18 Dezembro 2013
"Documento do Ministério Público Federal informa que, de 7.957 remoções realizadas pelo programa Vila Viva em Belo Horizonte, somente 3.950 remoções importaram em reassentamento em unidade habitacional construída por esse programa. Do restante, 496 dos removidos conseguiram adquirir a compra de casa com recursos advindo do PROAS e, a grande maioria dos removidos, 4.310, receberam indenização pela remoção compulsória", escreve frei Gilvander Luís Moreira, padre da Ordem dos carmelitas, professor de Teologia Bíblica e ; assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT -, do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI -, do Serviço de Animação Bíblica - SAB - e da Via Campesina em Minas Gerais.
Eis o artigo.
Dia 12 de dezembro de 2013, Belo Horizonte, a capital do Estado de Minas Gerais, completou 116 anos de emancipação. Em uma reportagem sobre o aniversário de Belo Horizonte, uma jornalista do site www.bhaz.com.br me fez três perguntas: a) O que hoje torna a Capital mineira uma cidade única? b) Quais avanços marcaram o ano de 2013 para BH? c) Na sua opinião, quais foram os três principais percalços enfrentados pelos moradores de BH neste ano?
Estas três perguntas fizeram-me refletir acerca dos problemas da capital de Minas e do povo belorizontino. Mas, falar em povo belorizontino, esse conceito abstrato, exige mostrar de qual perspectiva devo falar. Pois então digo que faço uma reflexão a partir dos injustiçados da cidade.
Isso porque, penso, só construiremos, de fato, uma cidade que possa ter e ser um Belo Horizonte se formos capazes de ver que na cidade não existe apenas a zona chic da Savassi. Em Belo Horizonte existe também muita gente injustiçada. Se não enxergamos essas pessoas, apesar de serem elas as que sustentam com o seu trabalho o bem estar na cidade, ao invés de um Belo Horizonte teremos um Triste Horizonte.
Ora, quando dizem que Belo Horizonte é uma cidade única, penso: nem tanto. Ela não é uma cidade totalmente diferente de tantas outras capitais. Os problemas das grandes regiões metropolitanas são recorrentes aqui. O que há, sim, e isso faz de BH uma cidade especial para nós são as características próprias da capital mineira.
Arrisco citar algumas:
a) a presença e a valorização dos bares, já que não temos praia, onde se busca um alento à vida tão frenética e acelerada imposta pelo modo de vida moderno, diga-se, a vida a que fomos condenados pelo capitalismo neoliberal;
b) muito das relações interioranas que ainda estão presentes no jeito do belo-horizontino se relacionar. BH parece uma cidade do interior, mas de porte grande. Basta sair um pouco da região central para sentir o gostinho mineiro pelo cultivo das hortas caseiras, a criação de pequenos animais para o consumo, a religiosidade e “corações acolhedores”;
c) a arte e a cultura popular resistindo em meio a tantas represálias. Elas marcam o panorama da Praça Sete, coração de BH, com a beleza da presença dos artesãos de rua, desde os descendentes de cultura hippie às estátuas humanas. Sem esquecer também as pessoas que tocam instrumentos à espera de uma ajuda solidária e as rodas de capoeira que ocupam as praças. Que beleza!
E a novidade mais recente: a Ocupação cultural “Espaço Comum Luiz Estrela”, na região hospitalar, próxima ao centro de BH, onde um prédio abandonado, há 33 anos, foi ocupado por militantes e artistas da arte e cultural popular. Uma efervescência de arte. Artesãos de rua, como os empalhadores de cadeiras, os malabaristas dos sinais. Quanta criatividade! Tudo para fazer brilhar os olhos e alimentar o coração em uma lógica que não é a da opressão e do lucro. O duelo de MCs, debaixo do viaduto de Santa Teresa, com cinco anos de resistência pela arte e cultural popular. A Assembleia Popular Horizontal, fruto organizado das manifestações populares de junho de 2013. Quanto vigor artístico e cultural, mas tudo isso ainda sem apoio do poder público.
Quanto aos avanços, se é que podemos falar da existência deles, vejo-os no aumento das participações nas mobilizações e lutas populares para a defesa dos direitos humanos fundamentais, como vimos nas jornadas de junho com milhares de pessoas nas ruas, principalmente os jovens. Temos visto também, quase diariamente, o povo se manifestando nas ruas de BH e se organizando de diferentes maneiras para denunciar os desmandos da política empresarial do atual governo municipal que está expulsando paulatinamente as famílias pobres para fora do município.
Sob o desgoverno do prefeito Márcio Lacerda (PSB), BH, em 2013, avançou como Cidade Empresa, cidade da idolatria do mercado. O povo pobre, os movimentos sociais populares e as forças vivas do mundo cultural, sindical e intelectual estão sendo ignorados na gestão da cidade.
Impõe-se goela abaixo, na prática, um processo de expulsão das famílias pobres para fora de Belo Horizonte. Uma expulsão sorrateira e disfarçada, é óbvio. A Prefeitura já demoliu milhares de casas com o Programa Vila Viva, melhor dizendo, Vila Morta, com o alargamento de avenidas e a construção de viadutos, enquanto só construiu pouco mais de 600 “apertamentos” pelo Programa Minha Casa Minha Vida para famílias de zero a três salários mínimos. Privilegia-se, estupidamente, o uso de carros e não o respeito ao direito de moradia, à garantia de mobilidade para a maioria das pessoas.
Em BH não há programa habitacional para diminuir o déficit habitacional que já ultrapassa 120 mil moradias, estima-se. A saída para os sem-casa é ocupar terrenos abandonados, como é o caso das Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória (cerca de 8 mil famílias), na região do Isidoro, e da Comunidade Dandara, no bairro Céu Azul, com aproximadamente 1.500 famílias. Então, apesar do governo antidemocrático, existe a notícia boa do avanço na consciência do povo empobrecido de que não pode mais esperar a casa própria em fila que não anda e que o correto é ocupar terrenos e construções abandonados para a garantia dos direitos mínimos de existência humana. Assim nos últimos seis anos, mais de 2 mil famílias já construíram suas casas, a despeito da mentirosa fila da habitação popular que não anda, melhor dizendo, só cresce.
Também não podemos esquecer a dura realidade vivida pelos milhares de pessoas em situação de rua em Belo Horizonte que, sem uma política que assegure moradia e alternativas reais de saída das ruas, sofrem todo tipo de violência. BH é uma das cidades onde mais se mata pessoas em situação de rua: mais de 100 em dois anos. A noticia boa que podemos trazer aqui é a decisão inédita do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na Ação Popular movida pelo Coletivo Margarida Alves. O TJMG proferiu uma decisão histórica dizendo ser roubo institucional o que o Prefeito de Belo Horizonte estava fazendo, ao recolher os pertences pessoais das pessoas em situação de rua. Mesmo com esta decisão, o Jornal Estado de Minas publicou no dia 10 de dezembro de 2012, dia internacional dos direitos humanos, a seguinte notícia: “prefeitura fecha o cerco a moradores de rua: nova instrução da Prefeitura de Belo Horizonte permite fiscais apreender objetos que não sejam indispensáveis aos moradores de rua e que não possam ser carregados de uma só vez.” Ora, como pode um prefeito decidir o que é indispensável a uma pessoa, o que lhe é essencial? O que pode e o que não pode lhe ser tomado? Diga-se de passagem que o Tribunal de Justiça havia configurado este tipo de ação da prefeitura como roubo institucional, mas ainda assim o prefeito insiste em fazer.
Em BH estão em curso injustiças estruturantes, entre as quais, podemos citar:
a) A expulsão dos pobres para fora de BH;
b) A imobilidade no trânsito;
c) O rechaço da participação popular.
Documento do Ministério Público Federal informa que, de 7.957 remoções realizadas pelo programa Vila Viva em Belo Horizonte, somente 3.950 remoções importaram em reassentamento em unidade habitacional construída por esse programa. Do restante, 496 dos removidos conseguiram adquirir a compra de casa com recursos advindo do PROAS e, a grande maioria dos removidos, 4.310, receberam indenização pela remoção compulsória. As indenizações são sempre injustas, pois não envolvem o valor do terreno, nem o valor histórico e social. Calcula-se somente o valor dos materiais investidos na construção. Na prática é uma fábrica de famílias sem-teto, pois as famílias não terão condições de adquirir nova moradia.
A classe dominante de BH está desgovernando a cidade ao ignorar o valor da participação popular. Temos um prefeito que não escuta o povo e uma prefeitura que vive de portas fechadas, com correntes, cadeados e seguranças. Chama de participação popular o orçamento participativo via internet e as conferências que colocam o povo em disputa por obras e projetos que não irão resolver os problemas mais sérios da população. Aliás, não basta sortear pela internet uma obra.
O que o governo tem de fazer é assegurar os direitos de todos da melhor forma possível. O que se vê são os projetos bilionários de interesses da classe dominante encomendados a grandes empresas e impostos de cima para baixo como se fosse isso o interesse público.
Sem poder político e econômico, a classe trabalhadora de Belo Horizonte que, na sua maioria, mora nas periferias da região metropolitana, levanta de madrugada e, em ônibus superlotados e/ou no pouco de metrô que existe em BH, se dedica a construir BH nas obras e serviços de todos os tipos.
A esse povo trabalhador, nossa eterna gratidão e admiração. Que possa cada vez mais se unir, se organizar e lutar coletivamente pelos direitos sociais. Só assim construiremos de fato um Belo Horizonte. De outro modo, os donos dos poderes político e econômico continuarão construindo um Triste Horizonte. E assim, ano após ano, nos próximos 12 de dezembro não teremos novamente muito a comemorar. É preciso então dar um basta às falsas políticas. É preciso fortalecer a luta daqueles que de fato fazem dessa cidade um belo horizonte para/com todos.
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Belo Horizonte, 116 anos: Belo ou Triste Horizonte? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU