Por: Patricia Fachin | 06 Março 2018
À luz das revelações da Lava Jato e da concessão das licenças de Operação às hidrelétricas de Belo Monte, em Altamira, e de São Manoel, em Mato Grosso, mesmo sem o cumprimento de condicionantes determinadas pelo Ibama e pela Funai, é fácil chegar à constatação de que a construção de hidrelétricas no Brasil “tem prioridade justamente porque suas construções envolvem muito dinheiro, dão oportunidade para a corrupção e sustentam o lobby das empreiteiras para conseguirem contratos de grandes barragens que têm uma produção pífia de energia”, diz o pesquisador norte-americano Philip M. Fearnside à IHU On-Line.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Fearnside reflete sobre os processos que levaram à concessão das licenças de operação de hidrelétricas que não poderiam estar funcionando, mas também alerta sobre os projetos futuros do governo para dar continuidade à construção de novas barragens na Amazônia. “No rio Xingu é provável que seja construída a hidrelétrica Babaquara-Altamira, uma enorme barragem acima de Belo Monte, a 11 quilômetros de Altamira. Essa área seria inundada e há muitos sinais de que esse será o plano do governo futuramente”.
Segundo Fearnside, pelo menos três evidências indicam a realização dessas obras no futuro. Primeiro, afirma, “porque Belo Monte é economicamente inviável sem a existência dessas outras barragens”, segundo, porque o próprio governo investiu 80% na construção de Belo Monte via BNDES, e terceiro, porque a ex-presidente Dilma anunciou em 2013 “uma nova prioridade para barragens com grandes reservatórios e isso foi reconfirmado em setembro do ano passado pelo atual governo”. E adverte: “Essa barragem [Babaquara-Altamira] estava no Plano de Energia do governo até 1994, e a previsão era que fosse construída sete anos depois de Belo Monte, então, ainda estamos dentro do prazo no cronograma.”.
Philip M. Fearnside também comenta o recente interesse de países como China, França e Canadá na construção das hidrelétricas brasileiras. “O interesse da China nessas hidrelétricas está aumentando e ela está comprando hidrelétricas existentes ou que estão sendo construídas. Aparentemente estão negociando uma parte de Belo Monte e já comprou o controle de Santo Antônio do Jari, no Amapá. (...) A França tem um enorme interesse em Jirau e é um dos maiores donos da hidrelétrica. (...) Existem muitos e diferentes países interessados e do mesmo modo o Brasil é um grande ator que tem feito barragens em outros países, e pretende construir várias barragens no Peru, do mesmo modo que outros países têm fomentado a construção de barragens aqui, como o Canadá, que tem empresas de consultoria que desenham planos de energia”, informa.
Philip M. Fearnside | Foto: O Eco
Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan, EUA, e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa, em Manaus, AM, onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas - IPCC, em 2007.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Há muitos anos o senhor tem defendido que as hidrelétricas a serem construídas na Amazônia causariam muitos prejuízos à fauna, à flora e à floresta em geral. Hoje, depois da construção de algumas barragens, como Belo Monte e São Manoel, o senhor confirma suas hipóteses?
Philip Fearnside – É evidente que os problemas permanecem e o impacto dessas hidrelétricas é muito maior do que geralmente é admitido durante o licenciamento. Os impactos são de ordem ambiental e social, e se eles de fato tivessem sido levados em conta, a decisão sobre a construção das hidrelétricas teria sido outra. O Brasil tem muitas outras opções de energia que não as hidrelétricas, porque essa não é uma energia barata; ela é fortemente subsidiada por impostos. Existem cálculos de que é possível suprir toda a energia do Brasil apostando em outras fontes, como energia eólica e a solar. Obviamente tem que ter algum tipo de energia para suprir a demanda quando não tem vento ou sol, mas para isso existe o sistema elétrico do país. No Nordeste há grandes áreas de sol e, portanto, investir nesses modelos seria viável, mas as hidrelétricas têm prioridade justamente porque suas construções envolvem muito dinheiro, dão oportunidade para a corrupção e sustentam o lobby das empreiteiras para conseguirem contratos de grandes barragens que têm uma produção pífia de energia. A hidrelétrica de Balbina é um exemplo histórico disso.
IHU On-Line – Quais diria que foram os principais problemas gerados por conta das hidrelétricas já construídas?
Philip Fearnside – A primeira questão é que é preciso inundar a terra para formar um reservatório e isso leva à expulsão de todas as pessoas que moram próximo a essas áreas, como ribeirinhos e indígenas, que têm pouco poder político para poder lidar com essa questão. As hidrelétricas que aparentemente estão planejadas acima de Belo Monte — que não são oficialmente admitidas no momento, mas pelo menos uma das quais é provável que seja construída —, estão previstas em áreas indígenas. A primeira, Babaquara-Altamira, teria um lago do dobro do tamanho de Balbina.
A decisão é tomada sem sequer considerar ou levantar quais são os impactos da construção de uma hidrelétrica
Além disso, as hidrelétricas bloqueiam as migrações dos peixes e geram gases de efeito estufa. Esses impactos não são considerados na hora de se tomar a decisão acerca da realização desse tipo de obra. Na verdade, a decisão é tomada sem sequer considerar ou levantar quais são os impactos da construção de uma hidrelétrica. O EIA RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) é feito depois de ser decidido pela Casa Civil quais são as prioridades de barragens. Então, a decisão real é tomada por pouquíssimas pessoas que não querem e não sabem quais são os impactos desse tipo de obra. Todo o processo de estudo de impactos que é feito posteriormente é apenas para legalizar a decisão que já foi tomada. É preciso mudar esse sistema, para que as decisões sejam tomadas somente depois de ter sido feito um estudo ou debate público.
IHU On-Line – O senhor tem feito críticas ao modo como os órgãos ambientais têm concedido licenças de operação para hidrelétricas mesmo existindo problemas no licenciamento, como foi o caso de Belo Monte e São Manoel. Quais os problemas desses órgãos? Por que eles concedem as licenças de operação?
Philip Fearnside – Eles não têm o poder para resistir à pressão na hora de aprovar essas obras. Ao mesmo tempo, com todas as falhas que existem no sistema brasileiro nesse sentido, é muito melhor que existam esses órgãos do que as propostas que estão avançando no Congresso Nacional, como a proposta de pôr fim ao licenciamento ambiental, com a PEC 65, que permite que apenas a entrega do EIA RIMA autorize toda a concessão da obra. Se essa proposta for aprovada, o papel do Ibama será apenas simbólico. Projetos de lei avançando no Senado e na Câmara dos Deputados irão abreviar o processo de licenciamento ambiental: ao invés de se ter três licenças para liberar uma obra, seria preciso somente uma e o prazo previsto para as análises não permitiria que o Ibama tivesse tempo hábil de fazê-lo — seria 1/7 do tempo que o Ibama leva hoje. Se o Ibama não aprovar as licenças dentro desse prazo, a obra será aprovada automaticamente e poderá ser realizada. Trata-se de uma maneira de neutralizar o sistema que existe hoje, mas é evidente que o sistema não está conseguindo resistir às pressões.
Vimos isso com as barragens do Rio Madeira, que tinham pareceres com centenas de páginas oferecendo razões para não autorizar a licença, deixando claro que o setor técnico do Ibama era contra a aprovação da obra. Mas isso foi resolvido com a substituição do chefe de licenciamentos do Ibama, que aprovou as licenças prévias. Depois essa pessoa foi promovida a chefe do Ibama e aprovou a instalação. Isso se repetiu em Belo Monte: em todas as etapas de licença prévia, instalação e operação, centenas de páginas apontaram a inviabilidade da obra, mas no final das contas trocaram o chefe do Ibama. Recentemente aconteceu o mesmo com a hidrelétrica de São Manoel, que também tinha pareceres do setor de licenciamento do IBAMA para que não fosse aprovada, mas foi. Esses são exemplos graves do que tem sido feito no país.
IHU On-Line – Depois que hidrelétricas como Belo Monte e São Manoel receberam suas licenças de operações, como fica a questão das condicionantes? Elas serão arquivadas?
Philip Fearnside – Esse sistema de condicionantes iniciou a partir de 2003, porque até então quem estava construindo uma barragem tinha que cumprir com todas as demandas impostas. Entretanto, com o sistema de condicionantes se permitiu que a obra fosse adiante desde que as empresas realizassem as condicionantes posteriormente. Entretanto, licenças de operação foram concedidas às hidrelétricas de Belo Monte e São Manoel sem terem se cumprido as condicionantes. Isso é gravíssimo, porque depois de se ter a licença de operação, não se tem nenhum meio de fazer com que as empresas cumpram essas condicionantes, porque embora a Justiça tente paralisar a obra, ela já está funcionando, já está gerando energia. Então, é importante que seja cumprido tudo que for necessário antes de deixar que a barragem se torne um fato consumado. No caso de Belo Monte existiam 40 condicionantes do Ibama e 26 da Funai, mas quase nenhuma delas foi cumprida. Entretanto, depois de ter a licença de operação, é muito difícil conseguir um efeito, porque a obra já está completa e já está operando.
IHU On-Line – Qual é o conteúdo dos processos do MPF?
Philip Fearnside – As principais dizem respeito ao fato de os povos indígenas não terem sido consultados, como determina a Convenção 169 da OIT, que foi convertida em lei no Brasil em 2004. Nenhuma das barragens consultou os índios e isso tem sido contestado repetidamente. As demais condicionantes dizem respeito a questões técnicas que não foram cumpridas.
IHU On-Line – Qual é o impacto dessas hidrelétricas, especialmente Belo Monte e São Manoel, para as comunidades indígenas?
Philip Fearnside – Abaixo da barragem tem duas áreas na volta do rio Xingu e uma próxima ao rio Bacajá, que é o afluente que entra na Volta Grande do Xingu, onde vivem três grupos indígenas que ficaram sem água e são impactados por conta da falta de água. O governo alega que eles não são impactados porque não ficaram debaixo d’água, mas a Convenção 169 trata de impactados e não de alagamentos. Logo, ficar sem água também é um impacto. No caso de São Manoel, a terra indígena fica a 700 metros da barragem e a barragem está numa área sagrada, a qual não está demarcada.
A proteção indígena vem se enfraquecendo rapidamente e vimos isso em Belo Monte, porque quando a Constituição foi aprovada em 88 se exigiu a aprovação pelo Congresso para qualquer obra que impactasse uma área indígena. Isso foi visto como um impedimento impossível para a construção da obra e gerou uma revisão dela no sentido de mudá-la de posição, mas depois, quando chegou a “hora H” de aprovar o projeto no Congresso, ele foi aprovado em caráter de urgência e se deixou Belo Monte ir para frente. Isso tirou o medo do setor energético de propor obras em áreas indígenas.
Outra coisa importante são as hidrelétricas que ainda não foram construídas, mas que estão no plano do governo e ninguém está falando nisso. No rio Xingu será construída a hidrelétrica Babaquara-Altamira, uma enorme barragem acima de Belo Monte, a 11 Km de Altamira. Essa área será inundada e há muitos sinais de que esse será o plano do governo futuramente. Primeiro, porque Belo Monte é economicamente inviável sem a existência dessas outras barragens, pois o Xingu é um dos rios da Amazônia que tem mais variação sazonal e em alguns meses não tem água para geração de energia. Nesse sentido, essa é uma hidrelétrica difícil de justificar: como justificar 20 mil megawatts ociosos durante esse tempo todo? Não faz sentido econômico. A segunda evidência de que esse será o plano futuro do governo diz respeito ao fato de o próprio governo ter investido todo este dinheiro na construção de Belo Monte — 80% da obra foi financiada pelo BNDES, com juros de 4% ao ano. Então, o fato de o governo ter investido em Belo Monte é um indicativo de que o plano real é ter grandes reservatórios acima de Belo Monte para armazenar água e poder usar as turbinas de Belo Monte na época de seca.
Outras evidências são, por exemplo, o discurso da Dilma em 2013 anunciando uma nova prioridade para barragens com grandes reservatórios e isso foi reconfirmado em setembro do ano passado pelo atual governo. Essa barragem [Babaquara-Altamira] estava no Plano de Energia do governo até 1994, e a previsão era que fosse construída sete anos depois de Belo Monte, então, ainda estamos dentro do prazo segundo esse cronograma. O governo nega que se trate de um plano, mas todos os indícios apontam que é.
Outro caso paralelo é a barragem de Chacorão, no Tapajós, na Terra Indígena Munduruku, que já está demarcada oficialmente. Nesse caso são 11,7 mil hectares que serão inundados dentro da terra dos Munduruku. Isso está dentro do plano e está dentro do estudo de viabilidade de São Luiz do Tapajós, mas sumiu dos planos da Eletrobras. Existe também no PAC o plano de transporte das hidrovias, e a hidrovia do Tapajós é a prioridade do setor de soja para levar o produto de Mato Grosso a Itaituba por balsa. Então, é evidente que o plano é fazer a barragem. Trata-se de um elefante na sala que simplesmente não é mencionado. Isso é perigoso, porque existe essa estratégia de não falar sobre as coisas mais polêmicas até o último momento para não prejudicar aquelas obras que estão esperando aprovação.
IHU On-Line - Em um dos seus artigos o senhor afirmou que a empresa China Three Gorges adquiriu uma participação de 33% na barragem de São Manoel. Qual tem sido a influência e o interesse da China na construção ou na compra de hidrelétricas na Amazônia, a exemplo da hidrelétrica de São Manoel?
Philip Fearnside – O interesse da China nessas hidrelétricas está aumentando e ela está comprando hidrelétricas existentes ou que estão sendo construídas. Aparentemente estão negociando uma parte de Belo Monte e já comprou o controle de Santo Antônio do Jari, no Amapá. Os chineses também têm contratos de transmissão de Belo Monte e estão interessados em outras questões relacionadas à energia que não apenas as hidrelétricas. Isso é um problema, porque a China tem um histórico bastante preocupante em termos de meio ambiente.
Além disso, não sei se alguém lembra disso, mas em 2006, no Conflito de Darfur [1], no Sudão, morreram milhares de pessoas e o Brasil tinha voto dentro da comissão da ONU para decidir se iria enviar suas forças de segurança para parar o genocídio ou não, e o Brasil optou pelo não. A questão é: por quê? O Brasil não tem nenhum interesse no Sudão, mas a China, sim, porque está comprando petróleo do Sudão. Então, aparentemente o Brasil agiu para garantir interesses da China. Que eu saiba ninguém contestou esta explicação de por quê da atitude do Brasil, mas isso é um exemplo da influência chinesa no Brasil.
IHU On-Line – Quando iniciou o interesse chinês nas hidrelétricas brasileiras?
Philip Fearnside – Esse é um interesse recente, mas a China tem aumentado sua influência no Brasil há alguns anos. A China tem comprado terras aqui e tem tido influência no comércio de soja e carne. Isso tem gerado um enorme impacto sobre o desmatamento no Brasil. Esse poder de influência da China é muito preocupante. No caso das hidrelétricas, a China tem interesse em comprar recursos naturais no mundo inteiro, especialmente em países como o Brasil. Trata-se de uma estratégia para ter esses recursos naturais, que a China não tem, dos quais ela sabe que vai precisar futuramente.
IHU On-Line – Que outras empresas ou países têm interesse nas hidrelétricas brasileiras?
Philip Fearnside – A França tem um enorme interesse em Jirau e é um dos maiores donos da hidrelétrica. Os portugueses também tinham interesse em São Manoel, mas venderam sua parte na hidrelétrica para a China. No caso da hidrelétrica de Santo Antônio, o Banco Santander, da Espanha, tinha interesse nela, mas depois vendeu sua parte porque deve ter percebido que não seria bom para a sua imagem de “banco verde” estar associado à hidrelétrica. Existem muitos e diferentes países interessados e do mesmo modo o Brasil é um grande ator que tem feito barragens em outros países, e pretende fazer várias barragens no Peru, do mesmo modo que outros países têm fomentado a construção de barragens aqui, como o Canadá, que tem empresas de consultoria que desenham planos de energia. E existem também as indústrias de turbina, onde a França tem um poder enorme e vendeu turbinas para Tucuruí. Uma empresa da França tem uma subsidiária, a Mecânica Pesada, que faz turbinas em Taubaté. Então, esses países têm grande interesse em promover mais barragens no Brasil.
IHU On-Line - Nos últimos anos o Brasil tem assistido aos desdobramentos da Lava Jato sobre os casos de corrupção envolvendo empreiteiras e membros do poder público. Como o senhor recebeu as notícias sobre os casos de corrupção envolvendo Belo Monte? Foi uma surpresa? Ainda nesse sentido, como avalia a construção de Belo Monte à luz da Lava Jato?
Philip Fearnside – Isso explica, no caso de Belo Monte, o enorme interesse dos governos de Lula e Dilma por essa barragem.As delações vem de dois lados: o lado de quem pagou, as empreiteiras, e o lado de quem recebeu. Também tem o caso da Odebrecht no Rio Madeira. Tudo isso ajuda a explicar os mistérios de por que sempre houve tanto esforço para produzir uma obra que não tem o menor sentido financeiro e terá uma série de implicações por conta das mudanças climáticas. Ou seja, Belo Monte vai ficar menos viável do que é hoje em razão das mudanças climáticas e do desmatamento. Mesmo se presumindo que não haverá mudança na vazão do rio, a obra não será viável.
A Lava Jato tem a oportunidade de amenizar essa doença da corrupção, mas várias coisas estão em movimento nesse sentido. Uma delas é a privatização da Eletrobras. Tem argumentos dos dois lados, mas em termos de construção de novas hidrelétricas a privatização seria uma vantagem, porque a Eletrobras sendo do governo, é suscetível a fazer obras como Belo Monte. Mas se a Eletrobras fosse uma empresa privada, que fizesse seus cálculos sobre lucros, jamais teria se construído algo como Belo Monte. Claro que também existe o outro lado: uma empresa privada pode fazer muitas obras com grandes danos sociais e ambientais porque gera lucro, mas certamente uma obra como Belo Monte teria sido evitada. Parece que 70% da população está contra a privatização, mas tem que ver se o governo e o Congresso vão optar por essa saída. Ainda não dá para prever.
IHU On-Line – Mas o senhor acha que seria melhor para o Brasil privatizar a Eletrobras?
Philip Fearnside – Seria, porque se fariam opções que fazem mais sentido econômico, como investir em energia eólica e solar e não na construção de barragens. Mas o que acontece é que se opta por barragens porque há o lobby das empreiteiras, das construtoras etc. A privatização diminuiria esse aspecto. Obviamente existiriam outros riscos, mas esse seria um benefício.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a aposta política que existe no Brasil, tanto à direita quanto à esquerda, de construir hidrelétricas? Por que diferentes posições ideológicas concordam com esse tipo de projeto?
Philip Fearnside – Isso acontece porque tem uma força embutida na natureza dessas obras: envolve muito dinheiro e cria, por si, um lobby a favor da obra. Isso gera empregos para milhares de pessoas durante alguns meses, gera votos, gera lucros para comerciantes e, automaticamente, há um lobby a favor a obra, mesmo que não faça sentido. Balbina é um exemplo de uma obra que não faz sentido em termos financeiros e em termos de geração de energia, mas teve lobby de vários setores de Manaus e isso mostra como funciona esse quadro. Então, não é surpresa quais são as razões que são apoiadas pelos diferentes políticos. Entretanto, isso é algo que precisa mudar, porque não é benéfico para a população brasileira. Embora seja possível criar empregos — no Rio Madeira tinha mais de 20 mil pessoas trabalhando durante as obras —, esse trabalho dura dois ou três anos e as pessoas ficam desempregadas, mas a obra gera um impacto no rio para sempre. Tem que se pensar se isso tem lógica ou não.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Philip Fearnside – É preciso ser claro que o importante em relação a essas obras é a tomada de decisão. Como se chega à decisão de construir essas obras? É preciso discutir isso antes de tomar as decisões reais. Essa decisão é tomada por meia dúzia de pessoas. Isso não é muito diferente da época do regime militar. Muitas vezes escutamos que Balbina jamais aconteceria nos dias de hoje, em que se vive numa democracia, em que existe EIA RIMA, audiências públicas etc. No entanto, nada disso mudou o básico do sistema, isto é, o fato de a decisão ser tomada por poucas pessoas que não sabem dos impactos desse tipo de obra.
Nota:
[1] Conflito de Darfur: é um conflito armado em andamento na região de Darfur, no oeste do Sudão, que opõe principalmente os janjawid - milicianos recrutados entre os baggara, tribos nômades africanas de língua árabe e religião muçulmana - e os povos não árabes da área. O governo sudanês, embora negue publicamente que apoia os janjawid, tem fornecido armas e assistência e tem participado de ataques conjuntos com o grupo miliciano. O conflito iniciou-se, oficialmente, em fevereiro de 2003, com o ataque de grupos rebeldes do Darfur a postos do governo sudanês na região, mas suas origens remontam a décadas de abandono e descaso do governo de Cartum, eminentemente muçulmano, para com as populações que vivem neste território. As mortes causadas pelo conflito são estimadas entre 50 mil (Organização Mundial da Saúde, setembro de 2004) e 450 mil (Dr. Eric Reeves, 28 de abril de 2006). (Nota da IHU On-Line).
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Hidrelétricas sustentam o lobby das empreiteiras por contratos de grandes barragens e pífia produção de energia. Entrevista especial com Philip M. Fearnside - Instituto Humanitas Unisinos - IHU