Por: André | 29 Abril 2015
Petros Constantinou, especialista em migração, afirma que a Grécia necessita de um plano sólido para quando os imigrantes ilegais saírem dos centros de detenção.
Fonte: http://bit.ly/1JPeQyn |
A reportagem é de Flor Ragucci e publicada por Página/12, 28-04-2015. A tradução é de André Langer.
A Grécia é outra grande porta (fechada) de entrada na Europa. Cerca de 80% dos imigrantes que, de forma ilegal, tentam chegar ao Velho Continente fazem-no pela fronteira grega com a Turquia. Mas o país heleno – que para a maioria é apenas o primeiro passo para estados mais prósperos – converte-se rapidamente em um beco sem saída. Denunciada por organismos de direitos humanos de todo o mundo por confinar pessoas indocumentadas em centros de detenção em terríveis condições, a Grécia colocou em prática durante anos uma férrea política migratória da qual seus governos anteriores se vangloriavam.
A chegada do Syriza ao poder comporta para muitos a esperança de uma mudança neste sentido e as medidas anunciadas em seus primeiros meses de governo – a libertação de milhares de estrangeiros detidos, entre elas – pareciam confirmá-lo. No entanto, o partido de esquerda não está sozinho no Parlamento e as decisões que tomar terão de ser negociadas com aqueles que desde a última eleição são a terceira maior força política: os neonazistas do Aurora Dourada.
Para a análise deste complexo panorama, o Página/12 reuniu-se em Atenas com o vereador e coordenador do Movimento contra o Racismo e a Ameaça Fascista (Keerfa), Petros Constantinou, referência em toda a Grécia por suas longas campanhas de solidariedade aos imigrantes e por sua luta frontal contra a ultradireita.
A primeira coisa que é preciso distinguir, segundo esclarece Constantinou nem bem começou a conversa, é que na Grécia há dois tipos de migrantes: os estrangeiros que chegam ao país na qualidade de refugiados e os imigrantes que migram por motivos econômicos. Os do segundo grupo estão abandonando o país por falta de trabalho e já são mais de 200 mil desde o começo da crise em 2008. “Os paquistaneses, que são a maior comunidade estrangeira da Grécia, estão retornando ao seu país ou indo para a Alemanha ou para a Inglaterra”, relata Petros. “Os imigrantes estão sofrendo do mesmo jeito que a classe trabalhadora grega. Há 500 mil que não têm documentos. Muitos destes indocumentados provêm de gente que perdeu seus documentos pelo fato de não ter trabalho, já que os vistos estão vinculados ao emprego e à seguridade social”, explica.
Ao problema econômico, o especialista em migrações acrescenta outro, que é igualmente grave ou pior: o elevado número de filhos de imigrantes que, apesar de terem nascido na Grécia, não têm visto de residência devido às incongruentes leis de estrangeiros helenas. “Há 200 mil crianças que nasceram aqui e se tornam ilegais assim que saem da escola. Por esta razão, precisam começar o mesmo processo legal que seus pais”, detalha Constantinou. “Mesmo quando sequer conheces o teu país de origem, o governo te diz que não és grego”, denuncia.
Embora a taxa de imigração tenha se reduzido consideravelmente devido à crise econômica, a chegada de refugiados que fogem dos conflitos em países vizinhos não se detém porque, como expressa Constantinou, “as guerras no Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão não acabaram. Dizer que acabaram é uma grande mentira”. A maioria deles vê a Grécia somente como porta de entrada para a União Europeia e seu destino final procura ser os países nórdicos. Mas se conseguem ultrapassar a fronteira – porque centenas deles morrem na travessia do Mediterrâneo ou no cruzamento do rio Evros onde o governo anterior construiu um muro para evitar o acesso da Turquia – muitos ficam presos nos Centros de Internamento de Estrangeiros que as diretrizes europeias sobre refúgio e asilo mantêm. “A União Europeia e o governo grego autorizam a entrada em prisões – porque são prisões, chamemos as coisas pelo seu nome – dos recém chegados indocumentados por um período máximo de 18 meses, prazo que, além disso, geralmente é ultrapassado”, explica Petros.
Em Amygdaleza (foto), o “Guantánamo grego”, 1.650 internos convivem em uma instalação que tem capacidade para 400 pessoas, com uma ração de batata e arroz por dia – devido ao não pagamento dos provedores pelo Estado – e sem assistência médica. “Mais de 7% dos reclusos morrem nos centros de detenção porque não têm acesso a tratamentos médicos”, afirma Constantinou, que está há anos lutando pelo fechamento destes campos.
No final de fevereiro, o Executivo do Syriza anunciou o fechamento progressivo dos centros de detenção para imigrantes irregulares e a libertação de quatro mil internos, após o suicídio de um jovem paquistanês de 28 anos nas instalações dos arredores de Atenas, Amygdaleza. Esta medida provocou muitas esperanças no povo grego, já cansado de tantos anos de abusos e intolerância, ao mesmo tempo que foi recebida com cautela pelos setores mais radicais da esquerda. “Darão liberdade condicional a quem está fechado há mais de seis meses, mas ninguém ainda sabe o que vai acontecer quando forem libertados. Não se trata apenas de soltá-los, mas de ter um plano sólido para que obtenham os documentos quando saírem”, manifesta Petros.
A abertura destes “campos de concentração”, como não duvida em chamá-los o vereador de Atenas, responde a uma política racista e xenófoba (principalmente enfocada no mundo muçulmano) que os governos anteriores – conservador e socialista – colocaram em prática, em conivência com a polícia e grupos de ultradireita. “Durante a primeira fase da crise, anos 2007-2008, a Europa aplicou as medidas de ajuste e ao mesmo tempo a islamofobia, acusando os imigrantes – especialmente os paquistaneses na Grécia – pelo desemprego e por todos os problemas derivados da crise”, expõe Constantinou. “Depois vieram os memorandum da Troika, em 2010, que foram cruciais porque promoveram uma maquiagem da extrema direita que, ao se opor às condições do Eurogrupo, começou a se vender como nacionalista, e não como aquilo que realmente é, fascista”, pontualiza.
Nesse momento, a Grécia formava um governo tripartite com os neoliberais da Nova Democracia, os socialistas do Pasok e o Laos, um partido de ultradireita que pela primeira vez chegava ao poder, financiado pelos grandes meios de comunicação e proprietários de estaleiros. “Isso abriu o caminho ao Aurora Dourada, um grupo de 200 militantes nazistas, que são muito poucos, mas têm a polícia por trás para dar cobertura às suas ações”, relata Constaninou.
Ao entrar no Congresso em 2012 e converter-se no terceiro partido mais votado nas eleições de 25 de janeiro, o partido de ultradireita sente-se mais forte e imune, segundo Petros, contra os múltiplos crimes que pesam sobre a sua cúpula. “Agora que estão no poder lavam sua imagem dizendo que os crimes que cometeram foram casos isolados e que não têm relação com eles porque, claro, fazem parte do governo”, reclama o coordenador do coletivo antifascista Keerfa. Mas a verdade é que, apesar de ocupar assentos no Parlamento, 69 membros e simpatizantes do grupo neonazista – incluído o seu líder, Nikolaos Michaloliakos, e 12 de seus deputados – terão que se sentar no banco dos réus no próximo dia 07 de maio acusados por formação de quadrilha e assassinato.
Constaninou, de qualquer modo, insiste em que embora finalmente os membros do Aurora Dourada sejam julgados e condenados, não se deve perder de vista o mais importante: “Que o próprio sistema eleitoral permite a assassinos ter representação na câmara e que, portanto, é gigantesco o nível de acomodação dos fascistas dentro da nossa democracia”.
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Grécia. “Os imigrantes sofrem como a classe trabalhadora” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU