O Novo Ensino Médio: Governo Lula e as comunidades educativas no centro dos processos de tomada de decisão. Entrevista especial com Roberto Rafael Dias da Silva

Para o professor, a falta de conexão com a realidade do universo escolar cria currículos atomizados com pouca efetividade para formação dos jovens no século XXI

Foto: Fernando Frazão | Agência Brasil

Por: João Vitor Santos | 24 Março 2023

Uma breve história, ainda sem um final feliz. Todo mundo já deve ter ouvido, ou até falado, que a escola precisa ser modernizada e que os jovens não aprendem mais nada. Desse discurso surgiu a ideia de que é preciso modernizar o Ensino Médio para que a escola possa preparar os jovens para os desafios do século XXI. Assim, nasce o Novo Ensino Médio e ele é imposto a colégios de todo o Brasil. Essa história tem ares de conto de fadas, não por ser cândida e com final feliz, mas por ser fantasiosa e desconexa com a realidade das escolas.

Para o professor Roberto Rafael Dias da Silva, esse é o maior problema do currículo proposto para o Ensino Médio a partir dessa última reforma. “A escolha dos itinerários ocorre a partir de um catálogo restrito e com pouco diálogo com os estudantes sobre seu futuro. Os estudantes encontraram um currículo atomizado (com dezessete disciplinas, ou mais)”, destaca na entrevista concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Ou seja, reduz-se a carga horária de disciplinas clássicas como História e Geografia, e criam-se matérias, digamos, estranhas.

Roberto explica que na ânsia por ofertar matérias modernas, e com a falsa ideia de modernização, alguns estados chegaram a criar até 600 disciplinas. No Rio Grande do Sul, foram 24. Pouco? Não, para Roberto já é um exagero. “Quando a mídia divulgou que os estudantes do Novo Ensino Médio estavam tendo disciplinas sobre ‘como fazer um brigadeiro’, ‘cuidados com seu pet’ ou ‘o que rola por aí?’, todos ficamos preocupados”, destaca o professor. Para ele, “em nome da modernização pedagógica, esquecemos de refletir coletivamente sobre os propósitos educacionais”.

E não é só isso. Enquanto se compra o discurso de modernização escolar e se “inventa moda”, há colégios com falta de infraestrutura. “Ainda temos escolas com estudantes realizando atividades remotas no Ensino Médio porque elas estão em obras ou aguardando melhorias urgentes”, aponta. Segundo o entrevistado, a modernização passa pela discussão efetiva com pesquisadores da educação e com a comunidade escolar.

Afinal, enquanto se ensina fazer brigadeiro, “somente 50,9% das escolas brasileiras possuem um laboratório de ciências; 66% têm acesso à internet para uso dos estudantes; 76% contam com quadra esportiva. Poderíamos incluir aqui bibliotecas, laboratório de informática, salas para o ensino de artes ou oficinas para aulas de idiomas. Não possuímos políticas de inserção socioprofissional dos adolescentes e jovens”, resume Roberto.

Roberto Rafael Dias da Silva (Foto: Arquivo pessoal)

Roberto Rafael Dias da Silva é doutor e mestre em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, licenciado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS. Atua como professor da Escola de Humanidades e do PPG em Educação da Unisinos, na linha de pesquisa “Educação, desigualdades e inclusão”. É líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Currículo, Ensino Médio e Juventudes Contemporâneas – GEPCEM (Unisinos/CNPq), investiga os seguintes temas: Ensino Médio, políticas de escolarização, currículo e conhecimento escolar, constituição da docência e relações entre educação e capitalismo contemporâneo.

Confira a entrevista.

IHU – Que relatos de professores e alunos têm chegado ao senhor acerca das experiências desses primeiros meses de aulas do Novo Ensino Médio?

Roberto Rafael Dias da Silva – Para responder a esta primeira indagação, preciso realizar uma breve retomada. Esta não é a primeira reforma curricular dirigida ao Ensino Médio em nosso país. Ao longo desta década intensificaram-se os investimentos sobre a escolarização de adolescentes e jovens no Brasil. Foram inúmeras as perspectivas políticas que foram mobilizadas em nosso país. Na maioria das vezes, tais manifestações vieram acompanhadas da preocupação de ampliar a democratização do acesso à escola secundária, promover proteção social para nossas futuras gerações e aproveitar o plus demográfico e a janela de oportunidades econômicas que o Brasil ainda apresenta.

Assim, democratização do acesso, proteção social e formação de capital humano, por caminhos variados, foram se constituindo como a agenda fundamental para a educação dos estudantes brasileiros (em governos e tendências políticas diferentes). Esta agenda tem se materializado em um amplo conjunto de direcionamentos formativos e, como acontece em outras partes do mundo, prioriza novos modelos de gestão pública, preocupação acentuada com o desempenho acadêmico em exames internacionais, priorização de competências cognitivas e socioemocionais, e inovação das práticas escolares.

A mais recente reforma educacional em curso, para a educação secundária, reposiciona a organização dos currículos escolares incorporando a noção de itinerários formativos como seu núcleo articulador. Lançada por meio de uma Medida Provisória no fim de 2016, como todos sabemos, a partir deste ano todas as escolas brasileiras assumiram um novo modelo organizativo. Cada estudante passa a escolher, individualmente, o itinerário formativo que cursará; é importante esclarecer que esta escolha corresponde a cerca de 40% da carga horária total desta etapa formativa (variações significativas entre os diferentes sistemas de ensino).

Imperativo das escolhas pessoais

Desde o fim do século XIX, com o delineamento de nosso desenho curricular para a educação secundária, nossos currículos foram compostos por disciplinas comuns e obrigatórias para todos os estudantes. Até mesmo os cursos na área profissional e tecnológica, que podem ser concomitantes ou subsequentes, mantinham a mesma lógica na organização. O debate é longo na produção científica nacional; porém, ainda temos pouco consenso a respeito dos melhores caminhos para a organização da educação dos adolescentes e jovens brasileiros. Com este Novo Ensino Médio, uma nova organização curricular é colocada em cena, e as escolhas individuais são posicionadas como um imperativo.

Na prática, imperativo do pouco diálogo

Tenho acompanhado as políticas dos currículos de todos os estados e do Distrito Federal constituindo um banco de dados com as propostas dos variados sistemas de ensino, bem como compilando relatos de experiências advindos de diferentes contextos. Para esta primeira pergunta, quero me remeter especificamente ao cenário do Rio Grande do Sul. Além das questões de infraestrutura, que são muito fortes nas escolas gaúchas, ainda temos escolas com estudantes realizando atividades remotas no Ensino Médio porque elas estão em obras ou aguardando melhorias urgentes. Os relatos que tenho recebido revelam muita preocupação das comunidades escolares sobre o cenário de implementação do Novo Ensino Médio.

A questão do protagonismo juvenil se materializou em um componente curricular nomeado “Projeto de Vida”, com duas horas-aula semanais. A escolha dos itinerários ocorre a partir de um catálogo restrito e com pouco diálogo com os estudantes sobre seu futuro. Os estudantes encontraram um currículo atomizado (com dezessete disciplinas, ou mais) e, como tenho dito, carregam uma “mochila pesada”.

IHU – Essa expressão aparece em entrevista a nós concedida no começo de 2022. Em que medida isso se confirmou?

Roberto Rafael Dias da Silva – Este cenário que já havia constatado no começo do ano letivo apresenta uma das nuances mais problemáticas desta arquitetura curricular, qual seja: suas dificuldades em promover movimentos de integração curricular. Porém, mais do que isso, eu acrescentaria a ausência de critérios relevantes para a definição daquilo que conta como conhecimento escolar.

Sou um pesquisador de política curricular, e a questão do conhecimento a ser ensinado ocupa um papel central nas minhas preocupações acadêmicas. A garantia da aprendizagem de conhecimentos relevantes é um direito fundamental dos adolescentes e jovens e, ao produzirmos uma reflexão política séria, esta questão ocupa um papel fundamental. Como já havia mencionado na outra entrevista, desde o anúncio desta reforma fiquei bastante preocupado com o advento de uma gramática curricular que se anunciava em torno da “customização curricular”, isto é, a premissa de que os estudantes podem personalizar seus currículos na escola tal como personalizam suas mochilas ou estojos.

A ideia de customização do currículo é desenvolvida por Roberto no livro “Customização Curricular no Ensino Médio: elementos para uma crítica pedagógica” (São Paulo: Cortez, 2022)

 

“Crise da escola”

Nas últimas duas décadas foram ampliados os discursos sobre a “crise da escola”, crise de legitimidade ou até “crise de audiência”. Tais discursos vinham acompanhados da afirmativa de que a escola precisava sintonizar-se com as demandas do século XXI: na cultura contemporânea, nas subjetividades ou mesmo nas competências requeridas pelo mundo do trabalho. Inúmeros institutos, fundações ou associações passaram a difundir a escola do futuro: métodos ativos, mudanças na arquitetura curricular e no próprio design da relação pedagógica.

Tenho certeza de que a maioria dos nossos colegas que impulsionaram estas ideias tinham boas intenções; todavia, isso ocorreu sem uma sólida reflexão sobre os propósitos educativos para um mundo em metamorfose. Podemos concordar que a escola dos adolescentes e jovens necessitava de uma renovação pedagógica; porém, isso não se faz sem contar com um direcionamento curricular que seja dialogado com as comunidades escolares.

Na ausência destes direcionamentos, a reforma do Ensino Médio induziu que os estados investissem em uma acelerada criação de disciplinas: no Distrito Federal foram 601, no Rio de Janeiro foram 110, em Pernambuco foram 224, no Rio Grande do Sul foram “somente” 24. Só para finalizar: são esses mesmos atores políticos que assessoram a produção dos currículos estaduais e agora atuam fortemente na defesa do Novo Ensino Médio.

IHU – O Novo Ensino Médio deve ser revogado?

Roberto Rafael Dias da Silva – Sempre aposto que os professores e professoras atuantes nas comunidades escolares, pela sua autonomia profissional, podem reinventar uma política em seu cotidiano: acrescentando elementos, preenchendo lacunas, incorporando práticas diferenciadas ou refutando conceitos pouco operacionais. Com isso, quero dizer que os textos curriculares não são bons ou ruins em si mesmos, mas podem ser praticados em novas direções.

Entretanto, o transcorrer destes primeiros movimentos de implementação do Novo Ensino Médio leva-me a defender a revogação desta política curricular (ainda que isso, neste momento, pareça pouco provável), por, pelo menos, três motivos:

O primeiro motivo, talvez o mais destacado nos últimos dias, refere-se ao fato de que esta política curricular foi construída sem a devida participação dos estudantes, dos profissionais da educação e dos pesquisadores e pesquisadoras brasileiros que estudam a temática da escolarização juvenil. Esse vazio de legitimidade merece nosso destaque.

O segundo motivo é que esta reforma foi construída em torno de uma gramática curricular voltada para a capacidade de escolha dos estudantes. É possível constatar um excesso de individualização e de responsabilização dos jovens das periferias urbanas, por meio da mobilização articulada de noções como protagonismo juvenil, projeto de vida, competências socioemocionais, etc. Além disso, o que também é significativo, essa política curricular centrada nas escolhas dos estudantes não veio acompanhada de condições efetivas de realização: não ocorreram investimentos de nenhuma natureza para qualificar a infraestrutura da escola ou a formação dos professores.

Por fim, o terceiro motivo pelo qual entendo que esta política precisa ser revogada é a ausência de critérios relevantes para a seleção dos conhecimentos e das experiências escolares, como já mencionei anteriormente. Aliás, essa questão acompanha toda a redação da Base Nacional Comum Curricular – BNCC, de uma maneira geral.

IHU – O que quer dizer com ausência de critérios relevantes para a seleção dos conhecimentos escolares?

Roberto Rafael Dias da Silva – Quando a mídia divulgou que os estudantes do Novo Ensino Médio estavam tendo disciplinas sobre “como fazer um brigadeiro”, “cuidados com seu pet” ou “o que rola por aí?”, todos ficamos preocupados.

A Folha de S.Paulo publicou um levantamento segundo o qual, em todo o Brasil, podemos encontrar a oferta de, pelo menos, 1.526 disciplinas diferentes nesta etapa da Educação Básica. Longe de defender uma padronização ou um currículo mínimo, esta questão apenas revela que, em nome da modernização pedagógica, esquecemos de refletir coletivamente sobre os propósitos educacionais.

IHU – Algumas entidades apontam que, mesmo durante a consulta pública que o governo federal está promovendo, medidas deveriam ser tomadas para minimizar o impacto negativo do Novo Ensino Médio. O senhor concorda?

Roberto Rafael Dias da Silva – Gostaria muito que essas entidades levassem a sério a questão das desigualdades no acesso à escolarização pelos adolescentes e jovens brasileiros, particularmente aqueles das periferias urbanas. Seria valioso que essas entidades assumissem uma postura de efetiva defesa da escola pública e reconhecessem a potencialidade do investimento em áreas mais objetivas.

Particularmente, quero chamar a atenção nesta resposta para a questão da infraestrutura.

Não há dúvida que precisamos modernizar nossos currículos escolares. Porém, antes disso, faz-se necessário um investimento na melhoria das salas de aula, na construção de laboratórios e espaços de convivência. Só para elencar alguns dados que todos conhecemos:

a) somente 50,9% das escolas brasileiras possuem um laboratório de ciências;

b) somente 66% tem acesso à internet para uso dos estudantes;

c) somente 76% contam com quadra esportiva.

Poderíamos incluir aqui bibliotecas, laboratório de informática, salas para o ensino de artes ou oficinas para aulas de idiomas. Não possuímos políticas de inserção socioprofissional dos adolescentes e jovens.

Para finalizar essa resposta, seria interessante que uma consulta pública, voltada para examinar a construção de uma educação assentada nos princípios da qualidade e da equidade, levasse em consideração outras demandas mais urgentes.

IHU – Hoje, que alternativa se pode oferecer ao Novo Ensino Médio?

Roberto Rafael Dias da Silva – O conceito de itinerário formativo pode ser colocado novamente em discussão, alargando seus sentidos formativos e colocando-o em diálogo com as demandas da sociedade, da cultura e da economia do século XXI. Ele pode ser retomado a partir de outras perspectivas teóricas e servir de base para uma política curricular que favoreça percursos variados de estudo e de aprofundamento. Todavia, importa salientar que estes percursos precisariam estar posicionados em conhecimentos socialmente relevantes e produzidos a partir de uma perspectiva de “aprendizagem intergeracional” (como pontua o britânico Michael Fielding).

 

Livro de Michael Fielding, “Radical Education and the Common School: A Democratic Alternative” (Routledge, 2010) discute a ideia de aprendizagem intergeracional | Imagem: divulgação

Valorizar as vozes e as experiências dos estudantes é um pressuposto curricular fundamental para o Ensino Médio. De acordo com Michael Fielding, pesquisador crítico, precisamos criar alternativas para as distorções das políticas neoliberais contemporâneas que tendem a individualizar as responsabilidades do processo educativo. Torna-se importante a construção de possibilidades de novos desenhos curriculares para a escola democrática e também o questionamento dos modelos formalistas de participação estudantil que predominaram na última década.

IHU – Que questões de fundo há na defesa do Novo Ensino Médio que muitos insistem em fazer?

Roberto Rafael Dias da Silva – Como já afirmei em outras entrevistas ao IHU, para delimitar as novas demandas que interpelam as políticas curriculares, neste tempo precisamos ampliar nossa abordagem para a compreensão da forma predominante do capitalismo – o neoliberalismo.

Nesta direção, vale a pena retomar três leituras para a produção de um pequeno exercício de contextualização. Na companhia dos estudos sociológicos de Laval e Dardot, precisamos compreender o estágio do neoliberalismo evidenciando suas estratégias para governar por meio de crises. Hodiernamente, a partir o prisma dos autores, trata-se de entender que “a crise multiforme que estamos vivendo, longe de ser um freio, é um meio para governar”.

 

La pesadilla que no acaba nunca: El neoliberalismo contra la democracia (Gedisa, 2017), de Christian Laval e Pierre Dardot | Foto: divulgação

Por meio da multiplicação das crises, o neoliberalismo tende a se autoalimentar e a reforçar seus próprios mecanismos de governo. Ao constituir um novo léxico, “a crise converteu-se em uma verdadeira forma de governo e é assumida como tal”. O advento deste léxico da crise permite que alarguemos sua disposição para além da esfera econômica, incluindo todos os aspectos da realidade social contemporânea. A crise permanente converge para a neoliberalização das mentes e dos corpos e impõe a competição generalizada como estratégia de atuação.

Metamorfose do mundo

De um ponto de vista cultural, a leitura de Ulrich Beck acerca de uma metamorfose do mundo também precisa ser sinalizada. Em obra póstuma, o sociólogo alemão diagnostica uma surpreendente transformação do mundo que pode ser compreendida através da “transformação do horizonte de referências e das coordenadas de ação”, tratando-se, objetivamente, de uma metamorfose. Distanciando-se de uma atitude vinculada ao pessimismo cultural dominante, o conceito auxilia a pensar que a metamorfose não é uma expressão normativa, mas antes descritiva.

 

A metamorfose do mundo: Novos conceitos para uma nova realidade (Zahar, 2018), de Ulrich Beck | Foto: divulgação

Assim sendo, estamos perante a necessidade de novos conceitos ou novas modalidades interpretativas.

Redescrevendo nossa experiência

Enquanto Laval e Dardot, analisando a mudança política derivada da consolidação do neoliberalismo, convidam-nos a compor um novo léxico para compreender a crise, Beck instiga-nos a redescrever nossa experiência neste tempo. Não estamos supondo que haja consenso entre estes posicionamentos, reconhecendo as distâncias epistemológicas entre os pensadores, mas sinalizamos uma convergência em torno da busca por novos conceitos e possibilidades de exame crítico deste tempo. Insistindo nas considerações de Beck, não se trata de uma substituição do modelo crítico, mas de uma complementação. A metamorfose, nestes termos, “desafia nosso modo de estar no mundo, de pensar sobre o mundo, de imaginar e fazer política”.

Para fins deste diagnóstico, julgamos oportuno acrescentar alguns apontamentos advindos dos escritos de Eva Illouz. Na sociologia contemporânea, sobretudo na interface entre as mutações subjetivas e o mundo do trabalho, os estudos de Illouz estão na ordem do dia, uma vez que nos recordam que a descrição sociológica do trabalho sempre esteve carregada do componente emocional.

Intimidades congeladas: Las emociones en el capitalismo (Katz editores, 2007), de Eva Illouz | Foto: divulgação

 

A autora expõe que elementos como medo, angústia, culpa, indiferença, competitividade ou amor, entre outros, sempre estiveram presentes nos relatos sociológicos sobre a modernidade. A construção da esfera pública, com maior ou menor intensidade, sempre esteve saturada de afetos. Ocorre que, gradativamente, essa questão foi sendo incorporada na lógica capitalista delineando um “capitalismo emocional”. De acordo com a socióloga, essa forma capitalista é “uma cultura em que as práticas e os discursos emocionais e econômicos se configuram mutuamente e produzem o que considero um amplo movimento em que o afeto se converte em um aspecto central do comportamento econômico, e a vida emocional – sobretudo a da classe média – segue a lógica do intercâmbio e das questões econômicas”. As políticas de escolarização juvenil produzidas na atualidade, como é o caso do Novo Ensino Médio, precisam ser lidas neste contexto.

IHU – O governo federal está a completar 100 dias. Que análise faz dos movimentos na área da educação nesse período?

Roberto Rafael Dias da Silva – Considero ainda muito cedo para avaliar os atuais movimentos políticos mobilizados pelo Ministério da Educação, em suas diferentes frentes de atuação (da educação infantil à pós-graduação). Os colegas que assumiram esta pasta encontraram uma ausência de direcionamentos políticos e uma desmobilização em torno de agendas fundamentais da escola brasileira.

Apenas aguardamos uma postura que coloque as comunidades educativas no centro dos processos de tomada de decisão e que seja capaz de estimular programas de governança escolar mais democráticos. Tal como aconteceu em outros ministérios, a comunidade acadêmica aguardava novos direcionamentos na agenda educacional, mais progressistas e inovadores, por um lado, e capacidade de sintonia com as demandas culturais do nosso tempo, por outro. 

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