27 Fevereiro 2016
Para o bispo Rudolf Voderholzer, a liberdade do ensinamento teológico tem limites. Todavia, não de maneira ameaçadora. “Onde interveio, nos últimos anos, o magistério da Igreja?”, pergunta o bispo de Regensburg num artigo no jornal católico “Die Tagespost”. Sente falta de atenção para o direito do magistério episcopal, “por autoridade apostólica, de poder e dever vigiar e ver se um determinado ensinamento teológico corresponde ao ensinamento da Escritura e da Tradição”. Ele sustenta: “A liberdade do ensinamento teológico é limitada pelas diretrizes que são postas a todo estudo teológico: a essas o teólogo e a teóloga, mas também o bispo devem permanecer fiéis”.
Enquanto os teólogos se sentem presos ao controle, o bispo teme precisamente “a abolição do cristianismo”. O seu conceito de revelação poderia ser lido como um convite ao pluralismo religioso e ao abandono de toda reivindicação de verdade. Para os teólogos valeria somente o critério prático de uma “humanidade” como ainda, de qualquer modo, para entender e fundamentar. O bispo assegura empenhar-se com paixão para que continuem a existir faculdades teológicas.
A reflexão é dos teólogos Eberhard Schockenhoff e Magnus Striet, publicada por Christ und Welt, 06-02-2016. A tradução é de Benno Dischinger.
“Mas eu espero também da teologia que ela seja realmente teologia”
A isto responde Eberhard Schockenhoff, professor de teologia moral em Friburgo e, desde 2001, membro do Conselho Alemão de Ética: o pressuposto para que a teologia seja levada a sério do lado de fora da Igreja é ser reconhecida no seu interior. Para a própria Igreja é insubstituível o serviço oferecido pelo estudo científico independente de uma teologia que pode trabalhar sem influências estranhas na escolha dos problemas a levantar, no uso dos métodos e na sustentação dos resultados de sua pesquisa.
Em sua muito interessante intervenção ante estudiosos e estudantes, em Köln,, o Papa João Paulo II reconheceu inequivocavelmente a liberdade da pesquisa teológica: “A Igreja deseja uma pesquisa teológica autônoma, que não se identifica com o magistério eclesiástico, mas que se sabe empenhada diante dela no com um serviço à verdade da fé e ao Povo de Deus”.
Já que com frequência teoria e práxis não coincidem, acrescentou imediatamente “não se exclui que nasçam tensões e também conflitos”. Tensões e conflitos que, no entanto, embora se apresentem inevitavelmente, não devem ser adossados unilateralmente ao estudo científico da teologia ou ser explicados como consequência de sua presumida falta de lealdade perante o magistério ou pela colocação em discussão de sua autoridade.
A concordância com as indicações da Escritura e da Traição – que é requerida – não significa de modo algum que a Escritura e a Tradição só sejam acessíveis à Teologia se esta se adequa às indicações do magistério. A epistemologia teológica parte hoje de um modelo de diversas instâncias de atestação da Palavra de Deus na Igreja, que interagem reciprocamente, mas que respeitam sua específica função autonomamente. Nenhuma destas instâncias de atestação – a Escritura, a Tradição, o sensus fidelium, o magistério e o estudo científico da teologia – pode substituir uma das outras ou assumir a tarefa de outras na própria regia. Ao invés disso, é requerido a todos o respeito recíproco e a disponibilidade à subordinação na tarefa comum de reforçar a fé.
Esta diferenciação, que insiste na independência da teologia diante do magistério eclesiástico e da específica impostação diversa das tarefas de ambos, é transcurada no modelo tradicional da delegação que há tempo tem definido a teologia escolástica de Roma. Em consequência disto, a tarefa da teologia se limita a mostrar, a seguir, como as verdades de fé apresentadas pelo magistério dos bispos e do Papa estão contidas nas fontes da revelação. Neste modelo, à teologia não cabe alguma “tarefa de guardiã”, através da qual poderia identificar as derivas desta fé e mostrar novas vias para um modo de entender a fé, adaptadas aos tempos.
A referência aos nomes de grandes teólogos que a seguir foram nomeados bispos e cardeais - Henri de Lubac, Yves Congar, Alois Grillmeier, Walter Kasper ou Avery Dulles – é a este propósito absolutamente instrutivo. Porque nenhum deles concebeu a própria função como teólogo da transmissão do magistério desta maneira minimalista. Viam antes a sua vocação futura num alto magistério eclesial como confirmação do modo fortemente independente, segundo o qual haviam agido antes enquanto ensinantes públicos de teologia, intérpretes da fé e de sua verdade.
O reconhecimento tardio de suas trabalhos intelectuais não deve fazer esquecer que, antes, muitos deles caíram em conflito com o magistério da Igreja e que, de certo modo, foram vexados por proibições de ensinar ou escrever.
Na Igreja, para os teólogos ou as teólogas continua sendo uma deplorável carência de segurança do direito. Ainda pouco tempo faz, a jovens pesquisadores e pesquisadoras foi impedido o acesso a cátedras teológicas porque haviam debatido abertamente sobre os motivos da vasta não recensão das indicações magisteriais sobre a ética sexual.
Um olhar retrospectivo à história da teologia prova quão importante seja para a Igreja uma teologia independente, livre e crítica. No século XIX forneceram o melhor serviço à Igreja e à sua fé aberta ao futuro aqueles teólogos que no seu tempo, pela sua franqueza e por sua independência intelectual, se tornaram suspeitos a muitos que se consideravam pessoalmente ortodoxos.
Teólogos e filósofos cristãos como Antonio Rosmini, John Henry Newman, Friedrich von Hügel e Johann Baptist Hirscher, foram precursores da fé e puderam indicar à Igreja, com as reformas que solicitavam, a via para o futuro. Ao invés, aqueles que os submeteram a censuras magisteriais e levaram a Igreja a um gueto, infligiram a ela graves danos.
Seria presuntuoso se todos aqueles que se exprimiram criticamente sobre o celibato, sobre a ordenação das mulheres ou sobre os escândalos da Igreja quisessem comparar-se àquelas grandes figuras da história da teologia que, como precursores da teologia moderna, tiveram depois geral reconhecimento. Todavia, as teólogas e os teólogos deveriam ter presente a conduta intelectual fundamental com a qual aqueles estudiosos desenvolveram então a sua missão em lealdade à Igreja.
Como em outras disciplinas, também na teologia são ditas coisas presunçosas ou insensatas, das quais ninguém teria sentido a falta, se não tivessem sido expressas. Mas, semelhantes declarações aventadas não necessitam de alguma intervenção do magistério no processo da discussão científica, porque são corrigidas precisamente na discussão.
Além disso, o magistério não deve presumir a priori que por trás de toda posição crítica referente a afirmações particulares suas esteja uma conduta arrogante e não disponível a inserir-se na comunidade de fé da Igreja. É um requisito de honestidade intelectual, à qual cada um é tido na Igreja, aquele de não contentar-se com respostas insuficientes e de remover problemas não resolvidos. Por isso, precisamente o opor-se à proibição de falar de problemas não resolvidos pode reentrar entre os serviços da teologia à comunidade de fé da Igreja.
Absolutamente não está em contraste com a lealdade que é requerida ante o magistério eclesial solicitar os motivos pelos quais ensinamentos específicos referentes à vida dos fiéis (por exemplo, sobre a regulação artificial dos nascimentos, sobre a união de pessoas do mesmo sexo ou sobre a admissão dos divorciados novamente casados aos sacramentos) não sejam amplamente recebidos pelo povo de Deus.
O magistério faz a si mesmo um mau serviço se interpreta as dúvidas dos fiéis e o testemunho de sua experiência de vida em contraste com as suas indicações como um sinal de desobediência. Os problemas não resolvidos não desaparecem, continuando a não tomá-lo em conta ou remetendo a uma decisão do magistério tomada a priori.
Se nestes casos o estudo científico da teologia intervém para solicitar e propor um desenvolvimento ulterior da doutrina da Igreja, este pode ser incômodo; em longo prazo, no entanto, demonstra ser um serviço indispensável para a fé do povo de Deus, e pode liberar o caminho de inúteis pedras de tropeço. O estudioso de teologia fundamental Magnus Striet é professor na universidade de Friburgo na Brisgóvia e responde assim a Voderholzer: a Igreja católica até suas periferias chegou à época moderna caracterizada pela liberdade.
Até membros da Fraternidade São Pio X, que refutam absolutamente o Concílio Vaticano II porque elude a autoridade absoluta do Papa e concede liberdade de consciência sobre a liberdade de religião, etc., se veem entrementes legitimados a usar a razão e até a criticar o Papa.
Mas, há quem preferiria anular de novo a modernidade, o seu pluralismo, os direitos concedidos a todos em sociedades abertas, etc. Quem, na sua experiência religiosa pessoal, não se limita a fazer sacrifícios cotidianos para uma espiritualidade narcisista (do estar bem consigo mesmo), une o seu ser católico ao empenho social e às vezes também político e se reconecta ao Concílio Vaticano II. Trata-se, portanto, de justiça e de liberdade, e também a teologia quer liberdade. Como poderia, de outro modo, realizar-se enquanto ciência?
Ao bispo de Regensburg, Rudolf Voderholzer, avalia que que tenha sido concedido demasiado espaço à liberdade. Com decisão ele insiste no seu artigo sobre a responsabilidade que o Concílio impõe a um bispo – ele se refere à “Lumen gentium” 24-27. Diz que o bispo promete, em sua consagração, defender o depósito da fé que lhe foi transmitido e que por isso deve responder por ele com sua vida. E pergunta: “Onde ou diante de quem um teólogo ou uma teóloga deve responder pelas hipóteses que formula?” Para o bispo a resposta é clara: “A teologia desenvolve sua tarefa na reflexão sobre a fé e na base do conteúdo de fé apresentado pelo magistério”.
Como modelos de vida de teólogos são nomeados os ex-professores de teologia Joseph Ratzinger e Gottlieb Söhngen, este último professor de teologia de Ratzinger. De Söhngen até se diz que tenha sido, por motivos de tradição histórica, contra a dogmatização da ascensão corporal de Maria ao céu, mas que tenha declarado em precedência que, caso se tivesse chegado a declará-la um dogma, se teria inclinado à “sabedoria da Igreja” e a sua “fé”. Porque vai além da “sapiência de um pequeno professor”.
Não se deveram expressar precipitosos juízos morais, cada um é filho de seu tempo. Mas o bispo Voderholzer deveria saber que tal conduta de obediência correspondia plenamente ao espírito daquele tempo e não era nada de especial. No andar contra o subjetivismo dos novos tempos, eram da mesma opinião praticamente todos aqueles que provinham do ambiente católico. E também aqueles que dele se tinham destacado, como Martin Heidegger. Mas esta é uma questão de amplo alcance.
Gostaria de expressar claramente o meu acordo com o bispo Voderholzer, sobretudo sobre um ponto: se a teologia quer ser teologia cristã, então ela tem o seu centro no hebreu de Nazaré, aquele que a fé transmitida por gerações reconhece como o Cristo, o Filho de Deus. Caso contrário, a teologia se torna uma filosofia da religião ou um estudo da cultura.
E é também verdade que a teologia deve fazer-se um determinado conceito de Deus, que tenha realmente conteúdo. Então a teologia se torna uma ciência que apresenta um saber orientador e normativo, ou se dissolve. Precisamente porque ela, considerada do ponto de vista histórico, quis isto, ela representa, todavia, também uma contínua história de conflitos. Algumas posições têm sido reconhecidas e outras têm sido eliminadas. Tem sido mantidos em parte modelos de pensamento diversos, por exemplo, na doutrina da Trindade, sem que sobre ela jamais fosse tomada uma decisão e isto, embora elas não sejam simplesmente sintetizáveis.
As controvérsias sobre a graça jamais foram resolvidas pelo magistério. Enquanto uns veem tudo como obra de Deus, outros, embora remetendo ao primado da graça, afirmam simultaneamente que o homem deva pelo menos dizer sim. O debate teológico, conduzido intelectualmente de maneira exigente, pode ser produtivo. E de onde tira de fato o magistério episcopal as suas noções se não da discussão teológica? Tanto melhor quando se pode discutir conjuntamente em nível de teologia acadêmica. Mas, estabelecer a teologia acadêmica somente como reflexão da fé na base do conteúdo de fé apresentado pelo magistério, o magistério não pode querê-lo por motivos históricos. E isso não é privado de erros.
A condenação do direito à liberdade da parte dos Papas do século XIX deveria permanecer profundamente inscrita na memória dos bispos. E é preciso recordar também o anti-hebraísmo teológico. Quem pensa historicamente, deveria convidar a teologia a exprimir-se de maneira corajosamente crítica. Contestar-lhe a necessária humildade ou o “sentire cum ecclesia” só demonstra um carente sentido da história. E não se deveria esquecer que nem tudo aquilo que na Igreja existe como verdade de fé ou também simplesmente como norma, tenha realmente a mesma importância.
Para poder trabalhar, a teologia científica precisa de liberdade. Então, ou ela lhe é concedida, ou então também se lhe pode tolhê-la sucessivamente. Se textos como “Humanae Vitae” nas décadas passadas não tem sido postos em discussão, é porque se temiam sanções, e estas foram infligidas. Todo o âmbito da vida e da sexualidade era terreno teologicamente contaminado. Não era (e não é?) útil praticar a parresìa, quando se tratava de decidir sobre a idoneidade a cargo de bispo. Mas, o povo de Deus não podia esperar que mudassem as “condições meteorológicas”, tomou-se a liberdade faz tempo, as declarações do magistério já não são mais sequer reconhecidas ou tomadas em consideração. No povo de Deus se vive a liberdade de fé.
O bispo Voderholzer pergunta por que, na declaração final do congresso, não é enfrentado o tema atual da perseguição dos cristãos.
Não conheço nenhum fiel ou teólogo que não seja profundamente golpeado pela “subtração” da liberdade de religião na Coréia do Norte e em outras sociedades do planeta.
Qualquer um que sabe o que é um coração de carne é profundamente golpeado pelo fato de que muitas pessoas sejam aterrorizadas por causa de sua convicção religiosa. Se a declaração final não considera expressamente este tema, posso presumir que o motivo seja de que não se pode falar sempre de tudo.
Mas, se o bispo Voderholzer logo após ter falado da brutal opressão exercida em total desprezo do gênero humano contra a liberdade religiosa e outras liberdades na Coréia do Norte, reclama que a declaração final não tenha se expressado sobre o tema e depois presume que o tema da liberdade de fé seja relacionado a questões como a doutrina matrimonial, em referência à qual sente a requisição de “liberalização” e a encara como escárnio de todos aqueles que, como João Batista e Tomas Moro “precisamente também pelo ideal de um matrimônio cristão têm aceitado o martírio", eu auspicio uma capacidade mais serena e fundamentada que saiba academicamente os problemas”.
No jornal Tagespost tais referências até podem convencer. Mas numa sociedade baseada sobre o conhecimento elas só fazem com que se sacuda a cabeça. Se a teologia se apresentar dessa forma no sistema do saber público, numa universidade estatal, isto implicará na sua imediata exclusão da academia.
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A teologia quer liberdade. A liberdade do ensinamento teológico em debate - Instituto Humanitas Unisinos - IHU