Antes da pandemia estávamos no sexto ano consecutivo de política de austeridade fiscal em nível nacional. Neste aspecto, as políticas foram bem sucedidas, pois atingiram os velados objetivos distributivos, ainda que, do ponto de vista da dinâmica econômica, o fracasso é inegável. O novo coronavírus encontrou um cenário de estagnação, com pouca variação no nível de emprego, ampliação das desigualdades e da pobreza, diminuição de investimentos públicos e privados e redução de salários e de direitos.
Após um ano e quatro meses de pandemia, é possível fazer uma análise mais minuciosa dos efeitos do novo coronavírus na Região Metropolitana de Porto Alegre. Os dados só confirmam que os mais pobres são o grupo de risco numa pandemia multifacetada. A renda per capita do trabalho dos domicílios 40% mais pobres diminuiu 35,8%. Com isso, cresceram os que vivem com R$ 275, um quarto do salário mínimo.
Eis a análise completa.
A desigualdade de renda começou a crescer na Região Metropolitana de Porto Alegre desde 2015. No entanto, com a pandemia, o período de maior discrepância aconteceu no terceiro trimestre do ano passado. Apesar da sinalização de redução nos trimestres posteriores, ainda assim, é maior do que registrado antes da pandemia. Se utilizar o Índice de Gini como uma das formas de mensurar a desigualdade de renda, pode-se dizer que a Região Metropolitana de Porto Alegre, é atualmente, a mais desigual da Região Sul.
O impacto da desigualdade pode ser vista na renda média per capita do trabalho nos domicílios, que diminuiu em R$ 113,58, passando a ser de R$ 1.391,02 na Região Metropolitana de Porto Alegre. A queda de 7,5% durante a pandemia ficou abaixo da média das demais regiões metropolitanas do Brasil. Se comparar com o desempenho de outras regiões, foi mais impactada que Florianópolis, bem como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Distrito Federal. As regiões metropolitanas de Teresina, Belém e Macapá também tiveram impacto menor.
A situação é pior quando analisada pela ótima de estratos de renda. A renda per capita do trabalho dos domicílios 40% mais pobres diminuiu 35,8%, de R$ 245,30 para R$ 157,40. Enquanto para os 10% mais ricos, a queda da renda foi de 9,3%. Comparativamente, a metrópole de Porto Alegre foi a quarta onde os mais pobres foram mais afetados. A situação só não foi pior que nas metrópoles do Rio de Janeiro, Salvador e Recife.
Você se imagina vivendo com menos de R$300?
Como reflexo do aumento da desigualdade e da queda da renda dos mais pobres, cresceu os domicílios que vivem com um quarto de salário mínimo. No primeiro trimestre de 2020, a Região Metropolitana de Porto Alegre possuía 21% domicílios que viviam com renda per capita do trabalho inferior a R$ 275. No primeiro trimestre de 2021, o número subiu para 27,4%. Isso significa que mais de um quarto dos domicílios vivem com um quarto de salário mínimo.
Na recente entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU, os professores Marcelo Ribeiro e André Salata analisaram o impacto de grande parte da população estar em condições e um nível de vida muito precários: “Os efeitos que essa situação gera na vida das pessoas são de diferentes aspectos: a capacidade de aprendizagem das crianças fica limitada por não terem uma alimentação adequada na medida em que a renda não é suficiente para poder garantir a subsistência das famílias; os trabalhadores não conseguem ter um nível de saúde adequado; os idosos ficam limitados na capacidade de realizarem uma boa fase de vida na velhice”, exemplificaram Ribeiro e Salata.
É assim que vive a maior parte das 211 famílias moradoras da Ocupação Steigleder, em São Leopoldo, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Como se não bastasse a falta de renda, a comunidade não tem acesso aos serviços públicos essenciais, como água potável, energia elétrica e, dificuldades de acesso à assistência social, saúde, moradia e educação.
A maioria das famílias que moram na Ocupação Steigleder sustenta-se trabalhando como catadores de resíduos, o que proporciona uma renda extremamente baixa e insuficiente para proporcionar o seu sustento. Algumas das famílias são beneficiárias do Programa Bolsa Família, que vem sofrendo cortes arbitrária e sistematicamente, deixando muitas delas sem renda.
Outros indicadores do aumento das desigualdades
Ao longo do primeiro semestre do ano, o ObservaSinos publicou uma série de artigos tratando da intensificação da pobreza, desigualdade e da precarização do mercado de trabalho. Um deles mostrou que desde 2012, quando a pesquisa sobre desalentados começou a ser realizada, as mulheres sempre foram a maioria na Região Metropolitana de Porto Alegre. Esta realidade, no primeiro ano da pandemia, ganhou números ainda maiores, houve um crescimento de 170,1% em relação ao ano de 2019. Enquanto isso, o aumento foi de 75,8% para os homens.
Outro artigo publicado recentemente apontou queda nos números de alunos matriculados, totalizando 24,3 mil a menos de 2019 para 2020. Isso pode apontar para o crescente desinteresse por parte dos jovens em estudar, assim como para as dificuldades de acesso ao ensino devido às desigualdades sociais presentes na sociedade brasileira, e para o impacto da pandemia da Covid-19 na vida e na realidade da população.
A queda no número de alunos matriculados pode ter reflexo nos 158,8 mil jovens entre 15 e 29 anos que não estudam e nem trabalham na Região Metropolitana de Porto Alegre. Os que deveriam estar no ensino médio representam mais de 10%, sendo 2 mil jovens de 16 e 17 e 15,5 mil com 18 anos que não estudam e nem trabalham.
Uma terceira publicação mostra que durante o primeiro ano da pandemia aumentou em 78% o número de pessoas com ensino superior incompleto e completo como trabalhadora doméstico. Inversamente, diminuiu o número de trabalhadores analfabetos e com ensino fundamental incompleto e completo. Não por acaso, aumentou a média de anos de escolaridade durante à pandemia da população ocupada na Região Metropolitana de Porto Alegre de 11,7 para 12,3 anos.
A pandemia é a causa do aumento das desigualdades?
Na palestra realizada pelo IHU no fim do ano passado, o economista Róber Iturriet ponderou que o aumento das desigualdades não é sintoma apenas da pandemia. Para ele, um dos principais responsáveis por essa situação vem das políticas implementadas pelos governos, com cortes na saúde, educação e assistência social. “O contexto macroeconômico influencia nessa situação: foram três reformas trabalhistas nos últimos anos com o objetivo claro de redução de salário e retirada de direitos trabalhistas. Essa precariedade impacta na desigualdade”, afirmou Iturriet.
É nessa mesma perspectiva que vai a reflexão do economista Sandro de Carvalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea. Em entrevista concedida ao IHU, ele explica que as crises causadas pela Covid-19 escancararam problemas que vinham ocorrendo e que poderiam ter tido um impacto menor sem os desmontes desse passado recente.
“Podemos acrescentar como prováveis causas da retomada da desigualdade a reforma trabalhista de 2017, que representou um aumento da precarização das relações de trabalho, e o persistente cenário de austeridade fiscal que restringe o gasto social com profundo impacto na desigualdade, visto que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD mostra que a desigualdade de todas as fontes de renda também está em ascensão”, destacou Carvalho.
Efeitos do Auxílio Emergencial
Ao analisar os dados do Auxílio Emergencial na PNAD, percebe-se o enorme peso do benefício para população mais pobre. Embora a Região Metropolitana de Porto Alegre tenha um dos menores percentuais que recebeu o Auxílio Emergencial de R$ 600 e R$ 1.200, o benefício representou 38,3% da renda média total dos domicílios e correspondeu para 24,4% dos domicílios metade ou mais da renda.
O benefício impactou na taxa de pobreza, que antes da pandemia era de 10,8% antes da pandemia na Região Metropolitana de Porto Alegre, percentual que se traduz em 406,8 mil pessoas. Se não fosse o Auxílio Emergencial, a taxa de pobreza teria chegado a 18,8%. Isto em números absolutos representa que o benefício evitou que 337,8 mil entrassem na linha de pobreza, que chegaria em 744,6 mil pessoas.
No Rio Grande do Sul, os domicílios beneficiados pelo Auxílio Emergencial tinham renda per capita de R$ 219,61 e a renda per capita média de R$ 74,54. Quando aplicado o valor do benefício de R$ 600 e R$ 1.200, a renda per capita média passou para R$ 251,61, um aumento de 237,5%.
Propostas de renda durante a pandemia
Em meio a esse cenário crescente a desigualdade, o ObservaSinos fez um levantamento do número de projetos de renda registrado no Tribunal Superior Eleitoral - TSE pelos candidatos a prefeito. Dos 34 prefeitos eleitos nas eleições de 2020, apenas 3 da Região Metropolitana de Porto Alegre apresentaram projetos de renda no plano de governo.
Uma delas é do prefeito reeleito de Esteio, Leonardo Pascoal - PP, outra proposta também partiu do prefeito reeleito de São Leopoldo, Ary Vanazzy - PT. A terceira proposta é do município de Canoas, do prefeito Jairo Jorge - PSD. Do Poder Legislativo da Região Metropolitana de Porto Alegre, a vereadora de Porto Alegre, Laura Sito - PT, foi uma das primeiras apresentar proposta de renda.
Para debater e apresentar essas propostas para a população, participaram do encontro “Projetos de renda de municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre” os quatros políticos que possuem propostas. A live fez parte do ciclo de debates “Renda e proteção social para a Região Metropolitana de Porto Alegre”.
No intuito de continuar ampliando o debate sobre as possibilidades de políticas e programas de renda, o ciclo de debates “Renda e proteção social para a Região Metropolitana de Porto Alegre” está com edital aberto para apresentação de experiências e de pesquisas em andamento que colaborem no desenvolvimento e na consolidação da temática do evento. O edital completo pode ser acessado aqui.
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