05 Outubro 2016
A quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em Nova York, completou oito anos na quinta-feira 15 sem sinais claros de recuperação da economia. O oposto é verdadeiro. Uma semana depois do infausto aniversário, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reviu para baixo, em 0,1 ponto porcentual, as projeções de crescimento mundial deste ano e de 2017, para 2,9% e 3,2%, respectivamente. O volume do comércio global diminuiu no primeiro trimestre e ficará aquém da expansão da produção até dezembro.
A reportagem é de Carlos Drummond, publicada por CartaCapital, 04-10-2016.
O PIB dos Estados Unidos deverá aumentar só 1,4% em 2016, abaixo do 1,8% estimados em junho. No caso da área do Euro, a previsão caiu 0,1 ponto, para 1,5%. Em relação ao Japão, a estimativa baixou também em 0,1 ponto, para 0,6%. A OCDE reduziu ainda sua expectativa para o PIB do Reino Unido em 2017, em 1 ponto porcentual, para 1%, após a saída da União Europeia.
Iniciada nos Estados Unidos, a crise arrasta os países emergentes, mas a derrocada solapa também o princípio da moeda universal, o próprio dólar estadunidense, adverte Michel Aglietta, da Universidade de Paris X. “A moeda-chave assegura a independência da política monetária dos EUA, mas provoca efeitos sobre o resto do mundo. É como se eles dissessem: ‘O dólar é a nossa moeda, mas o problema é seu’”, chama a atenção o economista.
A compra intensiva de títulos públicos pelos bancos centrais, o chamado Quantitative Easing, introjetou 4 trilhões de dólares na economia mundial, aumentou a dívida dos emergentes e intensificou o fluxo de capitais e as interações financeiras cruzadas, ampliadas com a abertura financeira chinesa, explica o professor.
Esse contexto levou a uma mudança de comportamento e da política do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos. "As atas do Comitê de Mercado Aberto do Fed revelam uma divisão entre seus membros, relacionada aos indicadores domésticos e a uma preocupação quanto às tensões nos mercados financeiros globais", aponta o professor francês.
Essa é a explicação para as hesitações sem fim em subir a taxa de fundos do Fed, apesar de as condições internas justificarem a medida. Para o renomado autor de tratados sobre as crises e os sistemas monetários, a situação da economia deveria levar à revisão da política de metas inflacionárias: “O ciclo de apreciação do dólar cria pressões de preços que impedem o retorno da inflação para a meta e gera uma interrogação sobre a validade da meta num contexto persistente de crescimento lento e de pressões baixistas globais sobre os preços”. Esse contexto levou a uma mudança de comportamento e da política do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos. “As atas do Comitê de Mercado Aberto do Fed revelam uma divisão entre seus membros, relacionada aos indicadores domésticos e a uma preocupação quanto às tensões nos mercados financeiros globais”, aponta o professor francês.
A conclusão de Aglietta extingue as esperanças daqueles que acreditam em uma solução para a crise atual sem controle de capitais e uma coordenação monetária internacional: “Com os fluxos de capitais internacionais completamente desconectados do comércio internacional, a natureza da globalização atual está em xeque e a coordenação monetária multilateral é uma questão que se coloca”.
Para sair do encalacramento, é preciso entender como se chegou a ele, ensinam os economistas Dirk Bezemer, da Universidade de Groningen, na Holanda, e Michael Hudson, das universidades do Missouri, nos EUA, e de Pequim, na China. Fazer as perguntas corretas é fundamental.
“Por que as economias se polarizaram tão agudamente desde os anos 1980 e, em especial, a partir da crise de 2008? Como nos tornamos tão endividados sem elevações do salário real e dos padrões de vida, enquanto cidades, estados e nações inteiras quebraram?” Só quando respondermos a essas questões, dizem, poderemos formular políticas para sair das atuais crises da dívida.
Predomina, entretanto, uma profunda confusão sobre a “moldura teórica” que deve guiar a análise da economia pós-bolha. A gestão macromonetária – e a teoria e a ideologia subjacentes – nos últimos 25 anos foi elogiada pelos principais macroeconomistas.
Oliver Blanchard, economista-chefe do FMI, Ben Bernanke, ex-presidente do Fed, e Gordon Brown, ex-ministro das Finanças do Reino Unido, atribuíram suas próprias políticas monetárias à inflação extremamente baixa e ao crescimento estável, um cenário que batizaram de “A Grande Moderação”, e proclamaram o fim das bolhas econômicas e das suas explosões.
“O que aconteceu, entretanto, foi precisamente que o período de meados dos anos 1980 até 2007 mostrou a maior e mais corrosiva inflação de imóveis, ações e títulos desde a Segunda Guerra Mundial”, diagnosticam Bezemer e Hudson.
Quase toda essa inflação de preços de ativos foi alavancada por endividamento, mas o dinheiro e o crédito não foram gastos em investimentos de capital tangíveis para produzir bens e serviços não financeiros. “Os modelos macroeconômicos de ponta desde os anos 1980 não incluem crédito, débito ou o setor financeiro. Na verdade, o que houve foi uma criação imoderada de dívida por trás da ‘Grande Moderação’, que transformou essa economia em uma ‘Grande Polarização’ entre credores e devedores.”
Essa expansão financeira, explicam os economistas, assumiu a forma de “mais extração de renda do que obtenção de lucros da produção, um fato omitido na maior parte das análises de hoje”.
Quem acreditou na suposta superioridade da economia que substituiu o modelo baseado na indústria, predominante até os anos 1980, chamada erroneamente de pós-industrial, enganou-se redondamente, a crer na interpretação de ambos. Mais grave: esse equívoco orienta as decisões.
O sistema financeiro, dizem, determina que tipo de condução da indústria e da economia nós teremos. Os executivos e os gestores de dinheiro e fundos buscam principalmente retornos financeiros para eles mesmos, os proprietários e seus credores.
O principal objetivo é gerar ganhos de capital com a utilização dos lucros para recomprar ações e pagar-lhes dividendos, enquanto se força a extração de lucros mais elevados pela redução e terceirização do trabalho e o corte de projetos de investimentos com longo prazo de maturação.
Em resumo, os lucros são usados para pagar os juros, não reinvestir na formação de novo capital tangível ou contratação de mão de obra. No devido tempo, a ameaça de falência é utilizada para transferir as perdas aos consumidores e aos trabalhadores.
Diante do estrago produzido na economia pelas ideias dominantes, não surpreende a confusão de algumas análises de líderes mundiais. Após a recente reunião dos países do G-20 na China, o presidente Barack Obama auto-elogiou o governo americano por disciplinar o sistema financeiro, um suposto aumento dos controles que não explica o ressurgimento recente de derivativos “tóxicos”, instrumentos essenciais ao agravamento da crise.
O irascível ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, depois de um encontro com chefes de Estado na Grécia, disse que os encontros de líderes de partidos socialistas “não produzem nada terrivelmente inteligente”.
De uma perspectiva europeia, “nada terrivelmente inteligente surgiu da ação de Schäuble e seus aliados nos últimos oito anos. A austeridade foi um fracasso colossal, a crise financeira continua na Europa, a União Europeia perde terreno para o nacionalismo populista e o continente caminha para uma desestabilização ainda maior”, critica Leonardo Costa, da Faculdade de Economia do Porto, em Portugal.
No Brasil, entretanto, o governo pressiona pela aprovação do mais severo e mais longo plano de austeridade do mundo, de costas para as lições dos países bem-sucedidos. “As realidades passadas nos ensinam que depender meramente de políticas fiscais e monetárias não funciona para a economia mundial”, salientou o primeiro-ministro da China, Xi Jinping, na reunião do G-20. O grupo aprovou a adoção de rotas de crescimento sustentável no longo prazo, caracterizadas pela inovação e pela inclusão.
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A crise não tem fim - Instituto Humanitas Unisinos - IHU