14 Outubro 2015
Joviano Mayer apresenta uma outra forma de “operar o Direito”, com militância, como ato político
Conceituar a ideia de Comum não é tarefa muito fácil. Ainda é algo em construção, constituído de forma coletiva e colaborativa, agregando diversos movimentos e manifestações que emergem da base social. Entretanto, é possível se aproximar mais do conceito quando se veem manifestações, e construções, de coletivos dentro da lógica do Comum. É o caso do Coletivo Margarida Alves, que exerce a chamada advocacia popular. A experiência do grupo de Belo Horizonte, Minas Gerais, foi apresentada pelo advogado e mestre em arquitetura pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Joviano Gabriel Maia Mayer, em mais um encontro do 2º Ciclo de Estudos Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo. Territórios, governamento da vida e o comum, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Joviano Gabriel Maia Mayer / Foto: João Vitor Santos - IHU |
A assessoria jurídica popular, como destaca Joviano, requer envolvimento por completo. Além de todo o levantamento da área, também é preciso conhecer as famílias e planejar como será a ocupação. São como amarras que, mais tarde, sustentarão recursos que derrubam reintegração de posse e, inclusive, darão caminho para o poder público realizar a urbanização destes espaços. É o que houve nos casos de ocupações de Belo Horizonte, como a Dandara. O local hoje abriga cerca de 1800 famílias. “Nessas comunidades, é fundamental a construção de projetos urbanísticos desde o momento em que entramos. Isso gera outro tipo de relação social com as pessoas. Não se promove um adensamento. Já pensamos em ruas, avenidas e espaços comuns de convivência. É diferente de pensar nas ocupações cheias de vielas, becos e um barraco em cima do outro”, explica.
A ideia do Comum
Joviano explica que os advogados atuam como voluntários, sem cobrar honorários. “E mesmo quando se cobra, vai para manter a estrutura do coletivo Margaridas”, completa. Entretanto, peças processuais e todo esse movimento junto aos coletivos precisam de outras bases. É nesse momento que se vê a ideia de coletivo na advocacia popular. Além desse ofício se dar a partir de um grupo de operadores do Direito voluntários, contam com apoio de outros profissionais. “Contamos com apoio de outros coletivos, que agregam arquitetos e o pessoal da mídia livre, por exemplo. Desde sua área de conhecimento, eles atuam também de forma voluntária. É como construímos os projetos urbanísticos de muitas das ocupações, por exemplo”, explica.
O caso de Belo Horizonte é peculiar pela efervescência de ocupações. Muitas nascem desse desejo e busca pela moradia. Porém, há também outras que reivindicam espaços públicos de convivência. É o caso do Espaço Comum Luiz Estrela, que ocupou um casarão abandonado. O local não se transformou em espaço de moradia, mas de convivência, um pólo artístico cultural. Lá, ocorrem saraus, encontros, festas e debates que congregam diversos coletivos e também a vizinhança. “É um caso de sucesso, pois invadimos o local e hoje conseguimos a cessão de uso por 20 anos”.
Sucesso os Margaridas comemoram também com relação ao aplicativo Tubby. “Era um aplicativo que avaliava o desempenho sexual das mulheres. Isso de forma machista e extremamente preconceituoso”, conta Joviano. Articulado com coletivos feministas, o grupo entrou na Justiça e conseguiu barrar o lançamento do aplicativo. “Acionamos tanto os criadores do aplicativo como a Google, que irá oferecer o aplicativo”.
O advogado e outro Direito
Da plateia e em meio aos seus alunos, o professor da Faculdade de Direito, Erno Wallauer, questiona: “Mas e o papel de advogado? Como funciona dentro dessa lógica?”. Joviano explica que para entender é preciso desconstruir a ideia de advogado que se tem no senso comum. “É preciso fazer disso um projeto de vida. Não pense em ganhar dinheiro. Mas a recompensa por atuar junto a essas comunidades é imensa”, diz. A manutenção dos Margaridas se dá pela busca de projetos de financiamento. Além disso, muitos dos advogados acabam atuando também de forma particular para se manter.
Marina Dermmam fez a opção e embarcou nessa luta. Não é uma Margarida, mas atua de forma similar em Porto Alegre e região através da ONG Acesso Cidadania e Direitos Humanos. “Atuamos de forma um pouco diferente. Não participamos nas ocupações, mas somos chamados pelos grupos para prestar essa assessoria. É aí que começamos com todo esse envolvimento. Realmente é uma opção. Aprendemos coisas que nunca aprenderíamos na faculdade”, destaca em sua intervenção.
Ocupação Dandara / Foto: Coletivo Margarida Alves
Os jovens estudantes de Direito da Unisinos Morgana Zanotto e Lucian Ribeiro saíram da conferência impressionados. “Não conhecia essa visão. Sabemos dessas lutas só pela televisão e nunca vimos desta perspectiva. Muito rico, realmente ainda não tinha visto isso na faculdade”, diz Morgana. “Eu trabalho num escritório de advocacia que reproduz muito esse positivismo, formalidade do Direito. É muito interessante conhecer essa forma de ser advogado”, destaca Lucian. Os dois reconhecem que talvez não façam essa opção de vida, mas comemoram já o fato de existir esse horizonte. “Não sei se seguiria, mas respeito bastante. É muito importante”, finaliza Lucian.
Fique atento
- A próxima conferência do 2º Ciclo de Estudos Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo. Territórios, governamento da vida e o comum ocorre no dia 22 de outubro. O professor Mário Leal Lahorgue, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, falará sobre Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças.
- Interessados em conhecer mais sobre o trabalho dos Margaridas podem acessar a página no Facebook.
- A ONG Acesso Cidadania e Direitos Humanos também tem sua página no Facebook. O telefone para contato é 51-3028-8058.
Por João Vitor Santos
Joviano Mayer apresenta uma outra forma de “operar o Direito”, com militância, como ato político
Conceituar a ideia de Comum não é tarefa muito fácil. Ainda é algo em construção, constituído de forma coletiva e colaborativa, agregando diversos movimentos e manifestações que emergem da base social. Entretanto, é possível se aproximar mais do conceito quando se vê manifestações, e construções, de coletivos dentro da lógica do Comum. É o caso do Coletivo Margarida Alves, que exerce a chamada advocacia popular. A experiência do grupo de Belo Horizonte, Minas Gerais, foi apresentado pelo advogado e mestre em arquitetura pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Joviano Gabriel Maia Mayer, em mais um encontro do 2º Ciclo de Estudos Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo. Territórios, governamento da vida e o comum, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Na conferência, ocorrida na noite de quinta-feira, 07-10, Joviano destacou que advocacia popular é mais do que exercer a função de operador do Direito, ser advogado. “É um ato político”, pontua. “E não podemos confundir com a Defensoria Pública. Advocacia popular é militância, ativismo, se faz como um projeto político”, completa. O trabalho dos Margaridas consiste em advogar em favor de grupos coletivos que fazem ocupações ordenadas. Muitas das ocupações se dão como luta pela conquista de moradia em espaços urbanos. Depois do coletivo tomar posse dos espaço improdutivo, é papel desses advogados defenderem os interesses das famílias e, mais adiante, assegurar a posse dos lotes. “A função social da terra e da propriedade, assegurada em lei, traz legitimidade para essa luta de quem não tem onde morar. As ocupações fazem parte da história das cidades brasileiras”, defende ao lembrar que as áreas invadidas tem a situação jurídica minuciosamente investigada. “Sabemos a quanto tempo está sem uso e até quanto deve de impostos, como IPTU”.
A assessoria jurídica popular, como destaca Joviano, requer envolvimento por completo. Além de todo o levantamento da área, também é preciso conhecer as famílias e planejar como será a ocupação. São como amarras que, mais tarde, sustentarão recursos que derrubam reintegração de posse e, inclusive, darão caminho para o poder público realizar a urbanização destes espaços. É o que houve nos casos de ocupações de Belo Horizonte que traz, como a Dandara. O local hoje abriga cerca de 1800 famílias. “Nessas comunidades, é fundamental a construção de projetos urbanísticos desde o momento em que entramos. Isso gera outro tipo de relação social com as pessoas. Não se promove um adensamento. Já pensamos em ruas, avenidas e espaços comuns de convivência. É diferente de pensar nas ocupações cheias de vielas, becos e um barraco em cima do outro”, explica.
A ideia do Comum
Joviano explica que os advogados atuam como voluntários, sem cobrar honorários. “E mesmo quando se cobra, vai para manter a estrutura do coletivo Margaridas”, completa. Entretanto, peças processuais e todo esse movimento junto aos coletivos precisam de outras bases. É nesse momento que se vê a ideia de coletivo na advocacia popular. Além desse ofício se dar a partir de um grupo de operadores do Direito voluntários, contam com apoio de outros profissionais. “Contamos com apoio de outros coletivos, que agregam arquitetos e o pessoal da mídia livre, por exemplo. Desde sua área de conhecimento, eles atuam também de forma voluntária. É como construímos os projetos urbanísticos de muitas das ocupações, por exemplo”, explica.
O caso de Belo Horizonte é peculiar pela efervescência de ocupações. Muitas nascem desse desejo e busca pela moradia. Porém, há também outras que reivindicam espaços públicos de convivência. É o caso do Espaço Comum Luiz Estrela, que ocupou um casarão abandonado. O local não se transformou em espaço de moradia, mas de convivência, um pólo artístico cultural. Lá, ocorrem saraus, encontros, festas e debates que congregam diversos coletivos e também a vizinhança. “É um caso de sucesso, pois invadimos o local e hoje conseguimos a seção de uso por 20 anos”.
Sucesso os Margaridas comemoram também com relação ao aplicativo Tubby. “Era um aplicativo que avaliava o desempenho sexual das mulheres. Isso de forma machista e extremamente preconceituoso”, conta Joviano. Articulado com coletivos feministas, o grupo entrou na Justiça e conseguiu barrar o lançamento do aplicativo. “Acionamos tanto os criadores do aplicativo como a Google, que irá oferecer o aplicativo”.
O advogado e outro Direito
Da plateia e em meio aos seus alunos, o professor da Faculdade de Direito, Erno Wallauer, questiona: “Mas e o papel de advogado? Como funciona dentro dessa lógica?”. Joviano explica que para entender é preciso descontruir a ideia de advogado que se tem no senso comum. “É preciso fazer disso um projeto de vida. Não pense em ganhar dinheiro. Mas a recompensa por atuar junto a essas comunidades é imensa”, diz. A manutenção dos Margaridas se dá pela busca de projetos de financiamento. Além disso, muitos dos advogados acabam atuando também de forma particular para se manter.
Marina Dermmam fez a opção e embarcou nessa luta. Não é uma Margarida, mas atua de forma similar em Porto Alegre e região através da ONG Acesso Cidadania e Direitos Humanos. “Atuamos de forma uma pouco diferente. Não participamos nas ocupações, mas somos chamados pelos grupos para prestar essa assessoria. É aí que começamos com todo esse envolvimento. Realmente é uma opção. Aprendemos coisas que nunca aprenderíamos na faculdade”, destaca em sua intervenção.
Os jovens estudantes de Direito da Unisinos Morgana Zanotto e Lucian Ribeiro saíram da conferência impressionados. “Não conhecia essa visão. Sabemos dessas lutas só pela televisão e nunca vimos desta perspectiva. Muito rico, realmente ainda não tinha visto isso na faculdade”, diz Morgana. “Eu trabalho num escritório de advocacia que reproduz muito esse positivismo, formalidade do Direito. É muito interessante conhecer essa forma de ser advogado”, destaca Lucian. Os dois reconhecem que talvez não façam essa opção de vida, mas comemoram já o fato de existir esse horizonte. “Não sei se seguiria, mas respeito bastante. É muito importante”, finaliza Lucian.
Fique atento
- A próxima conferência do 2º Ciclo de Estudos Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo. Territórios, governamento da vida e o comum ocorre no dia 22 de outubro. O professor Mário Leal Lahorgue, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, falará sobre Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças.
- Interessados em conhecer mais sobre o trabalho dos Margaridas podem acessar a página no Facebook.
- A ONG Acesso Cidadania e Direitos Humanos também tem sua página no Facebook. O telefone para contato é 51-3028-8058.
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