Os cenários vividos em torno da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) promoveram novos e antigos debates sobre a Renda Básica Universal em todo o mundo. Esta tem sido reconhecida como possibilidade para o enfrentamento das desigualdades, que são crescentes, inclusive pela Organização das Nações Unidas - ONU.
A fim de contribuir com esta análise e debate, o Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos - ObservaSinos analisou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD referentes à renda e desigualdade no Rio Grande do Sul, Região Metropolitana de Porto Alegre e Porto Alegre, entre os anos de 2015 e 2020. Ao final da exposição dos dados e a partir de um esforço analítico acerca da economia política do Brasil recente, incluindo o contexto da pandemia do coronavírus, serão apresentadas considerações do professor Carlos Eduardo Santos Pinho.
Eis a análise.
Evolução da desigualdade no Rio Grande do Sul
A fim de contribuir com esta análise e debate, o ObservaSinos analisou os dados da PNAD referentes à renda e desigualdade no Rio Grande do Sul, Região Metropolitana de Porto Alegre e Porto Alegre, entre os anos de 2015 e 2020. Utilizaremos o índice de Gini para mensurar a desigualdade, sendo ele a medida mais popular para se calcular a desigualdade de concentração de renda em determinados grupos. O índice é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini, podendo variar entre 0 (perfeita igualdade) e 1 (totalmente desigual).
A desigualdade vinha caindo até o segundo trimestre de 2015, quando apresentou o valor de 0,4732, o menor da série histórica. A partir de 2016 houve um aumento no índice, que até o final de 2018 sofreu pequenas variações, sendo interrompido pelo aumento drástico da concentração de renda no primeiro trimestre de 2019. O pior resultado apresentado foi no primeiro trimestre de 2020, quando o índice chegou a 0,5133, e houve uma leve queda no segundo trimestre. A variação do índice em relação ao mesmo trimestre do ano anterior apresentou, entre o início de 2016 até o terceiro trimestre de 2017, um aumento ininterrupto, e somente no último trimestre de 2017 houve uma queda e desaceleração da desigualdade. O pior dado apresentado foi no segundo trimestre de 2020 em comparação a 2019, em que o índice variou 4,9%.
Infográfico: Índice de Gini no Rio Grande do Sul
Em relação à renda média do trabalho por estratos no estado, entre o período de 2015 e 2020, não houve um aumento na renda média para a população considerada de baixa renda. O que pode ser observado é um aumento da renda média dos 10% mais ricos e principalmente do 1% mais rico até o primeiro trimestre de 2020. Já entre a população dos 10% mais pobres a renda média varia entre 300 e 400 reais, tendo uma queda na sua renda no ano de 2019 e começo de 2020. O mesmo é possível observar para a população dos 20% mais pobres, em que a renda média caiu nos últimos trimestres.
A queda da renda média no segundo trimestre deste ano pode explicar a queda do valor do índice de Gini, pois o maior impacto na redução da renda média no estado foi entre as famílias com maior renda. Os 1% mais rico teve uma queda de 33% da sua renda média em relação ao primeiro trimestre, enquanto os 20% mais pobres tiveram uma queda de 4% e os 10% mais pobres uma queda de 20%.
Infográfico: Renda média por estratos no Rio Grande do Sul
Evolução da desigualdade na Região Metropolitana de Porto Alegre e em Porto Alegre
Na capital gaúcha entre 2015 e 2016 houve um aumento drástico na desigualdade, que cresceu em um ritmo acelerado, chegando no segundo trimestre de 2016 ao valor de 0,5519. A partir do terceiro trimestre de 2016 o índice teve pequenas variações até o início de 2019, quando há um aumento considerável. Porto Alegre teve o pior resultado no início de 2020, quando o índice chegou a 0,5819.
Infográfico: Índice de Gini em Porto Alegre
Na Região Metropolitana de Porto Alegre a desigualdade a partir do terceiro trimestre de 2015 apresentou um aumento que vai até o início de 2016, e logo depois sofre pequenas variações até o início de 2019, quando o índice teve seu pior resultado da série histórica. Já no segundo trimestre de 2019 houve uma queda, voltando a subir de forma significativa em 2020.
Infográfico: Índice de Gini na Região Metropolitana de Porto Alegre
O mesmo é possível observar na capital e Região Metropolitana de Porto Alegre, com o aumento considerável da renda média dos 10% e 1% mais ricos até o começo do ano e uma queda na renda de toda população no segundo trimestre do ano. Na capital a queda da renda média foi de 25% para a população dos 10% mais pobres, 24% para os 20% mais pobres e 14% para os 50% mais pobres. Já na Região Metropolitana de Porto Alegre a queda na renda média das famílias consideradas 10% mais pobres foi de 38%, enquanto os 50% mais pobres tiveram uma queda de 32%.
Infográfico: Renda média por estratos na Região Metropolitana de Porto Alegre
Os impactos do Auxílio Emergencial no Rio Grande do Sul e na Região Metropolitana de Porto Alegre
A PNAD também demonstra os impactos positivos do Auxílio Emergencial para a população mais pobre do estado. Cerca de 1,1 milhão de domicílios tiveram a renda mensal domiciliar per capita de apenas R$ 219,61 no estado. Dentre estes, pouco mais de 381,5 mil domicílios não receberam. Ou seja, 66,4% dos domicílios da população em situação de maior vulnerabilidade recebeu Auxílio Emergencial no mês de junho no Rio Grande do Sul. Em números absolutos, foram 753,8 mil pessoas residindo em domicílios beneficiadas, onde a renda per capita era de R$ 219,61 e a renda per capita média de apenas R$ 74,54. Quando aplicado o valor do Auxílio Emergencial, a renda per capita média passou para R$ 251,61, um aumento de 237,5%.
Ao todo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 3,3 milhões de pessoas estão residindo em domicílios com beneficiados do Auxílio Emergencial no Rio Grande do Sul. Desse montante de pessoas, 43,1% dos domicílios possuem beneficiários que pertencem ao grupo com os menores rendimentos. De acordo com os dados da PNAD, embora tenha diminuido a renda do trabalho dos mais pobres na pandemia, o somatório de todos os rendimentos desse estrato segue maior do que antes no Rio Grande do Sul. Tal resultado deve-se ao Auxílio Emegerencial.
Na Região Metropolitana de Porto Alegre, somente no mês de maio foram mais de 1 milhão de beneficiários, segundo o Ministério da Cidadania, representando 23,7% da população. Sabe-se que este recurso também impacta especialmente os setores de comércio e de serviços que, segundo a Relação Anual de Informações Sociais - RAIS, representam 81,2% das empresas e 77,5% dos postos de trabalho formais da Região Metropolitana de Porto Alegre, com o poder de injetar R$ 698,1 milhões ao mês na economia da metrópole.
No Brasil, ao longo das últimas semanas, a discussão deu-se especialmente sobre os impactos do Auxílio Emergencial implementado nos últimos meses e as perspectivas de criação do Renda Brasil, que diz respeito ao projeto de transferência de renda apresentado pelo Governo Federal para substituição do Bolsa Família, do abono salarial, do seguro-defeso (pescadores), do salário família e do Farmácia Popular. De viés fortemente liberal, se essa política for efetivamente implementada em nome de uma falaciosa “universalização”, abre-se o caminho para a completa desestruturação das políticas públicas e dos direitos sociais de cidadania conquistados historicamente.
Cabe apontar que o país já sofre com a Emenda Constitucional 95 de 2016 (teto de gastos públicos), que, ao criminalizar a política fiscal anticíclica como instrumento de enfrentamento às crises econômicas, vem efetuando cortes drásticos em saúde, educação e no investimento em infraestrutura para o pagamento de juros da dívida pública ao sistema financeiro rentista e não produtivo.
Acesse aqui a análise dos dados pelo professor Carlos Eduardo Santos Pinho.
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