Em meio ao período de pandemia e isolamento social inúmeras são as mudanças de organização da vida social, econômica, política, cultural. Uma das preocupações em relação à ampliação da convivência familiar é a violência, especialmente em relação às mulheres. A partir dos dados da Secretaria de Segurança Pública constata-se a queda nos registros oficiais de violência contra mulher no Rio Grande do Sul no mês de abril em relação ao início do ano. Ainda assim, foram 113 ocorrências diariamente no estado, significando 5 situações de violência por hora.
O ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, analisou os dados para o Rio Grande do Sul e Região Metropolitana de Porto Alegre durante o período de pandemia da Covid-19.
Eis os números.
O estado do Rio Grande do Sul registrou 19.703 ocorrências de violência contra a mulher entre casos de ameaça, lesão corporal, estupro, feminicídio consumado e tentado, nos meses de janeiro a abril deste ano. Deste total, 11.849 das ocorrências estão relacionadas à ameaça, 7.188 são de lesão corporal, 528 estupros, 36 feminicídios consumados e 102 feminicídios tentados.
Em relação a março e abril, meses de isolamento social, observa-se uma queda nos registros de violência. Ainda assim, no mês de abril, em que o período de isolamento social foi completo para análise dos dados, houve 3.391 registros de violência. Isto equivale a, aproximadamente, 113 casos por dia no mês de abril, sendo 5 registros por hora no estado.
Infográfico: Registros de violência contra uma mulher no Rio Grande do Sul em 2020
Embora todos os registros tenham reduzido no período de isolamento social, sobretudo no mês de abril, podemos observar que os registros de feminicídio tentado seguem praticamente inalterados, quando comparado com os outros meses. No mês de janeiro e abril foram 10 casos e no mês de março, 11. Em relação ao mês de abril de 2019, houve aumento no número de registros de feminicídio tentado em 4 registros.
A Região Metropolitana de Porto Alegre, por conta do tamanho de sua população, concentrou 38,2% dos casos do Rio Grande do Sul até abril deste ano. Entre os cinco tipos de violência, foram contabilizadas 7.530 ocorrências entre janeiro e abril deste ano. A média de registros por dia no mês de abril foi de 43. Destaca-se que os registros de feminicídio consumando cresceram durante o isolamento social na Região Metropolitana de Porto Alegre. No mês de janeiro e fevereiro, foram registrados 3 casos, enquanto no mês de abril foram 6 notificações.
Infográfico: Registros de violência contra uma mulher no Região Metropolitana de Porto Alegre Rio em 2020
Isolamento social, mais controle e violência sobre a mulher
Os dados de violência contra mulher são bastante complexos. Sabe-se da subnotificação dos casos por inúmeros fatores. O período de isolamento social fez com que uma série de serviços públicos de acolhimento fossem restringidos. Outro elemento há ser considerado é a dificuldade de locomoção até uma delegacia, pois está havendo redução de transporte coletivo.
Questão abordada recentemente na Entrevista do Dia do IHU: “O problema é que agora, nessa situação de isolamento social, como é que ela vai sair de casa? [...] Como vai usar um telefone se aquele homem já controlava antes o uso que ela fazia do celular, do computador [...] e questionando: “ligou para quem? Tá mexendo no quê? Ligou para que pessoa?”. Essa forma de controle da qual, às vezes, a mulher podia escapar quando ele ia para o trabalho, por exemplo, isso acabou”, lembrou a professora Jacqueline Pitanguy.
Não são todas mulheres que possuem conhecimento sobre a delegacia de polícia on-line, assim como outros serviços criados neste período para a proteção das mulheres. Estas medidas que dependem da internet são limitadas, já que esta comunicação digital não é de acesso universal. Esta realidade foi evidenciada em relação ao auxílio emergencial, que não teve limites de acesso também por esta determinação. De acordo com a última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2,4 milhões de pessoas não possuíam acesso à internet em seus domicílios no Rio Grande do Sul. Além do mais, nem todos os casos de violência contra mulher podem ser registrados on-line.
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