01 Abril 2014
Um grupo de 300 pessoas, em sua maioria africanos subsaarianos, tentou, no dia 6 de fevereiro, passar pela fronteira que separa o Marrocos da Espanha. Em um primeiro momento, os imigrantes foram impedidos, por policiais marroquinos e espanhóis, de pular a grade construída entre os dois territórios. Impossibilitados de entrar pela via terrestre, uma parte do grupo decidiu tentar a sorte a nado, contornando a barreira que se estende pela praia de Tarajal, na cidade de Ceuta.
A reportagem é de Rafael Duque, publicada por Opera Mundi, 30-03-2014.
Segundo imagens capturadas pelas câmeras de vídeo da Guarda Civil espanhola, agentes responsáveis pelo controle da fronteira dispararam balas de borracha contra as pessoas que nadavam rumo às areias europeias. Devido à ação policial, 15 pessoas morreram nas águas do Mediterrâneo, e as que conseguiram chegar à praia foram encaminhadas novamente ao lado marroquino da fronteira.
Opera Mundi foi a Málaga para entender por que imigrantes arriscam a vida para chegar à Espanha
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As mortes destes imigrantes não são um caso isolado. Segundo dados coletados pela revista digital Fortress Europe, 19.507 mortes foram registradas em tentativas de entrar na Europa pela região do Mediterrâneo desde 1988. Este número equivale à soma dos homicídios em Grécia, Itália, Espanha e França nos últimos dez anos.
No centro deste debate sobre os efeitos da política de imigração europeia e da militarização das fronteiras estão dois pequenos municípios com cerca de 80 mil habitantes cada: Ceuta e Melilla. Ambas são cidades autônomas espanholas situadas no Norte da África. Ceuta fica na ponta africana do estreito de Gibraltar e Melilla, um pouco mais a Leste. Os dois municípios estão rodeados por território marroquino e servem como uma das principais portas de entrada de imigrantes e refugiados à Europa.
“Quando eu visitava a casa da minha família, a cidade era diferente. Tinha a fronteira, mas não era uma cerca como é agora, havia uma imigração em que se entrava e saía [da cidade]. Era uma população do Norte da África que entrava para comprar, trabalhar e depois ia embora”, lembra Mohammed Azahaf, coordenador do grupo árabe do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) e filho de marroquinos que migraram para Ceuta nos anos 1960.
Ele afirma que naquela época havia menos medo dos imigrantes e que, apesar do receio de que a chegada massiva de pessoas pudesse mudar o estilo de vida da cidade, a integração era mais fácil. Entretanto, quem visita hoje tanto Ceuta como Melilla tem a sensação de que as cidades estão sitiadas.
“O Estado diz que há uma pressão migratória, por isso reforça a vigilância e sobe as cercas. As pessoas vêm que a cerca sobe e que há mais vigilância e pensam que existe um perigo real. Quando você vai a um bairro e vê que há muito polícia, pensa que é porque é perigoso. [...] O governo age de maneira errada nisso, coloca muita vigilância e as pessoas já se lembram do discurso do medo”, afirma Azahaf.
Pressão Migratória?
A pressão migratória é um dos termos mais utilizados tanto pelo governo como pela imprensa para justificar o extenso aparato policial e as cada vez mais proibitivas políticas migratórias. Entretanto, a afirmação de que existe um grande movimento de entrada de imigrantes por Ceuta ou Melilla não é respaldada pelos dados oficiais do Frontex (Agência Europeia de Controle de Fronteiras Externas).
Até outubro de 2013 – último dado disponível –, 5,8 mil pessoas tentaram entrar em território espanhol irregularmente e, no mesmo período, aproximadamente 36 mil pessoas entraram irregularmente na Itália e 20 mil na Grécia. De acordo com a ONG APDHA (Associação Pró-Direito Humanos da Andaluzia), que trabalha com imigrantes na fronteira Sul espanhola, 4.354 pessoas tentaram entrar nas cidades de Ceuta e Melilla de forma ilegal em 2013 – 2.508 em Melilla e 1.846 em Ceuta.
Azahaf assume que não se pode falar de uma pressão imigratória, mas afirma que, por serem cidades pequenas, mil pessoas já despertam a atenção na população local. Organismos internacionais que trabalham na região apontam que entre os principais problemas nestas duas cidades não estão relacionados a pressão migratória, mas sim à falta de estrutura do governo e à adoção de uma política que desencoraja a via legal de migração.
Foto: Opera Mundi |
“Existe uma situação especial que se criou em Ceuta e Melilla a raiz da modificação da lei de asilo em 2009. O que acontece é que nestas cidades a pessoa que pede asilo é obrigada a permanecer nelas até receber uma resposta da administração. A lei estipula que a resposta deve sair em até seis meses, mas na realidade este tempo se alarga meses ou anos. Há pessoas que estão esperando uma resposta há mais de dois anos”, explica Maria Jesús Vega, representante da ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) na Espanha.
Ela afirma que, quando uma pessoa decide deixar o seu país, busca um lugar onde existam possibilidades de melhorar de vida, e as duas cidades não podem oferecer isto aos imigrantes. “Isso tem um efeito dissuasório e existem pessoas que necessitam de proteção internacional, mas não pedem asilo, porque se você não pede asilo [e decide entrar de maneira irregular] tem mais chances de ser levado à península para que te expulsem. Só que uma vez aí, eles percebem que você não pode ser expulso por sua condição de necessidade de proteção internacional, então você inicia o trâmite neste momento e ganha liberdade de circulação por todo o país”, esclarece Maria Jesús.
Aplicação das leis
Enquanto a lei de asilo é seguida à risca pelo governo, a legislação que regulamenta a imigração é constantemente ignorada. Segundo a advogada Laura Aranda, todo imigrante que entra de forma irregular em Ceuta ou Melilla tem que ser encaminhado à policia nacional, onde a pessoa tem que entregar um passaporte e facilitar algumas informações, como nacionalidade e motivos de entrada na Espanha. Durante todo este trâmite o Estado é obrigado a fornecer um advogado e um tradutor ao imigrante. Apenas depois deste processo, durante o qual a pessoa pode solicitar asilo ou refúgio, é que se averigua se o imigrante é passível de expulsão.
Ela explica que, segundo esta lei, o que ocorreu em Ceuta, quando o grupo que conseguiu aceder à praia espanhola foi encaminhado diretamente ao lado marroquino, é ilegal. “Nós consideramos que para o controle de fronteira não vale tudo. [...] Não se pode atuar como militar controlando a fronteira porque existem procedimentos que estão regulamentados, procedimentos administrativos, então o que se percebe de esta prática é que é ilegal”, diz Laura, que trabalha para a ONG CEAR (Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado) em um centro de acolhida em Melilla.
Devido ao incidente de fevereiro, o Ministro de Interior espanhol, Jorge Fernández Díaz, afirmou que pretende alterar a legislação atual para legalizar a devolução de imigrantes sem que passem por qualquer controle administrativo ou ajuda humanitária. Procurada pela reportagem de Opera Mundi, a Comissão Europeia (órgão executivo da União Europeia) afirmou que “o controle de fronteiras [...] deve respeitar os direitos fundamentais e o princípio de não-expulsão, ao mesmo tempo em que preserva a dignidade humana” e que a comissária europeia de Interior, Cecília Malmström, “espera que as autoridades espanholas prestem mais esclarecimentos sobre este assunto sério”.
Azahaf pondera que existem formas mais eficientes que mudar a lei ou investir ainda mais dinheiro em vigilância ou segurança: “Acho que o que temos que fazer de imediato é investir em cooperação ao desenvolvimento, em apoio às pessoas, ao ser humano. Este dinheiro, eu acho que é um dinheiro que é desperdiçado porque ninguém pode fazer nada para impedir que as pessoas cumpram seus sonhos. Se alguém quer chegar à Europa, vai chegar. Pode demorar um, dois ou dez anos, mas vai chegar. Quando uma pessoa já tem uma decisão tomada, não vai mudar”.
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Morte de imigrantes evidencia falta de estrutura e fracasso da política migratória espanhola - Instituto Humanitas Unisinos - IHU