31 Março 2016
"Somente mediante uma coesa, forte e intensa pressão/participação popular poderá nos colocar diante de um novo paradigma de desenvolvimento. Esse precisa estar amparado numa ampla conscientização social e ecológica, enfatizando o fato de que a celebração da vida está em perigo e, por isso, mudar de rota é imprescindível", alerta Marcus Eduardo de Oliveira, economista e ativista ambiental.
Eis o artigo.
Insurgir-se contra o modelo de crescimento econômico dominante e, de igual modo, contra a noção de progresso baseada no sufocante consumismo desenfreado, uma vez que isso tem permitido elevar o grau de degradação/depleção ambiental, é o premente desafio a ser enfrentado pela humanidade nos dias que correm.
Desafio esse que se amplifica à medida que, forçosamente, isso leva à humanidade a reconhecer e admitir seus erros para a necessária mudança de rota, igualmente mudando o curso dos acontecimentos, adotando, a partir de então, o mais elementar dos princípios basilares: cuidar da Casa Comum, esse planeta que acolhe a todos.
Abandonar, pois, esse atual modelo de economia linear global (extrai, produz, consome, descarta) que, além de favorecer os mecanismos de mercado (produção e consumo), ainda age no sentido de aumentar a pressão sobre o meio ambiente (extração de recursos, poluição e descarte pós produção), implica, todavia, discutir em paralelo a elaboração de um novo paradigma de desenvolvimento, suplantando o atual de crescimento, reconhecido fator de dilapidação das riquezas naturais e de empobrecimento – pela acentuada diminuição - do patrimônio ecológico.
Dito de outra maneira, o caminho a seguir passa, primeiramente, por encontrar – e dar - um novo sentido e objetivo à economia (enquanto atividade de produção), afastando-a do modo atual de produzir sem cessar, para consumir cada vez mais, aumentando na mesma proporção a produção incessante de bens, consagrando assim, aos olhos do mercado e dos ditames mercadológicos (vendas, circulação e maximização de lucros), a própria noção implícita ao crescimento econômico, cujo “oxigênio” responsável pela sua sobrevivência é justamente o consumismo voraz.
Por isso esse novo sentido a ser dado à economia precisa resgatar, acima de tudo, a necessidade da proteção/conservação ambiental, reincorporando os vínculos de comunhão social, conciliando necessidades de produção industrial com políticas sociais pensadas unicamente na prática do bem comum.
Entretanto, isso somente será possível se a economia for colocada à serviço da vida, especialmente da vida humana, como bem destaca uma das mais relevantes passagens (158) da encíclica ecológica (Laudato Sí' – Louvado Sejas), do Papa Francisco.
Contudo, é preciso ponderar que qualquer tentativa de mudança exige, antecipadamente, ação e participação coletivas, uma vez que tudo, absolutamente tudo está interligado e é interdependente. Porém, diante da inação e do pouco – para não dizer nenhum - interesse dos governos, mesclado a interesses maiores daqueles que compõem a cúpula do poder mundial, não se deve esperar iniciativas no sentido da mudança que não sejam exclusivamente as que emergirem dos povos.
Somente mediante uma coesa, forte e intensa pressão/participação popular poderá nos colocar diante de um novo paradigma de desenvolvimento. Esse precisa estar amparado numa ampla conscientização social e ecológica, enfatizando o fato de que a celebração da vida está em perigo e, por isso, mudar de rota é imprescindível.
Por sua vez, esse conjunto de ação/participação obrigatoriamente deve ser concebido sob uma perspectiva diferente da atual: organizando toda a economia para prestar serviços aos povos, e não colocando a comunidade, como tem sido prática comum, para servir à economia.
Para isso, tomando parte dos argumentos centrais desenvolvidos na Carta da Terra, e explorando um pouco mais outras importantes passagens da mencionada encíclica socioambiental, cabe resgatar, nesse pormenor, o que segue: “A Carta da Terra convida-nos, a todos, a começar de novo, deixando para trás uma etapa de autodestruição, mas ainda não desenvolvemos uma consciência universal que torne isso possível. Por isso, atrevo-me a propor de novo aquele considerável desafio: como nunca antes na história, o destino comum obriga-nos a procurar um novo início [...] Que o nosso seja um tempo que se recorde pelo despertar de uma nova reverência perante a vida, pela firme resolução de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela jubilosa celebração da vida” (207, encíclica Laudato Si).
Concluindo, ressalta-se que um tipo diferenciado de economia social e humana, centrado em princípios de respeito à biosfera, portanto, longe da dinâmica capitalista-consumista, somente terá credibilidade se o sentido que dermos à economia estiver pautado na dupla finalidade de assegurar concomitantemente qualidade de vida e justiça social aos povos.
O pano de fundo, ademais, nos parece ser um só: assegurar proteção/cuidado à Casa Comum, à nossa Terra, morada dos humanos e de inúmeras formas de vida, para que assim a própria dinâmica da economia possa igualmente ser assegurada, a partir do uso irrevogável que faz da natureza, base e suporte do processo produtivo.
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O sentido da economia (IHU/Adital) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU