Por: André | 14 Outubro 2015
“Não reduzamos o Papa a um esquema, cômodo para quem quer subtrair-lhe força, dizendo, por exemplo, que ele enfrenta desta maneira o drama da pobreza porque vem da América do Sul, ou que age ou fala de determinada maneira porque é jesuíta”. A afirmação é do professor Andrea Riccardi, historiador da Igreja, fundador da Comunidade de Santo Egídio e um dos participantes do seminário de estudo, a portas fechadas, organizado pela revista La Civiltà Cattolica, dedicado ao futuro da Igreja, em entrevista concedida ao Vatican Insider.
A entrevista é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 06-10-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
A ‘saída do armário’ de mons. Charamsa, secretário-adjunto da Comissão Teológica Internacional e oficial da Congregação para a Doutrina da Fé, coloca Francisco em dificuldades?
Parece-me que é um problema pessoal e, mais em geral, uma maneira de viver as relações humanas, interpessoais e de amizade dentro da cúria: é óbvio que a história de mons. Charamsa não começou ontem ou na semana passada. Se, por acaso, for colocar alguém em dificuldades será a própria congregação em que trabalhava. Mas não compreendo por que um problema pessoal se converteria em uma questão institucional ou, inclusive, de governo do Papa. Além do mais, nos últimos 50 anos houve muitos abandonos do sacerdócio, e até mais clamorosos.
Na sua opinião, esta jogada tão midiática às vésperas do Sínodo representa um ponto a favor da parte mais conservadora, como alguns analistas afirmaram após o clamoroso anúncio do monsenhor?
Sinceramente, não vejo o motivo. A declaração diante das câmeras foi feita por um teólogo que trabalha na Congregação para a Doutrina da Fé, dirigida pelo cardeal Müller que, com ou sem razão, é apontado como um dos expoentes mais visíveis dessa que você define como a parte mais conservadora. Não vejo porque poderia ou deveria reforçá-la...
Segundo sua opinião, o Papa foi mal interpretado, como nos últimos dias deram a entender alguns cardeais italianos?
Quem falar em público está sujeito a interpretações. Mas, no caso do Papa, me parece que sua linguagem é clara e que expressou muito bem suas intenções. O Papa é mal interpretado pelos que têm interesse em interpretá-lo à sua maneira, puxando-lhe a batina para apoiar as próprias ideias, ou por aqueles que parecem estar quase felizes encerrando-o em um clichê pré-determinado com a finalidade de diminuir sua mensagem. Francisco não é mal interpretado e não necessita de “decodificadores”, que se autonomeiem como tais. Ele decidiu falar ao povo como um Papa e um pastor. As pessoas simples compreendem o Papa, o que diz, o que indica à Igreja. Basta ver a realidade, observar, ouvir.
Surpreendem suas afirmações sobre os “intérpretes”. Por exemplo, é verdade que para compreender o Francisco é preciso destacar sua proveniência latino-americana ou jesuítica?
Cada homem tem a própria história e é filho de uma história. Mas, encerrar Francisco em clichês significa reduzir o alcance da sua mensagem. Jorge Mario Bergoglio é um jesuíta e um bispo latino-americano, obviamente, mas reduzir seus gestos e suas palavras a esta identidade significa reduzir a realidade a um esquema. Não se explica tudo com as raízes. Há uma carga original na história de Francisco que, de alguma maneira, explodiu com a eleição como Papa. Quem o conhecia antes de sua eleição diz que segue sendo o mesmo de sempre, mas também uma pessoa que se movimenta em uma nova dimensão e com uma responsabilidade maior.
Não reduzamos o Papa a um esquema, que me atreveria a dizer, cômodo para quem quer tirar-lhe força, dizendo, por exemplo, que enfrenta desta maneira o drama da pobreza porque vem da América do Sul ou que age ou fala de determinada maneira porque é jesuíta. Não precisa ser nenhum estrategista da comunicação para dar-se conta de que por trás destas insistências pode estar, no fundo, a atitude de quem não quer se deixar questionar pelo que o Papa está testemunhando, para continuar a agir e pensar como antes. De fato, a resistência ao Papa não provém apenas dos tradicionalistas, mas também de quem não quer se deixar acordar do sono em que se encontra, o partido dos preguiçosos.
Você participou do seminário a portas fechadas organizado pela Revista La Civiltà Cattolica. Determinados círculos midiáticos que atacam cotidianamente o Papa apresentaram este seminário inclusive como uma comissão oculta que estava preparando o documento final do Sínodo. Pode nos explicar do que se tratou?
Foi uma iniciativa organizada há muito tempo e que não tinha nada a ver com o Sínodo. O fato de que se tratasse de um seminário sem público, com diferentes estudiosos que dialogaram e se confrontaram durante alguns dias sobre a reforma da Igreja, não significa que houvesse algo “secreto”. Será publicado um livro! O futuro da Igreja foi enfrentado a partir de diferentes perspectivas. Eu insisti sobre o tema da reforma do clero, que o Vaticano fez parcialmente.
O que pensa sobre a recente viagem do Papa Francisco a Cuba e aos Estados Unidos?
Pareceu-me a viagem da maturidade do Pontificado. Devemos considerá-la com atenção. Muitos manifestaram temores preventivos em público, sobretudo em relação à etapa norte-americana da visita. Parece-me que Francisco conseguiu falar ao coração dos cidadãos dos Estados Unidos, a partir dos seus valores, dos valores dos pais fundadores do seu país. Falou como americano aos americanos. Pareceu-me muito significativo o convite para superar a polarização, que dirigiu tanto à política como à Igreja. Uma perspectiva necessária, embora o caminho seja longo e difícil, como demonstram as polêmicas dos dias posteriores à viagem nos ambientes político-midiáticos, principalmente estadunidenses, em relação ao significado da saudação feita a Kim Davis e ao ex-aluno Yayo Grassi. Não devemos exagerar a importância destes fatos!
Deveríamos nos acostumar com o fato de que o Papa encontra-se com pessoas, e não que ponha selos sobre as pessoas que decide encontrar. Um encontro com o Papa não é um reconhecimento oficial: vislumbrar por trás destes encontros um apoio para determinadas posturas é errado e indevido. Se o Papa quer apoiar uma postura, tem muitas formas para fazê-lo aberta e claramente.
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“Não encerremos o Papa em clichês”. Entrevista com Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU