17 Março 2017
O professor Piero Dominici atua na Universidade de Perugia, cidade em que reside, talvez nos seja um lugar familiar, pois foi onde Iván Kaviedes jogou no ano de 1998. Na verdade, pergunto a Piero se ele o conhece, mas a resposta é não. Este professor italiano, por sua forma física, faz pensar que ele foi jogador de basquete em seu tempo de universitário: deve ter cerca de 1,90 de altura. Quando o entrevistei foi a primeira coisa que perguntei e ele disse que não, pois sua estatura é bastante genética e como estudante não era dado aos esportes, mas entregou-se na leitura de tudo o que cruzasse seu caminho.
A entrevista é de Fernando Guerrero Maruri, publicada por Expectativa, 16-03-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Como qualquer italiano, gosta de uma boa comida acompanhada de um café expresso, foi assim que mantivemos uma conversa amena por cerca de duas horas. O professor de Comunicação e Sociologia aborda todos os tipos de questões sociais e faz seu interlocutor perder a noção do tempo.
É autor de vários livros: “Dentro de la sociedad interconectada”, “La comunicación en una sociedad hipercompleja”, “La sociedad de la irresponsabilidad”. Em entrevista exclusiva para o jornal Expectativa, o mestre Piero Dominici começa dizendo que "a sociedade hiperconectada não é mais inclusiva".
Esta é uma entrevista que aborda o desenvolvimento tecnológico esmagador que nos fez perder a consciência da importância do ser humano e também discute questões como educação, política, e muitas outras na voz especialista do PhD, qualificado para compartilhar seu pensamento a partir do outro lado do mundo.
Eis a entrevista.
Fala-se de um ecossistema digital. Como devemos entendê-lo?
O conceito a que se refere é muito particular. Falar de ecossistema significa analisar o processo cultural, social, comunicativo, bem como o mundo dos objetos. O ambiente fora de nós como uma entidade única que se comporta de acordo com novos padrões impostos pela era digital e que devem ser analisados a partir de uma abordagem interdisciplinar.
Poderia explicar através de algo mais próximo?
Não se preocupe, vou do mais complexo ao mais simples. Deve-se transpor as paredes disciplinares, porque nossos saberes estão confinados, referindo-se à metáfora da Torre de Marfim: há saberes de todos os tipos e todos são importantes, não só o conhecimento universitário é válido, a fraqueza dos saberes está em se manterem isolados uns dos outros.
Subestimamos outros saberes?
O problema é que por um lado a especialização do conhecimento é um processo inevitável. Por outro, temos de criar um diálogo entre estes saberes, caso contrário, estaremos sempre em uma condição de atraso cultural.
Primeiro, deve-se problematizar. Estamos em conflito na nossa civilização, o antigo contra o tecnológico. Para evitar isso, devemos criar uma maneira de construir as condições de inclusão e cidadania que, por sua vez, devem ser repensadas, já que ficou para trás o próprio conceito de cidadania, que poderia ser definido a partir das ciências jurídicas. Na era da globalização, este e outros conceitos devem ser repensados.
São diferentes as condições de cidadania, de modo que, em minha opinião, a verdadeira utopia não é uma sociedade interconectada em rede, que hoje é uma oportunidade para as elites, para controlarem o poder de maneira local e global. A nova utopia é a possibilidade de construir uma inovação que não deve ser apenas tecnológica, mas principalmente social e cultural.
Inovação que deve dar oportunidade para que quem encontra-se fora do ecossistema possa entrar nele. A universidade e, especialmente, a escola permitem ingressar nesse ecossistema. Falar de ecossitema digital é reduzir o atual ecossistema social. Estar no ecossistema digital não é somente ter um pacote de dados móveis no celular.
A respeito dos jornalistas e da academia, você acha que deve-se repensar sua formação?
No jornalismo, como em muitos outros campos, precisamos repensar o processo de formação dos nossos jovens, não devemos formar técnicos da informação, a informação é extremamente complexa e a questão da responsabilização é central neste âmbito. O jornalista deve ter duas dimensões, deve ser bem formado e deve ser competente. Requer formação contínua, interdisciplinar e atualizada.
Infelizmente, na Itália e em outros países, estamos ensinando como usar os meios de comunicação tecnicamente e esquecendo as dinâmicas, as culturas. É preciso lembrar que a inter-relação digital é parte de uma cultura, não somente o uso das ferramentas, a cultura digital significa uma complexidade maior.
Diante deste cenário de complexidade: qual é o papel dos meios de comunicação?
Os meios podem ser pensados como instrumentos, como processos, mas devem ser pensados como ambientes de comunicação cujo núcleo é pessoas, seu conteúdo e o uso que as pessoas fazem da mídia. Há um ambiente de comunicação, temos de construir as condições para habitar esse ambiente.
Ao ouvir-lo noto que existe uma relação entre poder, educação e determinados processos. Como se entende esta multiplicidade de conexões?
A universidade é construída segundo lógicas de segmentação do saber, lógicas de poder, onde cada um quer manter a sua pequena parcela de influência dentro de um campo disciplinar, o que é uma desvantagem para a investigação científica, porque continuamos observando objetos através de um sistema ultrapassado.
Para mudar isto, são necessários dois cenários. Primeiro, temos de ensinar as pessoas a observar os objetos como sistemas, e não os sistemas como objetos. E em segundo lugar, precisamos desenvolver a capacidade de individualizar as conexões e correlações entre os fenômenos.
Poderia aprofundar o assunto para entender melhor a separação dos saberes?
A parcialidade de saberes não serve para compreender profundamente as questões de uma determinada especialidade, mas apenas para manter pequenos espaços de poder. A investigação científica é bem-sucedida dessa maneira. Sociólogos mantém sua parcela de conhecimento sob sua tutela, o mesmo acontece com filósofos e com cada especialidade, o que é um fator limitante para a investigação.
O trabalho científico deve ser quantitativo ou qualitativo?
Atualmente, tudo é quantitativo, número de graduados, número de egressos, mas nem tudo pode ser reduzido a números. Da mesma forma, a pesquisa científica deixa de fora muitas vezes o qualitativo que pode ser mais importante.
De outra perspectiva, imagine se Isaac Asimov não tivesse contribuído nesta área, pois ele realizou trabalhos de pesquisa em química com a mesma disciplina férrea com que criou suas histórias de ficção científica. Este é um bom exemplo de combinação de saberes e pesquisa científica qualitativa e quantitativa possível. Deve-se ler esses autores nas escolas.
Então devemos reformular tudo?
Reformular pode ser mal interpretado ou levar a um excesso de reformismo, os partidos políticos alternam-se no poder e a primeira coisa que eles fazem quando estão no poder é mudar tudo o que o governo anterior fez. Com essas mudanças contínuas o sistema não consegue metabolizar ou digerir, e assim como o sistema não muda nunca, quando muda, muda tudo ou não muda nada.
Acertar na medida da mudança parece tornar-se uma utopia.
Precisamos distinguir utopia e ideologia, utopia é a possibilidade de aspirar a uma grande mudança, mas poucos têm essa convicção. Como se muda uma sociedade individualista e egoísta? Deve-se educar a partir da responsabilidade e da liberdade no sentido de repensar esses conceitos de forma relacionada, eu sou livre porque há um outro fora de mim e devo pensar nele, mas não como um perigo ou ameaça. Quando instaura-se o pensamento anglo-saxão, a liberdade é pensada como limite, algo como: a sua liberdade começa e termina onde termina a minha liberdade, eu estou vendo o outro como uma ameaça, por isso as coisas não mudam, só multiplicamos o ódio e o egoísmo.
Quem vai ensinar as novas gerações a pensarem diferente?
Entramos no cenário do "cachorro que corre atrás do próprio rabo". Em 1960, na Itália, só podiam entrar na universidade as pessoas com um alto poder aquisitivo; ao longo das décadas e com o suposto reconhecimento dos direitos, procurou-se democratizar a universidade, o que levou políticos, principalmente populistas, a usarem isso como promessa de campanha. Isso não resolveu os problemas.
Agora, o número de graduados é maior, mas o nível está cada vez mais baixo, a exigência é menor e esses profissionais não têm expectativas de expandir seus conhecimentos.
Estes graduados de baixo nível, muitas vezes têm cargos públicos, já que foi o Estado quem possibilitou isso, e o resto dedica-se ao ensino, mas ninguém realmente muda a realidade dentro de suas possibilidades, porque seu conhecimento não permite isso.
Passamos de um extremo ao outro: o cachorro continua correndo atrás do rabo e os únicos prejudicados são os estudantes que se formam com estes professores que nunca mudaram sua ideia de liberdade. Os políticos não estão interessados na educação, só se preocupam com o número de graduados, e não com a qualidade. Quando se baixa o nível educacional, as oportunidades são irreais.
Com estas dinâmicas, não vejo nenhuma mudança clara a curto ou longo prazo.
A educação das novas gerações é um processo de longo prazo, mas só se trabalha em curto prazo, na educação digital técnica e em outros instrumentos que não alcançam o núcleo do problema.
Isto acontece em todos os níveis?
Isso transcende todos os aspectos, no meu país (Itália), sempre recorremos às leis para combater a corrupção, porque é o caminho mais fácil. Reprimimos, mas não resolvemos, geramos centenas de leis inúteis.
O trabalho a longo prazo deve educar sobre a cidadania, o bem comum. Não sei como é na América do Sul, mas em muitos países o individualismo está se expandindo assustadoramente. Mais e mais leis são elaboradas de um dia para outro, mas o bullying e a corrupção se multiplicam exponencialmente. Com uma lógica de curto prazo não se resolve fenômenos de longo prazo.
Manuel Castells fala da sociedade em rede e da era da informação. Como isso afeta a relação entre as pessoas?
A respeito disso, conheço o trabalho de Jan Van Dick, na sociedade em rede em que tudo está interconectado e há uma dependência de seu funcionamento, os laços sociais são frágeis, algo não está funcionando bem. Com esta conexão, deveria existir maior proximidade nas relações interpessoais, mas, obviamente, não existe.
Os partidos políticos acreditam que a perda de credibilidade por parte dos eleitores deve-se à proliferação da influência dos meios de comunicação digital, os políticos não entendem que as pessoas precisam de proximidade, a mídia é apenas um instrumento, útil, mas não suficiente.
A tecnologia ultrapassou nossa capacidade de compreendê-la?
Os estudiosos da tecnologia sustentam que a técnica muda a realidade independentemente de muitos outros fatores, e acredito que devemos confrontar essa leitura com outras que não sejam de especialistas em internet, refiro-me a pesquisadores que estudam os valores das culturas, sua influência das inovações culturais nas inovações tecnológicas. A questão é que, se continuarmos educando e formando nossos jovens desta forma, continuaremos pagando caro pelo suposto dobro de velocidade.
Dobro de velocidade? O que você quer dizer?
Dizem que a tecnologia é muito mais rápida do que a cultura. A tecnologia, por exemplo, produz mudanças rápidas e a cultura não alcança esse ritmo. Penso que é uma falsa dicotomia, porque a tecnologia é um produto da cultura.
Por isso não se deve ler e documentar apenas com base em autores contemporâneos que estudam sob a perspectiva do determinismo tecnológico. Deve-se também estudar e ler filosofia, sociologia, que permitiram conhecer os valores dos modelos culturais. Se não se aprende a interpretar um modelo cultural, não há como se integrar a ele, o grupo lhe distancia.
Se observar apenas as dinâmicas sociais tecnológicas, perde-se toda a dimensão social que nos permite compreender o contexto de onde vêm. O futuro estará nas mãos de quem souber como unir a dimensão humanista à tecnológica, duas coisas que não podem se separar. Quem usa a arte e a tecnologia obterá vantagens e subirá inesperadamente no elevador social que todo mundo quer pegar, porque este sujeito será aquele que compreendeu e aproveitou as variáveis da complexidade.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"O futuro está nas mãos de quem sabe como unir a dimensão humanista à tecnológica". Entrevista com Piero Dominici - Instituto Humanitas Unisinos - IHU