Após um ano de combate à pandemia do coronavírus, o setor da saúde, responsável por encarar de frente os casos graves da doença, passou por mudanças e adaptações, recebendo em geral maior atenção e investimento dos governos e da sociedade. Tais mudanças podem ser melhor vistas pelas variações dos números de respiradores, profissionais e leitos à disposição para enfrentar essa crise. A análise das ondas da pandemia desde fevereiro de 2020 até o momento atual é fundamental para o monitoramento e controle social da política e do sistema de saúde, que tem a responsabilidade precípua no atendimento à população brasileira.
Internações às vésperas da pandemia
Nos meses que antecederam a pandemia, em janeiro e fevereiro de 2020, houve 3.524 internações para tratamento referente a problemas no aparelho respiratório e circulatório na Região Metropolitana de Porto Alegre. Além desses, foram 354 internações para o tratamento de diabetes.
Outros dados a serem relacionados são as internações por gripe e dengue. No mesmo período houve 1.432 internações por gripe e 1.441 por dengue. Enquanto isso, nos meses de maio e junho de 2019, que é caracterizado pelo inverno no Sul, foram 2.372 internações por gripe e 2.391 por dengue, conforme dados do Ministério da Saúde.
Levando em conta o número de leitos hospitalares era de 10.873 - sendo 7.002 do Sistema Único de Saúde - SUS e 36% do total da rede privada às vésperas da pandemia. Se fossem mantidos os dados de internação de doenças crônicas iguais a janeiro e fevereiro de 2020, e as internações de dengue e gripe de maio e junho de 2019 seriam alcançados, no máximo, 40% de ocupação dos leitos.
Levando em conta o tempo de permanência das pessoas que procuraram atendimento para o tratamento da diabetes e das internações por problemas respiratórios chega a uma semana e as internações por aparelho circulatório pode chegar a duas semanas. Os casos de dengue são de menos de 5 dias e os de gripe chegam a 9 dias de internação para tratamento.
Aumento dos recursos físicos e humanos
Com o aumento exponencial de casos de Covid-19 a partir de março de 2020, tornam-se indispensáveis os equipamentos hospitalares. Em números totais, a Região Metropolitana de Porto Alegre passou de 1.664 respiradores em fevereiro de 2020 para 2.321 em fevereiro de 2021, uma variação de cerca de +39%. A capital estadual, Porto Alegre, observou uma variação de +29%, de 1.211 para 1.567 equipamentos. Guaíba, município vizinho, apresentou a maior variação percentual, de 500%.
A tendência em algumas cidades foi de aumentos significativos, chegando a números que dobraram ou até triplicaram. Em São Leopoldo o número de 24 passou para 48, ou seja, um aumento de 100%. Campo Bom elevou de 10 para 31, alcançando um aumento de 210%. Outros municípios bem melhor equipados anteriormente, obtiveram aumentos consideráveis, como Canoas, que passou de 99 para 129, um aumento de 30%) e Novo Hamburgo, que elevou de 106 para 158, correspondendo a 49% de aumento.
Os municípios que não apresentaram nenhuma variação no número de respiradores foram, em geral, aqueles de menor porte, como Triunfo, com 4 respiradores e São Jerônimo com 5 respiradores. Viamão, no entanto, apesar de ser um dos municípios grandes da Região Metropolitana de Porto Alegre, também não teve variação, permanecendo com 19 respiradores.
Importante referir que antes da pandemia, a Região Metropolitana de Porto Alegre possuía um dos menores números de respiradores por 100 mil habitantes nas mesorregiões mais populosas do Brasil: 35,2%. Este indicador fica abaixo de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Curitiba e Fortaleza.
Já o número total de trabalhadores da área da saúde cresceu de 74.094 para 87.009, uma variação de cerca de +17% de fevereiro de 2020 para fevereiro de 2021. Todas as cidades apresentaram resultados positivos na variação do número de profissionais, com exceção de Nova Santa Rita, passou de 177 para 154, -13% e São Sebastião do Caí, de 266 para 255, -4,1%.
São Jerônimo apresentou o maior aumento percentual, de quase 310%, de 143 para 586 profissionais. Algumas cidades de maior porte como Gravataí e Canoas obtiveram aumentos consideráveis, de 2.680 para 3.357 (+25%) e de 5.563 para 6.504 (+17%), respectivamente. Outras cidades maiores não apresentaram crescimentos significativos, como São Leopoldo, de 1.715 para 1.762, um aumento de 2,7%, Sapucaia do Sul de 1.763 para 1.819, um aumento de 3,2% e Viamão de 1.028 para 1.058, um aumento de 2,9%.
Ao todo existem 10.842 leitos na Região Metropolitana de Porto Alegre, sendo que 7.240 (66,8%) são do SUS e 3.602 (33,2%) são privados. Porto Alegre abriga uma grande parcela desse valor, totalizando 6.691 leitos, sendo 62,1% do SUS e 37,9% privados. Outros seis municípios contam apenas com leitos SUS, não existindo nenhum privado.
É importante ressaltar que as informações apresentadas acima possuem algumas limitações. Primeiro, os municípios podem demorar para atualizar os números, assim como acontece com os dados da Covid-19. Outra limitação é que os respiradores e leitos, por exemplo, sofrem oscilações de acordo com a demanda nas regiões do estado e do país.
Desigualdade salarial na saúde
A partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD do primeiro trimestre de 2020, é possível ter uma aproximação da realidade dos profissionais na saúde. Os dados da PNAD incluem os trabalhadores ligados indiretamente à saúde, como faxineiras e auxiliares de consultórios, por exemplo. A Região Metropolitana de Porto Alegre possuía 133,1 mil pessoas ocupando postos de trabalho na área da saúde. Aproximadamente, 77% desse total de trabalhadores da saúde são mulheres.
As atividades de atendimento hospitalar concentravam 50% dos profissionais da área da saúde. Pode-se perceber que na sua grande maioria a força de trabalho é feminina, 51%. A mesma situação acontece entre as ocupações analisadas, quase todas são compostas majoritariamente por mulheres. As ocupações com a maior presença de mulheres são de dentistas e nutricionistas. A menor presença de mulheres acontece entre médicos gerais, sendo que são ocupadas por 49%.
A faixa salarial de meio salário mínimo até 2 salários mínimos concentrava 40% do total de profissionais na área da saúde e apenas 1% recebe 20 salários mínimos ou mais. Embora sejam 77% na área da saúde, as mulheres não são maioria nas faixas salariais de maior remuneração, sendo os homens. Na faixa salarial acima de 20 salários mínimos, por exemplo, mais de 68% são homens que estão concentrados nesse estrato.
Os dados completos podem ser acessados aqui.
Leia mais
- Planos de saúde e o SUS. Uma relação predatória. Revista IHU On-Line, Nº 541
- Sistema público e universal de saúde – Aos 30 anos, o desafio de combater o desmonte do SUS. Revista IHU On-Line, Nº 526
- SUS por um fio. De sistema público e universal de saúde a simples negócio. Revista IHU On-Line, Nº 491
- Sistema Único de Saúde. Uma conquista brasileira. Revista IHU On-Line, Nº. 376
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