Após seguidas quedas por mais de uma década, a fome voltou a crescer no Rio Grande do Sul. Os dados foram divulgados na quinta-feira (17/09), mostrando que 975,2 mil domicílios sofrem com algum tipo de insegurança alimentar. De 2004 para 2013, a insegurança alimentar diminuiu 35,7% no estado. Só que de 2013 para 2018, o cenário se reverteu, aumentando em 47,8%.
Esses foram alguns dos dados trazidos pela última Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF: Análise da Segurança Alimentar no Brasil do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, realizada entre junho de 2017 e julho de 2018. Para chegar aos atuais números, a pesquisa foi feita em quase 58 mil domicílios por todo o Brasil. Com essa metodologia, a POF contempla apenas moradores de domicílios permanentes, excluindo a população em situação de rua e em abrigos, por exemplo, o que deve apontar um cenário ainda pior.
Os dados mostram que a situação piorou no Rio Grande do Sul de 2013 para 2018. A porcentagem de famílias que vivem com algum grau de insegurança alimentar vinha diminuindo nas últimas décadas: eram 24,8% em 2004, 19,2% em 2009 e 15,9% em 2013. No período mais recente, em 2018, o percentual subiu para 23,5%.
De 2004 para 2013, a insegurança alimentar diminuiu 35,7% no Rio Grande do Sul. Só que de 2013 para 2018, o cenário se reverteu, aumentando em 47,8%. No total, são 975,2 mil domicílios gaúchos que sofrem com algum tipo de insegurança alimentar, sendo 696,2 mil domicílios com insegurança alimentar leve, 178,2 mil com insegurança alimentar moderada, e a insegurança alimentar grave é realidade para 101,9 mil domicílios.
O IBGE considera condição de segurança alimentar quando os moradores dos domicílios têm acesso pleno aos alimentos, seja tanto em quantidade suficiente como em qualidade adequada. Assim, o morador entrevistado não tem preocupação com relação ao acesso a alimentos hoje ou no futuro. Essa é a situação de 76,5% das casas gaúchas, atrás dos estados da Região Sul, Paraná (77,5%) e Santa Catarina (86,9%).
Como foi apresentado, a insegurança alimentar é dividida em três níveis: 1) leve; 2) moderada e; 3) grave.
A família que se preocupa com o que poder comer no futuro e que muitas vezes renuncia à qualidade pela quantidade da alimentação é considerada insegurança leve. Agora quando é preciso comer menos e passam a conviver com restrição quantitativa de alimentos, especialmente os moradores adultos, é considerado insegurança moderada. Por fim, a insegurança alimentar grave acontece nos domicílios onde a restrição atinge todos moradores, incluindo adultos e crianças.
Alguns fatores do aumento da insegurança alimentar
O mergulho do país e do estado na crise econômica, por diversos fatores internos e externos, impulsionado ainda mais pela política de austeridade fiscal no cenário nacional e estadual desde 2015, contribuiu para o aumento da insegurança alimentar. Foram fechados 166,8 mil postos de trabalho formal durante três longos anos (2015, 2016 e 2017), sendo criados apenas 34,5 mil posteriormente (2018 e 2019), que já foram derrubados pela pandemia, com 95 mil postos fechados em 2020.
A melhora no mercado de trabalho em 2018 e 2019 justifica-se pela contratação dos trabalhadores intermitentes, medida aprovada em 2017. Desde a implementação, o trabalho intermitente já responde por 36,3% das vagas criadas no estado, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED.
Na esteira da política de corte de gastos públicos, o programa Bolsa Família teve o número de famílias beneficiárias caindo justamente no período de aumento do desemprego, diminuindo em 108,8 mil, ou seja, uma queda de 25% de 2015 para 2019. Assim como a restrição de acesso aos benefícios previdenciários, como o seguro-desemprego. Ao mesmo tempo, no Rio Grande do Sul, o RS Mais Igual, programa de transferência de renda complementar ao Bolsa Família, foi sendo sucateado até a extinção pelo governo gaúcho a partir de 2015.
Desigualdade de renda do trabalho
Os dados de desigualdade no Rio Grande do Sul mostram que vinha caindo até a recessão, quando apresentou o valor de 0,4732, o menor da série histórica da PNAD. A partir de 2016 houve um aumento no índice, que até o final de 2018 sofreu pequenas variações, sendo interrompido pelo aumento drástico da concentração de renda no primeiro trimestre de 2019. O pior resultado apresentado foi no primeiro trimestre de 2020, quando o índice chegou a 0,5133, e houve uma leve queda no segundo trimestre.
Em relação à renda média do trabalho por estratos no estado, entre o período de 2015 e 2020, não houve um aumento na renda média para a população mais pobre do Rio Grande do Sul. O que pode ser observado é um aumento da renda média dos 10% mais ricos e principalmente do 1% mais rico até o primeiro trimestre de 2020.
Pobreza no Rio Grande do Sul
Cerca de 1,1 milhão de domicílios gaúchos têm a renda mensal domiciliar per capita de R$ 219,6 e renda per capita média de apenas R$ 74,5. Quando aplicado o valor do Auxílio Emergencial, a renda per capita média passou para R$ 251,6, um aumento de 237,5%. Ao todo, segundo o IBGE, 3,3 milhões de pessoas estão residindo em domicílios com beneficiados do Auxílio Emergencial no Rio Grande do Sul. Desse montante de pessoas, 43,1% dos domicílios possuem beneficiários que pertencem ao grupo mais pobre.
A insegurança alimentar deve se agravar mais, tendo em vista a redução do Auxílio Emergencial pela metade, aliado ao aumento dos principais itens da PNAD, o Auxílio Emergencial ajudou a população mais pobre do Rio Grande do Sul a ter aumento significativo de renda na pandemia e, com esse novo cenário posto, se forma uma equação difícil.
A redução do benefício impactará também a crônica crise das finanças públicas do Rio Grande do Sul, pois o recurso impacta também especialmente os setores de comércio e de serviços, que representam 74% das empresas e 70% dos postos de trabalho formais do estado. Para se ter uma noção da dimensão do impacto do Auxílio Emergencial, basta fazer a comparação com os R$ 673,7 milhões arrecadados no ano passado inteiro pelo Imposto sobre Herança e Doação - ITCDM, enquanto o Auxílio Emergencial de R$ 600 teve poder de injetar R$ 1,4 bilhão. É mais que o dobro da arrecadação do imposto.
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