Por: Patricia Fachin | 21 Novembro 2016
As prisões dos ex-governadores do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho e Sérgio Cabral, "têm um significado geral de que os poderosos intocáveis podem ir para a prisão, e isso inquieta muita gente. É a quebra de um tabu. 'Branco, rico e morador de bairro nobre' não vai para a prisão no Brasil. Político poderoso, ainda menos. Essas prisões não deixam de ser uma democratização. Paradoxal, mas real", diz Giuseppe Cocco à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail.
Na avaliação dele, as prisões têm sentidos diferentes. Enquanto a de Garotinho "teve um impacto genérico", a prisão de Cabral tem "um impacto muito forte. Ela estava no ar, mas parecia impossível. Acabou acontecendo em um momento de grande conturbação social e econômica no Rio de Janeiro, com um verdadeiro 'timing'". Segundo ele, "a prisão de Cabral era esperada e desejada desde junho de 2013" e "multidões de moradores e trabalhadores da zona norte foram às passarelas da Avenida Brasil para aplaudir a passagem do ex-governador preso em direção à prisão de Bangu".
Na entrevista a seguir, Cocco pontua ainda que a prisão de Cabral também "joga por terra a narrativa petista (...) sobre o golpe e sobre a Lava Jato", porque "o petismo dizia que a Lava Jato era seletiva, que significava um golpe de um juiz 'tucano', unicamente contra o PT, contra a esquerda, contra o progressismo. Depois disseram que o impeachment era um 'golpe'. Mas agora, que a Lava Jato pega os homens fortes do PMDB fluminense (depois do Cunha, o Cabral), dizem que não respeita o Estado de Direito. Ou seja, as mentiras do marketing eleitoral estilo Santana se reproduzem sem ter fim - só aparecem pelo que são: mentiras".
Na interpretação de Cocco não houve golpe, "mas rearranjo interno ao consórcio de poder para, por um lado, o PT poder se colocar como vítima e evitar a perda total de credibilidade junto ao que sobra de sua base (paradoxalmente se trata tão somente da base universitária, totalmente descolada da realidade do país) e, pelo outro, apostar na capacidade de Temer e do novo governo de bloquear a Lava Jato”.
Cocco, em setembro passado, no IHU.
(Foto: Fernanda Forner | IHU)
Giuseppe Cocco é graduado em Ciência Política pela Université de Paris VIII e pela Università degli Studi di Padova; mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade pelo Conservatoire National des Arts et Métiers e em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne); doutor em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e editor das revistas Global Brasil, Lugar Comum e Multitudes. Coordena a coleção A Política no Império (Civilização Brasileira).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é o significado da prisão dos ex-governadores do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e Anthony Garotinho e como elas estão repercutindo no estado? As prisões já eram esperadas ou não?
Giuseppe Cocco – Em primeiro lugar, lembremos junho de 2013. Uma formidável mobilização democrática, em parte devida ao clima de abertura discursiva à democracia que reinava desde os governos FHC e Lula (já não se pode dizer a mesma coisa da Dilma), recebida como um estorvo, com espanto, ódio e pré-conceito pela casta política - a começar pelo PT - que estava em plena festa. "Como ousam nos contestar?", dizia a classe política. O PT e seus caciques diziam pior: são fascistas! Nada de se perguntar por que tudo isso chegava de modo imprevisto. A nomenklatura intelectual do PT (e da esquerda em geral, menos raras exceções) já tinha se alçado ao ranking de infalível. Se a realidade não corresponde aos discursos, o melhor será desacreditar a realidade. Mas junho foi um terremoto democrático sem precedente e ainda estamos dentro de suas consequências e desdobramentos.
As duas prisões têm um significado geral de que os poderosos intocáveis podem ir para a prisão e isso inquieta muita gente. É a quebra de um tabu. "Branco, rico e morador de bairro nobre" não vai para a prisão no Brasil. Político poderoso, ainda menos. Essas prisões não deixam de ser uma democratização. Paradoxal, mas real. Junho indicava um outro caminho, aquele da mobilização constituinte. Teria sido bem melhor que a democratização passasse pelo desmonte do sistema punitivo (e carcerário) que funciona como o principal dispositivo de regulação e massacre dos pobres. Mas o governo do PT não fez nada nesse sentido e achou por bem tornar-se não apenas mais uma peça do mesmo dispositivo do patrimonialismo, mas o mais novo e mais importante, e assim tratar com cinismo absoluto a questão moral, pensando que todo o mundo cairia nas mistificações de sua propaganda, e jogar ao mesmo tempo como vítima e comparsa do PMDB. Na medida em que a democratização pelo desmonte do sistema punitivo foi não apenas bloqueada, mas mistificada, ela vem pela democratização mesmo das cadeias. Não é aquela que desejamos, mas é aquela que vem aí e ainda não vimos nada do que pode vir.
É o que o justicialismo do PT cobrava com insistência quando era oposição e agora está temendo, jogando assim no lixo de sua defesa (da defesa do indefensável) décadas de lutas contra o punitivismo de um sistema neoescravagista que continua inteiro: os pobres no Brasil são governados pelo terror estatal e miliciano (os dois vão juntos) cada vez mais difuso e violento.
Ao mesmo tempo, as duas prisões não são iguais, porque se referem a duas operações diferentes. A prisão de Garotinho teve um impacto genérico (não me refiro ao desdobramento com as imagens de sua transferência do Hospital): por um lado tem o impacto simbólico de ser um ex-governador; pelo outro diz respeito ao modo como se manipulam as eleições, se constituem os feudos eleitorais, sobretudo nas zonas mais pobres. Mas a prisão de Cabral tem sim um impacto muito forte. Ela estava no ar, mas parecia impossível. Acabou acontecendo em um momento de grande conturbação social e econômica no Rio de Janeiro, com um verdadeiro "timing".
A prisão de Cabral era esperada e desejada desde junho de 2013. Lembremos o "ocupa Cabral", as manifestações e o gás lacrimogênio nas ruas e praias do Leblon. Multidões de moradores e trabalhadores da zona norte foram às passarelas da Avenida Brasil para aplaudir a passagem do ex-governador preso em direção à prisão de Bangu. Bombeiros e moradores fizeram um carnaval na entrada da prisão, imitando as grandes festas de Paris, com guardanapos na cabeça, tomando espumante e soltando fogos. A prisão de Cabral tem assim um sem número de significações. A prisão de Cabral se coloca, pois, como uma resposta ao clamor popular em relação ao fato de que o mesmo governo de coalizão do partido de Cabral, que quebrou o estado, agora está querendo impor um plano de austeridade violento, sem ter nenhuma legitimidade social e política para fazê-lo. Mesmo que por vias diferentes, está se afirmando aquilo que junho de 2013 já dizia durante as manifestações no Rio de Janeiro. Naquele momento, as manifestações de rua se unificavam na crítica ao governo de Sérgio Cabral e depois na crítica ao governo de Eduardo Paes.
Há ainda outra significação, aquela que joga por terra a narrativa petista - e o regime discursivo que levou (e leva) a esquerda em geral a se suicidar politicamente para defender o indefensável (ou seja, o fato de o governo do PT ter virado uma sucursal das grandes empreiteiras e, ainda por cima, ter quebrado a economia do país) - sobre o golpe e sobre a Lava Jato. O petismo dizia que a Lava Jato era seletiva, que significava um golpe de um juiz "tucano", unicamente contra o PT, contra a esquerda, contra o progressismo. Depois disseram que o impeachment era um "golpe". Mas agora, que a Lava Jato pega os homens fortes do PMDB fluminense (depois do Cunha, o Cabral), dizem que não respeita o Estado de Direito. Ou seja, as mentiras do marketing eleitoral estilo Santana se reproduzem sem ter fim - só aparecem pelo que são: mentiras. Não houve golpe, mas rearranjo interno ao consórcio de poder para, por um lado, o PT poder se colocar como vítima e evitar a perda total de credibilidade junto ao que sobra de sua base (paradoxalmente se trata tão somente da base universitária, totalmente descolada da realidade do país) e, pelo outro, apostar na capacidade de Temer e do novo governo de bloquear a Lava Jato. Por um lado, gritam que a PEC 241 determinaria o fim do mundo. Pelo outro, evitam cuidadosamente gritar "fora Calheiros" e realmente desestabilizar o governo que vai fazer passar a PEC 241 (e isso ainda sem lembrar que a responsabilidade política da austeridade por vir procede da autoritária e desastrosa gestão econômica de Dilma).
O fato é que o "povo", os pobres, comemoraram e comemoram a prisão de Cabral.
IHU On-Line – Então, dado que a Lava Jato chegou ao PMDB, essas teses caem por terra? Que outras teses contrárias à Lava Jato são postas em questão neste momento?
Giuseppe Cocco – Toda a narrativa do governismo já caiu por terra: é totalmente falsa. Isso já começou a acontecer com a prisão do próprio Cunha e com as eleições municipais. No primeiro turno, Freixo, no Rio de Janeiro, fez muito menos nessa eleição do que em 2012 e isso porque decidiu subir no palanque do governismo e gritar contra o golpe (que não houve). Da mesma forma, Crivella, que foi ministro e aliado do governo Dilma, acabou aparecendo como oposição. Mas não é apenas isso. Freixo ganhou em todos os bairros mais ricos e perdeu de lavada em todos os bairros mais pobres (com a exceção de Ipanema, onde quase empatou). Ora, o que dizia o governismo petista e universitário sobre os panelaços? Que eram as elites brancas que se levantavam contra o governo "popular", ao passo que os pobres não aderiam. Mas Freixo ganhou onde há elite branca, e a esquerda explica, só dessa vez, o voto dos pobres por causa das "milícias". Mas, por que então não ter explicado o silêncio dos pobres durante os panelaços da mesma maneira? Como explicar o clamor popular depois da prisão do grande aliado de Lula e do PT, o Cabral?! Mas não é só isso. Lembremos: o "golpe", além de parlamentar, era "midiático", da "Globo", até o Cunha o denunciou depois de sua cassação. Mas a Globo e até a Veja turbinaram a campanha do Freixo no segundo turno. Nada fica em pé do regime discursivo do PT e do ex-governismo. Mas ele continua, ladeira abaixo, numa bolha totalmente autocentrada e não mudará.
A outra grande novidade da prisão de Cabral é que a Lava Jato encontra, enfim, o tumulto democrático. Até hoje, as manifestações de apoio à Lava Jato e pelo impeachment eram ordeiras e atravessadas por discursos que misturavam a justa indignação com um horizonte conservador ou liberal. Entretanto, agora mudou. O impeachment aconteceu e a crise se aprofundou. Fica a cada dia mais explícito que o governo Temer quer juntar duas pontas: fazer um violento ajuste e bloquear (via a autoanistia do Caixa 2 no Congresso e a lei sobre abuso de autoridade) a Lava Jato. Ou seja, a classe política que quebrou a economia do país se junta para fazer os pobres e os trabalhadores pagarem a conta. E isso se torna particularmente agudo e explícito no Rio de Janeiro: não por acaso o Rio era a cidade-sede do Consórcio PT-PMDB e outros partidos auxiliares.
A Lava Jato, enquanto operação judiciária, não vai poder resolver. Mas é interessante ver que o juiz Moro, em decisão sobre a prisão de Cabral e outros integrantes do mesmo esquema, tenha explicitamente se referido ao paradoxo do colapso econômico do Rio de Janeiro, dizendo exatamente o que a esquerda deveria dizer: "Essa necessidade [da prisão] faz-se ainda mais presente diante da notória situação de ruína das contas públicas do Governo do Rio de Janeiro. Constituiria afronta permitir que os investigados persistissem fruindo em liberdade do produto milionário de seus crimes, inclusive com aquisição, mediante condutas de ocultação e dissimulação, de novo patrimônio, parte em bens de luxo, enquanto, por conta da gestão governamental aparentemente comprometida por corrupção e inépcia, impõe-se à população daquele estado tamanhos sacrifícios, com aumento de tributos, corte de salários e de investimentos públicos e sociais. Uma versão criminosa de governantes ricos e governados pobres".(1)
IHU On-Line - Que desdobramentos a prisão de Sérgio Cabral pode gerar na política carioca e que impactos pode ter no próprio governo estadual?
Giuseppe Cocco – Ainda há incerteza acerca dos impactos dessa prisão sobre o governo Pezão. Mas é evidente que o enfraquece ulteriormente. Mesmo antes, o Pezão não tinha legitimidade para impor o plano de austeridade. Isso aparece claramente, visto que a própria repressão das manifestações ficou complicada, pois os próprios policiais também ocuparam a Assembleia Legislativa (ALERJ). Depois, a tropa de choque ficou claramente dividida na hora de reprimir os manifestantes: os dois policiais que passaram para o lado dos manifestantes expressaram um sentimento generalizado. O comandante do Choque fez reunião pública e rolou debate sobre democracia e anarquia, no meio do fumo dos lacrimogênios.(2) Então, há uma crise do próprio funcionamento do Estado e isso pode se generalizar em nível nacional. Foi só depois da prisão de Cabral que os deputados da oposição conseguiram emplacar uma CPI da ALERJ sobre a farra dos subsídios fiscais que o governo concedeu.
IHU On-Line – Muitos que têm se posicionado contra a corrupção são chamados de moralistas. Esse discurso também pode cair por terra?
Giuseppe Cocco – Um dos discursos do PT e do mundo universitário é de mobilizar uma forte dose de cinismo para criticar o combate à corrupção como algo "moralista". É verdade, boa parte do apoio à luta contra a corrupção é hipócrita e moralista e se baseia na ideia de dizer que se trata de um desvio (moral) que a punição pode corrigir para que voltemos ao normal. O problema da sociedade seria a corrupção e não a exploração. Diz-se, assim, que se trata de um problema político e não judiciário.
Mas reduzir a Lava Jato e, mais em geral, a luta contra a corrupção a isso, é falso e mostra um cinismo descomunal por parte da tal de esquerda do PT que - pelo visto - engole qualquer coisa: por exemplo, Cabral, que desviou milhões até do PAC das favelas, das camadas da população que mais precisam de TUDO e onde vigora a lei do terror. A novidade da Lava Jato não está apenas num combate "pra valer" à corrupção, mas no fato de que ela conseguiu atacar as dimensões sistêmicas da corrupção e, portanto, não está “pegando” os "desvios", mas o modo de funcionamento da economia e do Estado, ou seja, o modo de reprodução do patrimonialismo mafioso e neocolonial.
O problema não é que Cabral e os demais envolvidos na coalizão “pegaram” dinheiro para fazer obras, o problema são as obras que fizeram e impuseram: o Arco Metropolitano, o Estádio do Maracanã, o Porto Maravilha, o teleférico do Alemão e da Providência, a COMPERJ etc. O problema é que, para roubar esse dinheiro, eles fizeram obras que teremos que pagar e que não têm nenhum retorno produtivo e, além do mais, aprofundam a desigualdade social e a segregação urbana. O Arco Metropolitano só é prioritário nas pranchetas do planejamento autoritário e oligárquico do Rio de Janeiro. O PAC do Alemão não foi feito para fazer urbanização, mas para fazer o teleférico - imagine que milhares de famílias removidas pelas obras agora perdem o aluguel social que na época foi usado para facilitar a saída de suas casas. O próprio Maracanã não serve para nada diante dos problemas de saneamento que o Rio de Janeiro enfrenta, a começar pelas favelas do entorno: a Mangueira, entre outras. O que interessa não é o desvio, mas o fato de ele ser o mecanismo de uma dinâmica de investimentos que é antidemocrática e que quebrou de vez a economia do estado do Rio de Janeiro. Então, não tem nada de moralismo nessa crítica à corrupção. Ao contrário, é uma crítica material. E o fato é que o PT virou uma peça interna que garantiu a reprodução do Estado patrimonialista, que usa a pressão fiscal para fazer investimentos que não fazem sentido.
E mais: a democracia no Brasil ainda não conseguiu resolver a questão dos "pobres". Os pobres são governados pelo terror miliciano tocado pelo Estado e um sistema prisional que os tortura. Como um sistema político que faz do sistema "2" seu motor principal pode enfrentar essa situação e tudo que ela significa na gestão dos serviços públicos fundamentais como a saúde e os transportes?
IHU On-Line – E como a prisão de Cabral pode repercutir no PMDB nacional? O PMDB pode virar a bola da vez da Lava Jato?
Giuseppe Cocco – O PMDB está virando a bola da vez. A questão é entre quem tem e quem não tem foro privilegiado, e o que está rolando no Congresso. A esquerda foi para o buraco por querer acompanhar essas narrativas falsas – especialmente a esquerda intelectual. Do mesmo modo, a esquerda universitária entrou nesse discurso de um golpe que não houve. A eleição municipal no Rio de Janeiro foi ocupada por uma força que era governista, mas tem a força popular do evangelismo. A esquerda está paralisada e totalmente hipnotizada por suas próprias narrativas falsas ou faz piadas sobre a moça que errou a bandeira durante a ocupação do Congresso pelo grupo que pedia intervenção militar. Ao contrário, a esquerda deveria ficar MUITO preocupada com isso: que quem está interpretando o sentimento popular e fazendo as coisas "justas" pode vir a ser uma NOVA direita, essa sim fascista: fascista não por ser de direita, mas por conseguir reconhecer a indignação de massa que fica no vazio e desviar sua mobilização em prol da ordem da dominação.
IHU On-Line - Dilma divulgou uma nota afirmando que Cabral nunca foi um aliado de seu governo. A prisão de Cabral pode causar um impacto ainda maior no PT?
Giuseppe Cocco – Alguém acredita nisso? A própria divulgação dessa nota foi um tiro no pé. O PT ficou falando que a Lava Jato era seletiva, mas quando a operação prendeu Cunha, o PT silenciou. O PT está tentando sem sucesso fazer esse discurso da PEC do fim do mundo. É óbvio que a PEC 241 é complicada, mas o que os petistas querem com esse discurso é dizer que o fim do PT é o fim do mundo. Haveria uma maneira de desestabilizar o governo Temer e a PEC, através do Fora Calheiros, mas o PT não toca nisso, porque estão juntos, inclusive, impondo a austeridade. O PT já acabou como força de esquerda. O problema é que não acabou a capacidade de o PT paralisar a esquerda como um todo e chantageá-la. Então, tem esse vazio que não se sabe por quem será ocupado: no Rio isso já se encontra em parte no voto em Crivella e, sobretudo, na abstenção (que foi maior do que os votos em Crivella).
IHU On-Line – Percebe algum tipo de rearticulação política após a prisão de Sérgio Cabral?
Giuseppe Cocco – Não estou vendo nenhum tipo de rearticulação, mas vejo que para sairmos do buraco em que a coalizão PT-PMDB nos colocou, deve-se ter uma nova configuração política. Por exemplo, falando idealmente, poderíamos pensar em novas eleições, para que o governo tenha legitimidade para tomar decisões, mas isso não é fácil, porque implicaria em agravar o nível de instabilidade por um período. Portanto, vamos depender do nível de mobilização democrática. Não há atalhos. Uma população massacrada como os pobres do Rio e do Brasil não pode aceitar sacrifícios sem um novo pacto, sem abertura democrática. Por exemplo: juntar, à força-tarefa da Lava Jato e seus desdobramentos, "n" forças-tarefas para esvaziar os presídios e abrir conferências da Paz em todos os territórios conflagrados, legalizar as drogas: tudo isso não é custo, é ganho.
IHU On-Line – O Congresso está discutindo o projeto de lei contra a corrupção e, entre os temas em debate, está a inclusão do tópico que prevê crime de responsabilidade para juízes, promotores e procuradores de Justiça, e a anistia de caixa dois eleitoral. Diante dessas discussões, diria que o governo Temer tem prometido a alguns políticos que evitaria que a Lava Jato chegasse a eles, desde que suas propostas sejam aprovadas no Congresso?
Giuseppe Cocco – O objetivo fundamental do governo Temer é esse, e o Rodrigo Maia também está negociando sua reeleição a partir disso. Pelo que se nota, há uma reorganização interna para enfrentar a Lava Jato, e a base para enfrentá-la é retomar a economia, mas isso não está acontecendo: apesar da boa vontade da mídia, a realidade da economia não acompanha a melhora das expectativas e continuamos indo ladeira abaixo.
Não adianta querer restabelecer a confiança na economia por meio de um governo fraco e com base na porrada; é preciso ter um novo pacto social. FHC conseguiu enfrentar a inflação dos anos 90 com o Plano Real e construindo um pacto neoliberal, mas um pacto. O Lula tinha uma base social enorme. Mas agora não, as medidas técnicas não têm apoio social e não conseguem desenhar um pacto.
A sabedoria popular já dizia que o Congresso havia sido eleito por meio da corrupção, e agora a Lava Jato está tornando isso oficial, transparente - uma Glasnost, diziam os soviéticos reformadores. Mas agora esse mesmo Congresso quer tornar a corrupção legal. Ele pode até conseguir, mas como a população vai aceitar os sacrifícios impostos pela crise a partir disso? Acho difícil. E isso não mexe apenas com a população em geral, mas com o aparelho repressivo do Estado. No Rio de Janeiro isso está ficando evidente, porque o Estado não está conseguindo ter o controle do aparelho repressivo.
Entre votar as proteções para a classe política diante da Lava Jato e impor um programa de austeridade à sociedade, há uma contradição, porque isso sequer vai gerar confiança nos que deveriam tomar as decisões de investimento. A confiança não vai voltar, porque a insegurança pode aumentar. O governo Temer foi uma tentativa de reorganização diante da paralisia do governo Dilma, e a reorganização interna foi uma salvação para o PT, porque, do contrário, ele iria desaparecer de maneira acelerada. Mas a paralisia do governo Temer também é uma possibilidade e isso pode começar a acontecer no Rio de Janeiro.
Notas do entrevistado:
2.- vide https://www.youtube.com/watch?v=kj6tSSrlfMU&feature=youtu.be
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A novidade da Lava Jato. Ataque ao modo de reprodução do patrimonialismo mafioso e neocolonial. Entrevista especial com Giuseppe Cocco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU