30 Junho 2017
Com acusações criminais de abuso sexual sendo registradas contra o Cardeal George Pell em seu país de origem, a Austrália, muitas perguntas serão feitas, a maioria sobre os seus fundamentos e a própria defesa do religioso. De um ponto de vista vaticano, no entanto, uma pergunta central é o que tudo isso significa para as perspectivas de reforma, e a melhor resposta provavelmente é: “Nada bom”.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 29-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Na esteira das notícias segundo as quais a polícia do estado australiano de Victoria havia registrado queixas de abuso sexual contra o Cardeal George Pell, muitas perguntas serão feitas, a maioria delas provavelmente em relação às próprias acusações e a defesa de Pell, que já informou que pretende perseguir, com vigor, contra as alegações assim que retornar à Austrália.
Alguns analistas suspeitam que o processo está sendo politicamente motivado, e outros levantaram a dúvida de se é mesmo possível Pell receber um julgamento justo, dado a forma como a imprensa australiana vem demonizando o prelado de 76 anos. No entanto, uma experiência amarga no passado com escândalos de abuso sexuais ensinou os católicos do mundo a evitar emitir julgamentos até que todas as provas sejam apresentadas.
Nesse meio tempo, visto estritamente de um ponto de vista vaticano, há uma outra pergunta que pode não ajudar, mas que surge neste contexto e trata do impacto disso tudo sobre a reforma financeira que o Papa Francisco disse querer executar, e que, em primeiro lugar, foi motivo suficiente para trazer Pell a Roma em 2014.
Talvez uma resposta imediata é que o problema envolvendo Pell, hoje, não indica nada de bom para o projeto de reforma.
A questão sobre se Pell é bom ou não para o objetivo reformista do papa vem sendo debatido desde a chegada dele no Vaticano, no início de 2014.
Os apoiadores acreditam que Pell tem feito todo o possível para pôr nos trilhos um sistema recalcitrante, e as críticas a ele dirigidas têm a ver com interesses entrincheirados que buscam defender o status quo – mesmo se, em casos extremos, ele esteja na verdade tentando ocultar a corrupção.
Para os críticos, entretanto, desde o começo Pell esteve mais preocupado na concentração de poder em suas próprias mãos do que produzir uma reforma duradoura que faça sentido no contexto vaticano. Há a ideia de que o empenho do prelado vinha afastando as pessoas que deveriam ser seus aliados – motivo pelo qual estariam deixando de cooperar.
Acredita-se que estas impressões são a principal razão por que Francisco recuou em seu apoio a Pell, retirando de seu controle a administração dos ativos vaticanos e retornando-o à Administração do Patrimônio da Sé Apostólica – APSA, para apoiar os que, no Vaticano, apresentaram objeções ao plano de Pell para que se realizasse uma auditoria externa das finanças, confiada à PricewaterhouseCoopers – PwC.
(Devemos notar também que os críticos de Pell estiveram um reforço na polêmica envolvendo casos de abuso sexual na Austrália e o próprio Pell, por vezes tentando usar a situação como munição para enfraquecer a sua influência em Roma.)
O fato de que Pell tenha polarizado as opiniões no Vaticano não deve ser surpresa aos que acompanham a sua carreira, visto que há tempos ele é um para-raios em se tratando de controvérsias. Na verdade, ele não evita o combate. Isso tudo está de acordo com o seu passado, quando atuava em seu país de origem e onde ficou conhecido por sua tenacidade.
Para complicar mais ainda as coisas, Pell é visto como um conservador teológico e político nem sempre em sintonia com o pontífice, e esteve entre os signatários de uma carta redigida por cardeais durante um dos dois Sínodo dos Bispos sobre a família, em que se levantaram dúvidas sobre a justeza do processo desenvolvido nestes encontros.
Independentemente do que se pense deste histórico, o fato é: Pell era, e permanece sendo, uma figura-chave nos planos papais de realizar uma limpeza financeira no Vaticano, e com ele sob licença as perspectivas aqui podem muito bem tomar um novo rumo para pior.
Por um lado, durante o tempo em que estiver de licença defendendo-se das acusações, a Secretaria para a Economia do Vaticano que ele lidera ficará sem leme, presa numa espécie de limbo até que o caso seja elucidado. Dado que a Secretaria é a responsável por implementar as novas políticas financeiro-administrativas, incluídos alguns procedimentos contábeis racionalizados e padronizados em todos os departamentos, tal notícia não é encorajadora.
Por outro lado, Francisco já perdeu uma figura teoricamente central em seus esforços de reforma: o executivo italiano e especialista em auditoria Libero Milone, contratado em 2015 como o Auditor Geral do Vaticano. Recentemente Milone renunciou, em apenas dois anos de um mandado que deveria durar cinco, sem nenhuma explicação, alimentando as suspeitas de que ele ou era suspeito de conduta imprópria, ou que talvez era simplesmente inapropriado para a função.
Isso, no entanto, não é nada comparado com a enxurrada de acusações de abuso sexual contra a principal autoridade escolhida pelo papa para conduzir as reformas financeiras. Se a percepção for a de que o Papa Francisco está repetidamente confiando os cargos centrais de suas novas estruturas financeiras a pessoas erradas, então a conclusão talvez seja a de que a própria reforma está condenada a não acontecer.
Tudo pode estar muito prematuro ainda, uma vez que Pell prometeu montar uma defesa sólida. Pode acontecer que, em um período bastante curto, Pell consiga se livrar das acusações e voltar ao seu posto no Vaticano ainda mais forte.
Se isto não acontecer, no entanto, aqueles que desejam escrever obituários para a reforma de Francisco podem muito bem se sentir como se estivessem recebido a permissão para informar o público de que o fato já foi consumado.
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Acusações de abuso contra Pell são más notícias para a reforma financeira do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU