11 Dezembro 2014
A América Latina busca um modelo. Acabada a época da bonança, dos crescimentos regionais de 5%, a zona fixou seu olhar no futuro e foi assaltada pela dúvida. E agora? Essa é a pergunta que, como um dardo, cruza os corredores e conciliábulos da Cúpula Ibero-Americana que se realiza na tropical cidade de Veracruz, no México. Nenhuma resposta conseguiu unanimidade, mas no horizonte das discussões surge uma fórmula dupla: reformas estruturais de calado e um forte impulso na qualidade educacional. É a receita de Veracruz.
A reportagem é de Jan Martínez Ahrens e Miguel González, publicada pelo jornal El País, 10-12-2014.
"Temos que entrar em uma segunda geração de políticas públicas para voltar ao crescimento. Estamos diante de um fim de ciclo no entorno internacional, e a única forma de enfrentá-lo é com uma revolução da produtividade e uma explosão da inovação", afirma a titular da Secretaria Geral Ibero-Americana, Rebeca Grynspan.
Diante da repentina desaceleração e do iminente fim do financiamento barato via dólar, os chefes de governo latino-americanos seguem com atenção a evolução de Espanha e México, países que adotaram reformas profundas e, em alguns casos, infelizes. Embora elogiados pelos organismos internacionais, especialmente o FMI, nenhum pode ostentar ainda a palma da vitória. No caso mexicano, a agenda econômica completou a fase legislativa, mas sem conseguir a reação esperada: o crescimento do PIB continua abaixo da média dos últimos 20 anos e até 2015 não deverá superar a barreira psicológica dos 3%. E na Espanha, embora [o primeiro-ministro Mariano] Rajoy ostente com orgulho o maior crescimento da zona do euro (1,7% em 2015 segundo o FMI, 2% ou mais segundo o governo espanhol), ainda apresenta o triste recorde de desemprego, com 23,64%.
Não se trata de um quadro tranquilizador. Mas aos olhos de países que viram se esgotar o boom das matérias-primas e renascer o espectro das tensões sociais, a busca de políticas fortes tornou-se premente. O risco de se desligar das novas correntes internacionais de prosperidade palpita cada dia mais forte.
"Não soubemos tirar proveito da riqueza acumulada nestes anos, não se investiu onde se devia, em educação, infraestrutura e inovação. E existe o perigo de perdermos outra vez a oportunidade. É preciso abrir-se para o mundo", salientou o presidente da Costa Rica, o historiador Luis Guillermo Solís, para quem o caminho a seguir é claro: "É preciso apostar nas transferências de tecnologia, acabar com a monogamia mercantil e encadear-se à economia global."
Essa necessidade de abertura econômica coincide com o fortalecimento das opiniões públicas, cada vez mais exigentes e informadas. A transparência se transformou em necessidade, na opinião dos especialistas. Não só para frear a corrupção, que gangrena 7% do PIB latino-americano, como para liberar o potencial econômico. Um desafio ao qual, segundo Grynspan, só se pode reagir com uma agenda urgente, que tenha em sua base uma aposta educacional forte, de melhora da qualidade.
"A mudança está ocorrendo em uma velocidade sem precedentes, está em marcha uma revolução com as tecnologias digitais. Não serão os recursos naturais que decidirão o futuro ibero-americano, e sim o capital humano", afirmou em Veracruz a presidente do Banco Santander, Ana Patricia Botín, cuja entidade investirá US$ 945 milhões em quatro anos em um programa de apoio a projetos universitários na área.
O avanço educacional, entretanto, se choca com um muro fortemente assentado na América Latina: a desigualdade social. Só 9% dos alunos procedentes dos 20% da população mais pobre têm acesso à universidade, contra 50% dos 20% mais ricos. "É terrível, significa que a desigualdade é transmitida por gerações", disse o secretário-geral da OCDE, José Angel Gurría.
Mas a receita de Veracruz para acabar com esse flagelo não é do gosto de todos. No continente está se abrindo uma imensa brecha. As ausências na Cúpula Ibero-Americana (até o final desta segunda-feira, 8, de Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia e Nicarágua) demarcam o perímetro dessa fratura. O Brasil, com uma configuração econômica muito personalizada, anda absorto em seu próprio labirinto. A Argentina cambaleia, devorada pela recessão. E a crise da Venezuela se acelera tanto quanto suas propostas de resolução a distanciam sem remédio do eixo mais liberal, uma de cujas representações mais significativas é a Aliança do Pacífico, formada por México, Colômbia, Chile e Peru (36% do PIB latino-americano). Esse espaço, que eliminou as tarifas de 92% dos produtos, está demonstrando uma vitalidade inusitada, a ponto de que já planeja sua expansão comercial para os países asiáticos.
Uns e outros andam em direções opostas. Esse distanciamento nos eixos latino-americanos prenuncia uma época de atritos. Ninguém duvida de que seja impossível a homogeneidade na condução econômica de uma área de 605 milhões de habitantes (10% do PIB mundial), mas os presidentes conhecem o poder curativo das sinergias.
"O crescimento da economia e dos intercâmbios comerciais entre os países da Ibero-América é condição indispensável para conseguir maiores índices de bem-estar, uma melhor distribuição da riqueza e lutar contra a praga do desemprego", salientou o rei da Espanha em Veracruz. Ou, nas palavras da secretária-geral ibero-americana: "Se você quiser ir rápido, vá sozinho; mas se quiser ir longe, vá acompanhado."
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América Latina busca novo modelo de crescimento econômico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU