28 Setembro 2015
"Para que a Igreja Católica seja a agente da mensagem de Deus para o nosso século XXI, precisamos ter uma visão de que a degradação das mulheres em todo o mundo, em todos os países de nosso planeta, é a questão principal e originária da violência social e religiosa", frisa Thomas C. Fox, editor, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 19-09-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Sem dúvida, foi o pedido mais notável a um papa feito nos tempos modernos. Em 1979, a Irmã Theresa Kane, da Congregação da Misericórdia, na qualidade de presidente da Conferência de Lideranças das Religiosas – LCWR (na sigla em inglês), após consultar alguns amigos e amigas, decidiu pedir ao Papa João Paulo II, durante a sua primeira visita aos Estados Unidos, que abrisse todos os ministérios da Igreja às mulheres.
A história deste pedido está gravada na psique dos católicos reformistas em todo o mundo. Não foi apenas o pedido em si, mas também a conduta direta, respeitosa e simples de Kane o que capturou a atenção geral. Nenhuma pessoa até então se pareceu como um igual a um papa. As percepções católicas mudaram na basílica de Washington D.C. naquele dia.
Com a breve alocução de Kane, o equilíbrio entre os gêneros pareceu mudar sensivelmente dentro do catolicismo romano. Se ou, como os defensores da ordenação feminina dizem, quando acontecer na Igreja a primeira ordenação válida de uma mulher ao sacerdócio, tal ato sacramental estará inexoravelmente relacionado com uma irmã da Misericórdia.
“Temos ouvido a mensagem poderosa da nossa Igreja abordando a dignidade e a reverência de todas as pessoas”, disse Kane ao Papa João Paulo II naquele dia enquanto o religioso olhava para frente sem mostrar reação. “Enquanto mulheres, temos pesado essas palavras”. A Igreja “deve responder, fornecendo a possibilidade de as mulheres enquanto pessoas serem incluídas em todos os ministérios da Igreja.”.
Três décadas e meia depois, as palavras de Kane ecoam em todo o mundo enquanto mulheres (e homens) se reúnem para refletir sobre o que consideram como inevitável: uma Igreja inclusiva que pode ser o modelo de justiça para um mundo faminto – a ordenação de mulheres.
Organizado pela Conferência para a Ordenação Feminina (Women’s Ordination Conference), o encontro deste mês é o terceiro em 15 anos, em que os defensores da ordenação de mulheres se reúnem para lamentar aquilo que consideram uma grande falha dos bispos em acabar com a discriminação de gênero dentro da Igreja.
A WOC, como a Conferência é conhecida em inglês, estima que cerca de 500 delegados estarão participando em seus três dias de encontro, palestras e oficinas. Dezenas de expositores já montaram seus estandes no 4º andar do hotel onde estarão hospedados na esperança de chamar a atenção dos delegados. A maioria dos expositores compartilham visões de uma Igreja Católica reformada.
E tão logo chegou ao local a frágil porém animada Irmã Theresa Kane, os delegados e organizadores presentes se levantaram e aplaudiram insistentemente a religiosa, em respeito e gratidão.
“Conseguimos”, disse Kane. “Estamos aqui nos reunindo, vindos de várias partes do país, de vários países. Podemos dizer: ‘Nós conseguimos’”.
Os organizadores e organizadoras deste encontro da Conferência para a Ordenação Feminina haviam recém anunciado o novo prêmio chamado “Theresa Kane Woman of Vision and Courage Awards”, em homenagem à própria religiosa por sua coragem e visão. (O prêmio é concedido às feministas que trabalham por justiça e por uma Igreja inclusiva).
“É com profunda humildade e grande orgulho que recebo e aceito esta homenagem”, disse ela ao grupo reunido. “E eu assim o faço, não por mim; faço como uma expressão e um reflexo de vocês”.
“A nossa jornada enquanto comunidade foi, por vezes, difícil; fomos criticados e criticadas por prevermos, desejarmos e trabalharmos por algo que não é possível de acordo com a presente mentalidade dominante na instituição Igreja Católica.
Mas suportamos estas críticas. Criamos uma estrutura e um sistema significativo dentro do coração e do espírito da comunidade católica que agora anseia por – e que está comprometida com – os dons dados por Deus às mulheres como inerentemente iguais aos dos homens, são os dons de estarem dentro de toda a esfera social, religiosa, governamental”.
E Kane acrescentou: “A persistência é uma qualidade dos profetas e uma profecia”.
Em seguida, disse que algumas pessoas lhe perguntam o que diria ao Papa Francisco caso tivesse a oportunidade. Ela não hesita e em dizer o que pensa. A seguir, transcrevemos o texto completo de sua “mensagem ao Papa na Filadélfia”:
Papa Francisco, embora os seus títulos formais sejam Santo Padre e Sumo Pontífice, aproveito esta sagrada oportunidade para cumprimentá-lo como um irmão, um amigo, colaborador do nosso serviço a e com Deus e com os outros.
Não tenho dúvidas de que os seus muitos anos na Argentina de envolvimento com inúmeras pessoas economicamente pobres têm sido uma poderosa fonte de força e graça. Essas experiências o prepararam para ser observado pelo nosso espírito pastoral profundo, por seu desejo pela colegialidade e por sua visão de que todos nós, na comunidade católica, somos chamados a ser santos!
Eu sou uma católica, uma religiosa, uma Irmã da Misericórdia, nascida e criada nos Estados Unidos, especificamente na cidade de Nova York. Através de minhas experiências educacionais e de vida, cheguei à convicção de que nada menos do que todas as mulheres na comunidade católica não terem a possibilidade de estar em todos os ministérios de nossa Igreja é não somente deficitário, errado; trata-se também de um escândalo para a nossa Igreja e para o mundo.
Por muito tempo, acreditei que a comunidade católica pudesse servir como modelo e instrumento de reforma para os governos e religiões em todo o mundo que permitem e, até mesmo, aprovam leis segundo as quais as mulheres são menos do que plenamente humanos; que as mulheres são objetos a serem explorados; que é aceitável e, até mesmo, natural violar, vencer e abusar de mulheres física, psicológica e sexualmente.
Para que a Igreja Católica seja a agente da mensagem de Deus para o nosso século XXI, precisamos ter uma visão de que a degradação das mulheres em todo o mundo, em todos os países de nosso planeta, é a questão principal e originária da violência social e religiosa.
Nós, enquanto comunidade católica, somos chamados e chamadas a proclamar, integralmente e com amor a toda a comunidade planetária, que tais crenças e ações escandalosas de desigualdade de gênero são formas e manifestações de idolatria. Quando a idolatria está presente Deus não está no meio de nós. Precisamos levar um Deus de amor, de carinho, um Deus criativo para o centro de nossas vidas cotidianas, erradicando todas as formas de desigualdade de gênero. Somente então Deus, como companheiro, Mãe, Pai, como nossa Fonte Divina de graça, estará presente em nosso mundo.
Exorto-o, Papa Francisco, a ouvir as mulheres de nossa Igreja e do mundo que clamam em agonia como as mulheres ao longo dos tempos fizeram. Somente a igualdade radical (em suas raízes) de gênero na Igreja e na sociedade irá começar a diminuir a violência, o ódio e outras formas de desumanidade em nosso mundo hoje.
Trinta e seis anos depois, a liderança de Kane não é menos impressionante.
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Mensagem de Theresa Kane para o Papa Francisco: erradicar o escândalo da desigualdade de gênero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU