25 Agosto 2015
Durante anos a América Latina exportou suas matérias-primas para as vorazes fábricas chinesas e assim alimentou sua economia. Mas agora que a China passou a priorizar o consumo de seus cidadãos sobre a produção industrial, como a região vai reagir? A vertiginosa expansão chinesa impulsionou economicamente as nações latino-americanas, e em troca a região recebeu os produtos acabados das indústrias desse país, créditos de seu sistema bancário internacional e forte investimento em infraestrutura.
A reportagem é de Diego Arguedas Ortiz, publicada por Envolverde, 24-08-2015.
Mas, diante do freio a esse explosivo crescimento, os países latino-americanos têm duas opções: avançar para uma economia de maior valor agregado ou perder relevância com um modelo econômico obsoleto herdado do século 20, segundo vários especialistas ouvidos pela IPS.
“Nos últimos cinco anos, a relação entre América Latina e China esteve dominada pelo envio por parte dos latinos de algumas matérias-primas para a China, e pela exportação por este país de bens manufaturados para os países latino-americanos”, explicou a norte-americana especialista em China, Rebecca Ray. “Mas isto pode estar prestes de mudar”, afirmou a também pesquisadora da Universidade de Boston e coautora do Boletim Econômico China-América Latina da Iniciativa Mundial de Gestão Econômica (Gegi).
Segundo Ray, os governantes chineses estão se voltando para uma estratégia de desenvolvimento com ênfase em crescimento lento mas sustentado, que prioriza o consumo interno de seus cidadãos sobre a produção de suas fábricas, o que abre espaços para importação de bens manufaturados de outros países.
O caminho para esse futuro foi um dos eixos dos debates do Fórum de Cooperação América Latina-Ásia do Leste, reunido nesta capital costa-riquenha entre os dias 18 e 21 deste mês, do qual participaram chanceleres e altos funcionários de 36 países, sob o conceito de “duas regiões, uma visão”.
Diante do esfriamento da economia chinesa, os tomadores de decisão é que devem assumir a iniciativa e propor alternativas econômicas de maior valor agregado, conforme sugeriram de forma unânime os especialistas consultados. Até agora a região demorou em dar o salto. Apenas cinco produtos primários (soja, ferro, petróleo, cobre bruto e cobre refinado) representam 75% das exportações para a China e a presença de bens manufaturados é mínima.
Entretanto, o outro grande eixo econômico entre China e América Latina, o investimento em infraestrutura, poderia, paradoxalmente, se beneficiar com a desaceleração e a reforma na direção da economia chinesa, acrescentaram os especialistas. O freio da locomotiva econômica global desde 2014, quando o crescimento chinês foi de 7,4%, o menor em 24 anos, “pode afetar as economias que dependem dessas matérias-primas. Mas, por outro lado, os investimentos chineses em infraestrutura podem ajudar outras indústrias”, afirmou Ray.
Para esta especialista, bem administrados, os projetos com capital chinês podem fechar as históricas brechas da região em infraestrutura e servir de plataforma para o desenvolvimento de outras indústrias, que possam se valer do investimento em transporte e energia, dois grandes eixos para os asiáticos. “Esperamos que os tomadores de decisões usem esta oportunidade para potencializar o desenvolvimento de indústrias não tradicionais”, acrescentou.
Keiji Inoue e Sebatián Herreros, da Divisão de Comércio Internacional e Integração da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), concordam em apontar que a nova realidade chinesa alimenta essa oportunidade. “Na medida em que esses projetos estejam alinhados com as prioridades dos países da região, uma presença maior chinesa poderá contribuir para fechar gradualmente a brecha de infraestrutura que caracteriza a América Latina, e deste modo fortalecer a integração regional e melhorar sua competitividade internacional”, afirmaram em uma análise conjunta elaborada para a IPS.
Recordaram que a vocação chinesa pela infraestrutura latino-americana tem entre seus componentes a busca de seus bancos para colocar superávits na poupança dessas economias. Mas o modelo da crescente relação da região com a China não permite o otimismo. Até agora, as exportações regionais para esse país “criam menos empregos, geram mais gases-estufa e usam mais água do que outras exportações da América Latina e do Caribe”, segundo uma análise do Gegi.
Entretanto, a China propicia e financia polêmicos megaprojetos na região, como o Grande Canal da Nicarágua, a cargo do grupo chinês Hong Kong Nicaragua Canal Development (HKND-Group), no valor de US$ 50 bilhões, e a Ferrovia Transcontinental de cinco mil quilômetros, destinada a ligar Brasil e Peru, ainda em fase exploratória.
Executivos da empresa chinesa HKDN-Group atrás de uma grande faixa, no dia 22 de setembro de 2014, em Brito Rivas, na costa do Oceano Pacífico, no ato de início formal da gigantesca obra do Grande Canal da Nicarágua, que dividirá o país em dois.
Os investimentos chineses também potencializam uma relação comercial baseada em matérias-primas. Segundo a Cepal, entre 2010 e 2013 quase 90% do investimento chinês na região se dirigiu a atividades extrativistas, particularmente minérios e hidrocarbonos. “Desta perspectiva, efetivamente, a importante demanda da China em nível global por matérias-primas consolidou e reforçou a especialização nesses processos, também conhecido como ‘reprimarização’ econômica”, explicou à IPS o coordenador do Centro de Estudos China-México, Enrique Dussel.
Entretanto, o pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México foi enfático ao afirmar que, diante dos sinais, os países latino-americanos devem responder. “A responsabilidade e necessidade de uma tomada de decisão está do lado da América Latina e do Caribe, e não da China”, ressaltou.
Esta reprimarização regional ocorreu quando a América Latina se deixou seduzir pelas ondas de preços altos das matérias-primas durante a década passada e priorizou estas exportações sobre outras de maior valor agregado. Assim, a participação de produtos primários nas exportações regionais aumentou de 44%, no início deste século, para mais de 60%, cifra inédita desde o começo da década de 1990, segundo estudos da Cepal.
Por sua vez, os produtos manufaturados somam 64% das exportações chinesas para a região e compreendem bens menos sensíveis a variações nos preços, como máquinas e artigos eletrônicos. Entre 2000 e 2014 as importações totais da China passaram de representar 2% para 14% do total regional.
Dussel explicou que o crescimento chinês ressaltou os graves problemas das exportações regionais. A seu ver, estes não residem necessariamente na prevalência de matérias-primas, mas no fato de estas indústrias terem “valor agregado e nível tecnológico mínimos”.
Para Inoue e Herreros, da Cepal, há uma oportunidade nas mudanças de orientação do desenvolvimento chinês. Afirmaram que, “em termos simples, o redirecionamento chinês tem o objetivo de reduzir a importância relativa do investimento e das exportações no crescimento de sua economia, apoiando-se em um maior peso do consumo das famílias. Na medida em que este processo tiver efeito, isso deverá favorecer a diversificação das exportações latino-americanas para a China”.
Os dois especialistas esperam que setores como a agroindústria e os alimentos pesados possam ganhar protagonismo na região, embora alertem que os efeitos deverão demorar anos para serem vistos, e, para que se concretizem, os tomadores de decisões deverão dar passos ambiciosos para a consolidação da região como um bloco comercial.
“Também é preciso avançar mais decididamente para um mercado regional verdadeiramente integrado. Isso aumentaria a atração e o poder de negociação da América Latina frente à China, ao restante da Ásia e diante dos outros grandes atores da economia mundial”, ressaltara Inoue e Herreros.
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América Latina ouvirá alerta da China? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU