14 Setembro 2015
A foto do menino sírio de três anos Aylan Kurdi, morto sobre a areia da praia de Bodrum (Turquia), comoveu a consciência dos europeus. Os sinais de alerta tinham sido dados há poucos meses com a chegada de algumas centenas de milhares de refugiados fugindo de seus países em guerra, mas a União Europeia não havia atuado com certa firmeza até que essa imagem de horror mobilizou boa parte dos cidadãos. Agora parece decidida a realizar uma mudança radical no modelo de imigração e asilo.
A reportagem é de Javier Ayuso, publicada por El País, 13-09-2015.
Os refugiados eram, até muito recentemente no Ocidente, fotos e imagens nos jornais e na televisão. Algumas terríveis, mas com a distância da África e da Ásia não impactavam tanto. O conflito na Ucrânia aproximou a tragédia da Europa próspera e levou dezenas de milhares de ucranianos a pedir asilo na Rússia de Putin. Mas só nos últimos meses, com a chegada em massa às costas de Grécia e Itália de famílias inteiras fugindo de Síria, Afeganistão, Iraque e Eritreia, que os europeus passaram a ter consciência da tragédia.
Dezenas de milhares de pessoas avançam a cada dia pelas estradas de Grécia, Macedônia, Sérvia e Hungria tentando chegar à Alemanha; ou formam acampamento na costa francesa de Calais buscando uma oportunidade de atravessar para o Reino Unido. Acampam nas praças das cidades ou nas estações de trem; fazem parte da vida cotidiana dos países europeus. E, na maioria dos casos, essa legião de párias é encabeçada por centenas de crianças nos colos de seus pais e mães.
Até agora, os países mais pobres vinham sendo os mais solidários com os 60 milhões de deslocados e refugiados que existiam no mundo no final de 2014, um aumento de quase 50% em apenas dois anos. Hoje a cifra pode superar os 62 milhões, uma legião que representaria o 24º país do mundo em população. E isso sem contar os chamados “emigrantes econômicos”, que abandonam seus povos em busca de uma vida melhor e que não têm o apoio legal dos estatutos do refugiado político.
A agência das Nações Unidas para os refugiados (ACNUR) e as principais ONGs diferenciam deslocados de refugiados. Ambos são pessoas que têm que abandonar seus lares por culpa de uma guerra, porque são perseguidas por raça, etnia... Mas os primeiros ficam em seu país e os segundos se instalam em outra nação. Entre os dois somam 42.500 pessoas que têm que abandonar suas casas a cada dia no mundo; desses, metade com menos de 18 anos e a metade desses, crianças.
A Europa recebeu pelo mar até o momento este ano cerca de 380.000 refugiados, segundo os dados oficiais. Esse número superaria os 480.000 se fossem contabilizados os que chegam por via terrestre, segundo ONGs, e pode chegar a quase 900.00 até o fim do ano, de acordo com as últimas estimativas do ACNUR. Parece muito, mas não é tanto se comparado com a população europeia: 500 milhões de pessoas. A chegada de refugiados representa 0,2% dos habitantes do velho continente.
As cotas que serão estabelecidas na próxima semana pela Comissão Europeia representam um alívio importante para os perseguidos que esperam ser acolhidos, mas só trará solução para 200.000 pessoas. As ONGs consideram um bom começo, mas insuficiente, já que as guerras na Síria e no Iraque continuarão levando famílias inteiras a fugir do terror.
Na última sexta-feira, a Plataforma do Terceiro Setor da Espanha enviou uma carta aos ministros da Justiça, Rafael Catalá, e do Interior, Jorge Fernández Díaz, que vão participar na segunda-feira de uma reunião extraordinária em Bruxelas, pedindo-lhes por medidas urgentes para “salvar vidas de uma forma eficiente e humana”. As ONGs inscritas nessa plataforma solicitaram medidas concretas de acesso ao território, programas de reassentamento e políticas de apoio ao reagrupamento familiar.
Na maioria dos países europeus está acontecendo um movimento de solidariedade, ainda que também existam ativistas xenófobos que se opõem a receber os refugiados. Acolher tem sido a atitude decisiva da chanceler alemã, Angela Merkel, e do presidente francês, François Hollande, o que tem conseguido destravar o problema. O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, e o premiê britânico, David Cameron, retificaram suas posturas iniciais. Rajoy aceita as cotas propostas. E Cameron (isento das cotas por seus acordos com a UE) prometeu acolher “milhares” de refugiados.
Outros países muito mais pobres, como Turquia, Paquistão, Líbano, Irã, Jordânia e Etiópia, acolhem 45% do total de refugiados que vagam pelo mundo. A solidariedade é maior entre iguais, e mais da metade das pessoas que abandonam seus países em busca de uma vida melhor provém da Síria, Afeganistão e Somália.
Na verdade, os maiores campos de refugiados do mundo se situam na África e na Ásia. O maior deles é o de Dadaab (Quênia), que há 20 anos acolhe somalis que fogem de um Estado falido; atualmente abriga 470.000 pessoas. Depois vem os de Zaatari (Jordânia), a apenas 15 quilômetros da fronteira sul da Síria e que acolhe atualmente 81.000 pessoas que fugiram da guerra em seu país; Nyarugusu (Tanzânia), com 68.000 refugiados da República Democrática do Congo; Tamil Nadu (Índia), com 67.000 tâmeis do Sri Lanka; Urfa (Turquia), com 66.000 sírios; Nakivale (Uganda), que dá refúgio a 61.000 ruandeses que fugiram da revolução hutu; Pamian e Old Shamshatoo (Paquistão), com 56.000 e 53.000 afegãos, respectivamente; Melkadida (Etiópia), onde vivem 42.000 somalis; e Bredjing (Chade), criado em 2003 após a tragédia de Darfur e que abriga na atualidade mais de 40.000 sudaneses.
Os dados do ACNUR mostram, ainda, que a vida do refugiado é uma viagem sem volta. Apenas 100.000 pessoas voltaram a seus países de origem em 2014. Apenas em 1996 e 2003 houve retornos significativos de refugiados a seus países natais. As máfias só levam as pessoas em um sentido e, além disso, os problemas que as levaram a abandonar suas pátrias não foram solucionados. As guerras continuam causando estragos e não há perspectivas de que acabem a curto prazo.
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Um êxodo de 60 milhões de pessoas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU