22 Outubro 2015
O padre Eberhard Schockenhoff, ex-assistente de Walter Kasper em Tübingen nos anos 1980, teólogo moralista da Universidade de Friburgo com um grande número de seguidores na Alemanha e muito ouvido pela cúpula da Conferência Episcopal local, no simpósio a portas fechadas de meses atrás realizado na Universidade Gregoriana de Roma tinha desejado "uma evolução da doutrina eclesiástica do matrimônio".
A reportagem é de Matteo Matzuzzi e Giovanni Boggero, publicada no jornal Il Foglio, 20-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Hoje, em pleno Sínodo dos bispos sobre a família, que trata abundantemente de matrimônio e sacramentos, confirma ao jornal Il Foglio a sua suposição: "O matrimônio de hoje, que, segundo a ideia central do Concílio Vaticano II, encontra o seu sentido no amor conjugal, não tem mais muito em comum com as formas de matrimônio anteriores, que eram, mais do que qualquer outra coisa, comunidades de produção e de abastecimento". Considere-se que, acrescenta, "não se encontra menção ao conceito de amor nos contratos matrimoniais que remontam a antes do século XIX".
O problema, porém, é muito mais amplo: "Por muito tempo, a teologia moral católica defendeu que a natureza humana pode ser descrita com base em categorias metafísicas, como se fosse um ser imutável. Mas esse modo de ver as coisas não faz justiça à dinâmica da mudança histórica. Hoje, falamos de historicidade do direito natural, e justamente o matrimônio e a família são sujeitos a um contínuo processo de mudança na história".
Há um convidado de pedra nas discussões sinodais desses dois anos, e é o tema da "lei natural", bastião fundamental da temporada joão-paulina segundo a qual a família, de algum modo, é sagrada porque responde à lei natural. Schockenhoff não tem dúvidas: "Na teologia moral católica, a lei natural é mais um problema do que uma solução em relação a todas as dificuldades que apresentam um fundamento da ética. Na tradição, há dois conceitos de natureza, um mais biológico e outro mais estritamente racional."
"No primeiro caso – diz – por natureza humana entende-se aquilo que é dado da sua essência biológica. No segundo caso, ao contrário, por natureza humana entende-se aquilo que é dado ao homem para seguir o propósito de uma existência razoável segundo a fórmula de Tomás de Aquino: secundum rationem vivere. Alinhado com esse pensamento de direito natural racional, não há contradição entre a predisposição natural de certas formas de vida humana e a sua característica histórico-cultural", explica o teólogo alemão, que acrescenta: "A transformação histórica das disposições da natureza humana também não representa, contudo, um processo indiferente, como se fosse apenas uma convenção."
Ao contrário, enfatiza Eberhard Schockenhoff, "existem influências culturais adequadas à natureza humana e influências inadequadas. Estabelecer isso é tarefa da razão humana".
Em todo o caso, enfileirar-se atrás do totem da lei natural deixa as coisas como estão. Até mesmo na Aula Nova, diz. "O apelo ao direito natural é tudo menos uma carta curinga argumentativa que cala as argumentações alheias. Ao contrário, é preciso esclarecer o que se entende por direito natural e o que se quer argumentar fazendo referência ao direito natural. Eu acredito – afirma – que os debates realizados na Aula do Sínodo não tocam tais questões preliminares que têm caráter hermenêutico, mas estão orientadas, mais do que nada, a problemas práticos que estão no cerne da mensagem da Igreja."
"A Humanae vitae sempre convenceu pouco"
Pelo que se diz nas coletivas da Sala de Imprensa e (especialmente) por aquilo que é publicado online por diversos Padres que preferem fornecer uma versão mais detalhada do que acontece na assembleia, sem filtros ou avaliações de outro tipo, também se discutiu sobre a Humanae vitae, a última encíclica de Paulo VI que vários dos presentes no Sínodo (acima de tudo, o bispo da Antuérpia, Dom Johan Bonny) gostariam de pôr em um museu e declarar como superada quanto aos conteúdos e aos princípios inspiradores.
Um documento que "eu não definiria como superado", diz Schockenhoff, "já que, quando foi publicado, encontrou uma resistência generalizada, e os seus argumentos convenceram bem pouco inúmeros fiéis desde o início".
Objetivamente, explica, pode-se dizer que "foi uma encíclica muito polêmica, que, na Europa, não foi aceita pelos fiéis ou até mesmo foi abertamente rejeitada. E a não recepção de um ensinamento magisterial deve ser levada em consideração quando se acompanha a argumentação dessa encíclica".
O teólogo fala da Europa, uma realidade que, até mesmo no debate sinodal, esteve presente demais para alguns, em comparação com a realidade muito mais dinâmica da África.
Schockenhoff, porém, tem sérias dúvidas sobre a possibilidade de tomar como modelo a família africana para esperar em uma reevangelização do Ocidente secularizado: "Eu não acredito que o modelo de matrimônio ou de família que se desenvolve em um continente possa ser proposto sem problemas aos outros".
"A Igreja na África tem problemas diferentes do que os das formas mutáveis de vida de casal da sociedade secularizada, no sentido de que deve impregnar com a força do Evangelho e do credo cristão as formas tradicionais de matrimônio. Imagino – explica o nosso interlocutor – que os bispos africanos conhecem os problemas do seu próprio ângulo de observação e, portanto, não precisam de lições de fora. Por isso, eles vão estabelecer um diálogo crítico com os seus coirmãos europeus e norte-americanos, renunciando às lições que eles mesmos não desejam receber dos outros."
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"A lei natural é um totem que não serve mais para a Igreja." Entrevista com Eberhard Schockenhoff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU