como estamos atrasados em relação ao estado da arte da indústria digital. Outro dado preocupante fornecido pelo IBGE mostra que atualmente a participação das indústrias de transformação no PIB brasileiro é de apenas 14%; voltamos a um patamar correspondente aos anos 1950, ou seja, estamos passando por um período de forte desindustrialização. Este é um cenário grave, que nos incomoda bastante, porque um país sem indústrias fortes não inova. Hoje a palavra de ordem é inovar para reindustrializar.
IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?
Fábio do Prado — Na minha palestra pretendo apresentar o Projeto de inovação FEI, que tem o objetivo de criar um ambiente inovador e uma comunidade visionária. O projeto está pautado em três dimensões.
A primeira é criar a cultura de inovação, capacitando todos os docentes e colaboradores administrativos nos passos da inovação e métodos de criatividade, para que compreendam o processo de transformação tecnológica. As capacitações foram realizadas ao longo do ano de 2017.
A segunda dimensão consiste na compreensão das megatendências mundiais e, para isso, anualmente elegemos uma tendência para ser trabalhada por meio de um Congresso, no qual empresários e especialistas discutem com alunos e docentes o tema a partir de suas experiências profissionais. Neste ano, em outubro, realizaremos sua 3ª edição com o tema “saúde e bem-estar”.
E a terceira dimensão recai sobre atividades curriculares inovadoras, estratégias pedagógicas dos Projetos de Curso, gerando meios pelos quais a comunidade visionária, conhecendo as megatendências, possam formar os profissionais autônomos e criativos desejados.
Notas:
[1] Roberto Saboia de Medeiros (1905- 955): foi um padre jesuíta, fundador da Escola Superior de Administração de Negócios - Esan (1941), da Faculdade de Engenharia Industrial, FEI (1946) e da Escola Técnica São Francisco de Bórgia (1946). Além disso, trabalhou em favor dos mais necessitados e dos trabalhadores. (Nota de IHU On-Line)
[2] O Instituto Humanitas Unisinos - IHU debaterá o tema das Smart cities na conferência Smart cities, cultura digital e renovação política. Contradições e possibilidades da revolução 4.0, com o Prof. Dr. Massimo Canevacci – USP, no dia 10 de abril de 2018, das 19h30min às 22h. A palestra integra o 2º Ciclo de Estudos Revolução 4.0. Impactos aos modos de produzir e viver. (Nota de IHU On-Line)
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Indústria brasileira 2.5. O futuro do Brasil no contexto da Revolução 4.0. Entrevista especial com Fábio do Prado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU