21 Outubro 2015
Hervé Janson, superior geral dos Pequenos Irmãos de Jesus, é o único não sacerdote a participar no Sínodo dos Bispos sobre a família com direito a voz e voto, tendo sido eleito para representar a União dos Superiores Gerais. A seguir apresentamos uma tradução de sua intervenção no Sínodo.
A reportagem é de Jerry Ryan publicada por Commonweal, 19-10-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o texto.
Antes de tudo, eu gostaria de esclarecer a singularidade da minha situação no meio de vós, bispos de todo o mundo, dado que sou um simples irmão, o moderador de uma congregação religiosa internacional, é verdade, mas muito modesta, com menos duas centenas de irmãos: A Congregação dos Pequenos Irmãos de Jesus, inspirado pelo exemplo do Beato Charles de Foucauld.
Os meus irmãos da União dos Superiores Gerais disseram-me que votaram em mim porque, pela nossa vocação, na imitação de Jesus de Nazaré, vivemos entre as pessoas em seus bairros, ombro a ombro com famílias muito simples que, muitas vezes, lutam com o melhor o que podem para viver e criar seus filhos. Somos testemunhas de tantas famílias que, para mim, são modelos de santidade; são elas que irão nos receber no Reino! E, às vezes, eu sofro com o que nossa mãe, a Igreja, impõe a estas pessoas, fardos que nós próprios não seríamos capazes de suportar, conforme Jesus disse aos fariseus! Pois há muitos homens e mulheres que sofrem por serem rejeitados por seus pastores. Por meio de uma graça muito especial que me emudece, mas pela qual eu devo vos agradecer, vejo-me como o único irmão que é membro de pleno direito deste Sínodo dos Bispos, encontro que está refletindo sobre as situações e missão das famílias. Assombro e temor, ainda mais na medida em que o status das irmãs é diferente, o mesmo que o das famílias. Mas não podemos ignorar o fato de que as famílias compõem a imensa maioria do Povo de Deus que somos. Mas que valor damos à nossa reflexão sobre elas?
Há um provérbio oriental que diz: “Antes de julgar uma pessoa, coloque-se no lugar dela”. O paradoxo deste caso: na maior parte, somos todos celibatários. Mas, pelo menos, podemos escutar as pessoas, os seus sofrimentos, as suas proposições, a sua sede de reconhecimento e proximidade?
Penso nestas mulheres cristãs africanas que conheci quando morei no Camarões, esposas de um marido polígamo muçulmano: elas se sentiam excluídas da Igreja, desacompanhadas, muito sozinhas.
Entre outras, penso numa família belga, bons amigos meus; uma de suas filhas admitiu ter tendências lésbicas, está vivendo com outra jovem e decidiu ter um filho via inseminação artificial. O problema é como os pais devem reagir, exatamente como pais cristãos. Eles a cobriram com tesouros de sensibilidade, ternura e proximidade!
Não é a Igreja também uma família e não deveria ela ter estas mesmas atitudes para com estes homens, estas mulheres, muitas vezes pessoas indefesas, que vivem na dúvida e na escuridão, sentindo-se excluídos e excluídas? Que tipo de proximidade? Que tipo de acompanhamento? Que espécie de atitude Jesus demonstraria, e o que ele faria em nosso lugar, tal como o Padre Foucauld sempre se perguntou? Ele era repleto de compaixão quando via as multidões abandonadas.
Ele restaurou a esperança à samaritana ao falar com ela, essa herege estrangeira aos olhos dos judeus – ela que tivera cinco maridos! “Se tu conhecesses o dom de Deus!” Há tantos homens e mulheres – sem mencionar os filhos que são sempre as primeiras vítimas – que têm necessidade de ternura e amor, precisando de alguém que lhes abra a porta: sim, quer sejam divorciados e recasados, quer sejam homossexuais, cônjuges em famílias polígamas, todos são irmãos e irmãs de Jesus e, portanto, a nossa família! Nós, que somos todos pecadores, somos convidados a amar uns aos outros e a nos deixar sermos consolados e curados por Jesus, que veio não para os sãos, mas para os enfermos. A Eucaristia é o alimento dos que estão em processo de formar o Corpo de Cristo.
A misericórdia de Deus é para todos. Jesus não veio para julgar, mas para salvar os que estavam perdidos. Ele deu aos seus apóstolos e sucessores uma responsabilidade ousada no tocante à sua misericórdia: aquela de ligar e desligar. Que nos liguemos firmemente a Jesus e nos desliguemos através do Espírito, que nos torna livres e nos une à Vida.
A nossa “casa comum”, conforme o Papa Francisco gosta de chamá-la, nos é especial e é em conjunto que temos de consertá-la e mantê-la, pois somos todos responsáveis pela beleza de cada um dos seus aposentos; cultivemos, como flores, a bondade e a misericórdia, para que cada um de nós possa se regozijar na liberdade dos filhos de um mesmo Pai que nos ama e testemunhar a alegria do Evangelho.
Quando os fariseus censuram os discípulos por arrancarem grãos de trigo para comer em um sábado, Jesus olha, em primeiro lugar, para pessoa humana que está faminta antes de qualquer possível desobediência à Lei (Mateus 12,1-8). Neste sínodo, temos de olhar com compaixão à pessoa que tem fome de misericórdia, proximidade e reconhecimento, a pessoa que tem fome de Jesus, o qual nos eleva, nos alimenta, restaura-nos à vida. Seremos nós os discípulos dele que “não esmagará a cana quebrada, e que não apagará o morrão que fumega?” (Mateus 12,20). Se a Igreja é a família das famílias, a qual revolução de proximidade, ternura e misericórdia não é ela convidada (e esperada)?
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“Ele não veio para os sãos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU