05 Dezembro 2013
"O momento é de abandonar o papel de "vítima histórica", como diz a filósofa Elisabeth Badinter ("Fausse Route"), e nos empenharmos em discutir sem medo como viabilizar as relações entre homens e mulheres e, ainda, como sermos mulheres que agem no mundo sem mediação de uma lógica revanchista", escreve Talyta Carvalho, especialista em Renascença e mestre em ciências da religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 04-12-2013.
Eis o artigo.
Recentemente, as redes sociais e as rodas de conversa foram tomadas pela polêmica em torno do aplicativo Lulu, em que mulheres avaliam o perfil de homens, atribuindo-lhes notas e comentários.
Não interessa debater a questão dos direitos individuais por dois motivos. Primeiro porque é possível retirar seu perfil. E segundo porque, em tempos digitais, qualquer desejo de privacidade e sigilo totais com relação a informações sobre você soa tão ingênuo quanto acreditar em unicórnios.
O aplicativo se apresenta como uma ferramenta que visa reunir informações sobre rapazes. Trata-se de um propósito inócuo, uma vez que desconheço o fato de mulheres ficarem com um rapaz porque alguém disse que ele é bacana, ou ainda não ficarem porque alguém disse que ele não presta.
A questão a ser discutida está no âmbito das relações homem versus mulher. Em pouco tempo, o Lulu angariou defensoras fervorosas, que reivindicam estarem apenas se valendo de sua liberdade para fazer na internet o que já faziam entre amigas. Do lado masculino, a reação é ambígua: há os que gostaram (avaliações positivas se tornaram "boa propaganda") e há os que odiaram (pela exposição).
Gostaria de me restringir à relação entre os homens que se sentiram agredidos e as mulheres que defendem o Lulu.
As reações oriundas da porção feminina foram desde a afirmação de que eles são fracos e "não aguentam brincadeira" até brados de "eles finalmente provaram um pouco de seu próprio veneno."
Décadas de feminismo nos tornaram especialistas não apenas em políticas de ressentimento, mas também em reações prontas de defesa em vista de qualquer coisa vinda de um homem, opressor por definição mesmo que em potência.
Isso posto, não há, para essas mulheres, como legitimar a indignação masculina. Claro, se a história fosse a inversa, se tivessem sido os homens a criar primeiro o Tubby, já estaríamos preparando as fogueiras para a nova inquisição.
Sabiamente, Alexis de Tocqueville (autor de "A Democracia na América") já apontava que os princípios de liberdade e igualdade são inversamente proporcionais; um cresce para o outro diminuir.
O Tubby seria sexista em princípio e estaria a serviço do machismo, perpetuando desse modo a objetificação das mulheres. Mas, quando se trata de homens, não configura objetificação? Só é sexismo quando o alvo são mulheres? Em cenários de busca por igualdade, o cerne não deveria ser que não se deve objetificar pessoas? Eu, particularmente, não vejo grandes dramas na objetificação; tudo é objeto.
Há quem tenha defendido o Lulu mesmo admitindo que se incomoda com a objetificação das mulheres e que de fato há ali uma objetificação dos homens, muito embora esta última seja legítima tendo em vista todos os séculos de objetificação/humilhação que as mulheres sofreram e sofrem cotidianamente, em todos os lugares que frequentam: trata-se de dizer que não é possível comparar homens e mulheres por motivo de "falsa simetria". Ou argumenta-se a favor de uma "justiça histórica". Se há apenas dívida histórica e a impossibilidade de homens e mulheres se sujeitarem aos mesmos critérios de julgamento, todo debate necessário silencia.
O momento é de abandonar o papel de "vítima histórica", como diz a filósofa Elisabeth Badinter ("Fausse Route"), e nos empenharmos em discutir sem medo como viabilizar as relações entre homens e mulheres e, ainda, como sermos mulheres que agem no mundo sem mediação de uma lógica revanchista.
TALYTA CARVALHO, 27, é especialista em Renascença e mestre em ciências da religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
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