07 Mai 2012
Furiosos com os planos de austeridade e exigências da Europa para resgatar o país, os gregos deram nas urnas ontem uma "surra" nos partidos tradicionais, permitiram o avanço de extremistas e jogaram o país e toda a zona do euro em uma nova crise. O resultado ameaça a estabilidade da economia europeia, o pacote de resgate e deixa a Grécia em meio um impasse político.
A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 07-05-2012.
Em meio à apuração, os gregos não sabiam dizer quem seria o primeiro-ministro, enquanto o Parlamento ganhava contornos de ingovernabilidade com a emergência de novas forças políticas. Analistas alertam que os mercados hoje devem desabar diante do resultado.
Com quase 90% dos votos apurados, mais da metade dos eleitores gregos deram seu apoio a partidos contrários à política de austeridade, exigida pelo FMI e pela UE para liberar 240 bilhões que evitariam a falência da Grécia. Numa punição coletiva aos líderes políticos que se alternam no poder desde 1974, a opção foi por partidos extremistas: de esquerda, comunistas pró-soviéticos e neonazistas. Todos rejeitam a austeridade, que já deixou um quinto dos gregos desempregados, cortou salários e fez o país entrar em seu quinto ano de recessão.
O partido Nova Democracia foi o mais votado e seu líder Antonis Samaras já iniciava negociações para assumir a chefia do governo. Mas terá de fechar até quarta-feira uma aliança com os rivais se quiser assumir o poder e evitar uma nova eleição. O líder do Pasok, Evangelos Venizelos, apelou para a criação de um governo de união nacional "pró-europeu", sugerindo que os partidos antiausteridade sejam isolados. Ambos defendem a aplicação dos acordos com os credores e Europa para resgatar as finanças gregas e corte no orçamento. Mas não há garantias de que cheguem a um acordo para a formação de um governo.
Os conservadores da Nova Democracia ficaram com 19,3% dos votos, bem abaixo dos 33% conquistados em 2009. O Pasok sofreu uma derrota ainda mais contundente. Dos 43,9% obtidos em 2009, o partido ficou ontem com apenas 13,4% dos votos.
A grande surpresa foi a Coalizão de Esquerda (Syriza), que ficou com o segundo maior número de votos, superando o Pasok, com mais de 16% dos votos. Alexis Tsipras, líder do partido, apressou-se em anunciar que negociaria com os demais partidos de extrema esquerda uma coalizão para assumir o poder e anular os acordos com a UE. "Salvação nacional é rever os acordos. As urnas serviram de recado a Angela Merkel de que a Grécia rejeita a austeridade", declarou.
"A semana será de alto risco no mercado. E a Grécia terá um peso maior que a França", afirmou um analista do Credit Suisse. Para o banco UBS, o risco é de que o impasse político obrigue o FMI e a UE a suspenderem a ajuda. Em declarações à agência Dow Jones, o FMI e a UE fizeram ontem mesmo advertências à Grécia. "O programa é o único caminho para a Grécia", disse uma autoridade da UE. Na avaliação do banco Berenberg, há 40% de chance agora de que a Grécia abandone o euro.
Neonazistas obtêm avanço e fazem ameaças
A crise e a frustração da população permitem que, pela primeira vez, um partido fascista chegue a um Parlamento na Europa em décadas. O partido Aurora Dourada conquistou na Grécia ontem 21 cadeiras do Parlamento.
O grupo que usa uma suástica adaptada como símbolo e não hesita em sugerir a volta dos campos de trabalhos forçados para imigrantes ganhou quase 7% dos votos, o dobro do que precisava para entrar no Legislativo.
Comemorando com uma marcha onde todos saíram de negro e com tochas, o grupo foi um dos que deram o maior salto no pleito em comparação às eleições de 2009, quando tiveram apenas 0,2% (cerca de 20 mil votos) de apoio. Ontem, com 50% dos votos apurados, o grupo já tinha mais de 200 mil eleitores. O movimento foi criado em 1993 por um militar da reserva que tinha Adolf Hitler como referência e dizia sentir saudades dos coronéis.
Na entrevista coletiva após o resultado. o partido exigiu que os jornalistas na sala se levantassem em respeito à liderança. Quem não seguiu a regra foi convidado a se retirar. Seu líder, Nikolaos Michaloliakos, falou ao lado de dois seguranças e seu discurso também foi intimidatório.
"Ninguém deve temer a mim se são bons cidadãos gregos. Mas se são traidores, ai já não sei", declarou. "Para aqueles que traíram o país, é o momento de terem medo. Estamos chegando", disse. O político garante que vai defender no Parlamento o fim do pacote de resgate e a austeridade, mas também a política para fechar as fronteiras aos imigrantes.
"Lutaremos para libertar a Grécia dos credores globais, por uma Grécia com dignidade e independente e por uma Grécia que não seja a selva social com esses milhões de imigrantes que foram trazidos para cá", alertou.
"O dia da revolução nacional dos gregos começou contra aqueles que estão nos vendendo e nos roubando", disse. "Eles tentaram nos silenciar. Mas nós vencemos", sentenciou.
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Urnas embaralham ainda mais política da Grécia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU