O PBF diminui a pobreza, mas não a desigualdade no Vale do Sinos

  • Segunda, 11 de Junho de 2012

Um dos temas recorrentes da realidade diz respeito à pobreza e seus enfrentamentos. Que análise pode ser feita dos índices e dos conceitos utilizados para caracterizar a pobreza? Quais as relações entre acréscimo de renda e superação das condições de pobreza? Aumento de poder de consumo necessariamente indica combate às desigualdades? O Programa Bolsa Família (PBF) tem sido uma medida eficaz para uma melhor distribuição de renda? Que outros fatores estariam relacionados a uma perspectiva de superação das desigualdades existentes no país?

O ObservaSinos em sua última análise semanal  (A configuração da pobreza no Vale do Sinos e seu debate) relacionou dados do Cadastro Único,  que focaliza a realidade da pobreza e sua caracterização no Vale do Sinos. É sob a baliza de tal indicador cadastral que se efetiva o Programa Bolsa Família, um dos principais programas do governo federal de transferência direta de renda e que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País. Tal programa faz parte do Plano Brasil Sem miséria e integrando algumas ações complementares (educação, saúde e assistência social), volta seu foco de atuação para 14 milhões de famílias no Brasil.

Tal programa integra o Plano Brasil Sem Miséria (BSM), que tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos.

Nesta semana convidamos o professor Aloísio Ruscheinsky, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos, a quem foram apresentados os dados publicados na última semana, para que nos ajudasse a visualizar melhor estas questão e debatê-la.

Sobre os conceitos utilizados: pobreza, miséria, linha da pobreza

Sobre a pobreza, afirma o professor: “prefiro entende-la como relacional e, enquanto tal, é um fenômeno a ser compreendido dentro da perspectiva comparativa, tendo sempre um contraponto de acumulação ou concentração de capital. A miséria pode também ser compreendida em diversos sentidos, seja como uma imperfeição humana advinda como resultado da moral humana ou da ausência de ética, seja como resultado decorrente do acesso desigual ao que é socialmente produzido. A noção de linha da pobreza surge em decorrência das tratativas de se estabelecer níveis de medição de bem-estar”.

Poderia então se perguntar se apenas o enfoque na renda, como referencial predominante para estabelecer uma linha de corte para os beneficiários do PBF, ou então, a adoção de uma linha que pudesse estar associada ao critério de (in)suficiência de ingressos para o acesso ao consumo, seria suficiente. Acesso ao consumo elementar ou à satisfação das necessidades básicas? Partindo desta consideração, Ruscheinsky analisa:

“A partir de uma visão mais abrangente que compreende a realidade como multifacetada e a múltipla causalidade o foco na renda é visivelmente insuficiente para caracterizar a questão social da pobreza. Entende-se que a pobreza é multidimensional onde a questão da renda é um dos componentes relevantes. Portanto, uma modalidade de averiguação multidimensional implica em uma complexidade, com adoção de vários critérios que são cruzados para identificar e caracterizar níveis de pobreza. De alguma forma os estrategistas do PBF já definiram [talvez na prática isto seja pouco visível] que são seis dimensões a abordar na aferição dos beneficiários: composição familiar, acesso ao conhecimento, ao trabalho, disponibilidade de recursos, desenvolvimento infantil e condições habitacionais”.

Sobre a eficácia do Programa Bolsa Família e suas ações complementares,
como política efetiva de superação e erradicação da fome e da miséria


Aloísio Ruscheinsky
analisa que duas questões precisam ser levadas em conta: “Em primeiro lugar, o fato de estabelecer condicionalidades ligadas ao acesso de políticas públicas significa que o seu efetivo acesso não é tido como universal e ao mesmo tempo parece pressupor que os principais resultados são esperados em longo prazo, com melhora dos níveis de escolaridade e saúde das atuais crianças e adolescentes. Em segundo lugar convém distinguir entre proteção social e promoção social. O PBF é de proteção social predominantemente e como tal não é uma política eficaz de promoção social ou para a superação e erradicação da pobreza e da miséria, se avaliarmos pelo aspecto da distribuição monetária. Contudo, pode e tem uma incidência no que diz respeito proteção social com a alteração dos níveis de consumo da população em pobreza extrema”.

No Vale do Sinos, a realidade dos indicadores revelam que o PBF incide mais na diminuição da pobreza do que no enfrentamento às desigualdades. Para Aloísio: “Os dados do Cadastro aponta que no Vale do Sinos a extrema pobreza cedeu em pequena porcentagem nos últimos anos, o que também aponta a fragilidade da transferência monetária como um fator isolado dos demais mecanismos que produzem a pobreza. Por isso. inclusive também se diferencia: o PBF atua de forma mais incisiva da diminuição da pobreza e bem menos no declínio das desigualdades”.

A relação entre renda agregada e exercícios ou concretização de direitos

Sobre este aspecto, argumenta o pesquisador que: “Pelo tempo de vigência e pelos anseios de seus genitores os resultados ainda são exíguos. Creio que se atribui demasiada expectativa a um programa social, embora seja importantíssimo recordar que o programa Fome Zero continha outras dimensões igualmente relevantes para o combate à fome e à pobreza, que têm sido omitidas, ocultadas e com parcial efetivação [reeducação alimentar, conselhos de segurança alimentar, banco de alimentos, etc]”. 

Não haveria, conforme o professor Aloísio, no Brasil, um único meio para uma tarefa histórica de tamanha magnitude. O caminho da superação da pobreza ou da miséria e o exercício da cidadania plena, dos direitos enfim, precisa ser dimensionado por um conjunto de fatores. Desta forma torna-se imperativo uma mudança de visão: “O mais usual é uma referencia ao crescimento econômico como condição de possibilidade e muito pouco, quando não uma expressa e explícita intensão de omitir que hoje  - do ponto de vista da capacidade de reposição do ecossistema ou da preservação da biodiversidade  - trata-se igualmente de redimensionar a divisão do bolo. Interrogar-nos sobre os mecanismos que possa realizar a tarefa hercúlea de redistribuição da riqueza já existente de tal forma que os muito ricos sejam menos prepotentes e tenham que ceder na corresponsabilidade da produção da pobreza”.

Trata-se, portanto de uma abordagem deficiente esta que imagina que superar a pobreza significa elevar o poder de consumo de 14 milhões de famílias brasileiras “desprovidas de determinadas mercadorias abarcadas pela obsolescência planejada”, analisa o professor. Inclusive a própria imagem e linguagem do PBF incorrem neste dilema. “A linguagem refere-se a beneficiários, selecionados de acordo com critérios administrativos, arrolados bem longe do cotidiano dos pobres”, considera Aloísio, e isso indica ainda “um caminho tortuoso para tentar relacionar benefícios do PBF com o exercício de direitos”.

Bolsa Família, renda e poder de consumo

Em tempos em que se torna candente o modelo de desenvolvimento orientado apenas pela demanda de consumo, em que se propugna uma reeducação alimentar, o combate ao desperdício, sobretudo nas relações entre a Vida humana e a Vida do Planeta, é no mínimo questionável focar uma política de superação das desigualdades apenas no aumento da capacidade de consumo. Nesta perspectiva argumenta Ruschenski que: “o incentivo ao consumo pelo atual governo brasileiro pouco se relaciona com metas de combate à pobreza. Em termos práticos, existe uma nítida e larga associação entre renda agregada e poder de consumo. Porém, a que poder e a que consumo se está em questão? Para uns a renda permite um consumo fastio ou tido como supérfluo que serve para fortalecer um sistema alicerçado nas desigualdades”.

No Vale do Sinos


Um olhar mais aproximado da realidade da pobreza na região do Vale do Sinos ,portanto, passa também pela observação de outros fatores. Neste sentido, Aloísio analisa que: “Por onde passa realmente a configuração da pobreza na região do Vale dos Sinos e os mecanismos de sua superação provavelmente é uma questão substantiva que o perfil do PBF não conseguirá responder quando se trata da população adulta nas contingencias da vulnerabilidade, da exclusão, do desemprego estrutural”.

Neste viés a política do PBF, como mecanismo ou instrumento de acúmulo do capital social para a inserção no mercado de trabalho, circulação de mercadorias e mesmo formação ou qualificação profissional, não teria concretude, ou “seria exigência demasiada atribuir tais objetivos” ao Programa. Para o professor, as visões e as políticas devem ser mais ampliadas em relação aos objetivos que se busca de superação das desigualdades e do combate à pobreza extrema. Ruscheinsky: “neste caso, os múltiplos mecanismos, políticas públicas, setores sociais, entre outros, têm corresponsabilidade, além do mais os sem renda não estão propriamente sem ocupação, pois, frequentemente passam muitas horas do dia em busca de sua subsistência. E se existe um desemprego estrutural quais as condições de possibilidade de um contingente tão elevado encontrar um lugar ao sol do mercado de trabalho formal?”

É sob a perspectiva desta visão ampla que o ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, busca o confronto entre  os indicadores sociais e a realidade concreta, potencializando um debate em vista de uma democracia participativa e de uma cidadania plena.