Por: André | 13 Julho 2015
Reconheço que quando, à noite, olhei atentamente a troca de presentes entre Evo Morales e o Papa Francisco, senti certa surpresa: o presidente dava ao Papa um crucifixo de madeira em formato de cruz e martelo! Uma provocação engenhosa e desnecessária, pensei. Também intui que essa imagem daria a volta ao mundo, e provocaria múltiplas reações, quase nenhuma positiva. Não me enganei.
A reportagem é de Jesús Bastante e publicada por Religión Digital, 09-07-2015. A tradução é de André Langer.
Horas depois, veio a explicação, que não é frívola. Esta cruz é uma réplica daquela que usava em seu escritório o jesuíta Luis Espinal, a quem o Francisco rendeu uma merecida homenagem no local em que foi encontrado o seu corpo no dia 21 de março de 1980. Três dias antes do assassinato de dom Romero. Os dois, vítimas da violência da extrema direita, acusados de comunistas. Romero já é beato. E poucos duvidam que, depois da homenagem que lhe rendeu o Papa, Luis Espinal também o será dentro de pouco tempo.
Muitas pessoas ficaram indignadas com Evo Morales pelo fato de dar ao Papa uma cruz com os sinais de uma ideologia totalitária, que causou milhões de mortos em todo o mundo e que perseguiu com ódio os cristãos durante décadas. Nada dizem, provavelmente porque não o sabiam, sobre o fato de que essa cruz foi idealizada por um mártir da fé, o jesuíta Espinal. Também não dizem nada sobre a utilização, em nome da falsa religião, da cruz para a conquista, para o massacre e a imposição de ideologias totalitárias. Não é hora para colocar uma balança, talvez porque, por sorte, Cristo se impõe a qualquer medida.
É preciso tirar a cruz do jogo político, da ideologia que for. Diz o Papa: o cristianismo não é uma ideologia, é uma forma de vida, é um modo de construir uma sociedade mais justa e solidária. Aqueles que se queixam da utilização da cruz por Evo Morales deveriam olhar para a própria utilização, maniqueísta, sem dúvida, que fazem em certas ocasiões da Cruz como sinal de divisão e não de encontro. De morte e não de vida.
Devemos acrescentar, certamente, que a atitude de Francisco foi exemplar: aceitar o presente, mas não ostentá-lo. Contudo, surgem em mim algumas dúvidas sobre a mistura de símbolos que, por outro lado, não deveriam ser contraditórios. Mas vivemos em uma sociedade simbólica, para o bem ou para o mal.
Cristo não foi comunista nem responsável pelas atrocidades desse regime em tempos de Stalin, por exemplo. Também não foi responsável por aquelas atrocidades que foram cometidas por outros em seu nome, que se dedicaram a levá-lo sob o pálio ou a encerrá-lo em jaulas de ouro e diamante. Ou a construir mausoléus presididos por ela sob os ossos de muitos mortos. Contudo, a cruz que mais impacta, nesta viagem, e diante da qual Francisco se inclinou para rezar, foi aquela que recorda a morte do jesuíta Luis Espinal, torturado e assassinado por proclamar Aquele que esteve pendurado no madeiro.
Porque não devemos esquecer o seguinte: o madeiro ficou vazio. A vitória é a sepultura aberta, a Ressurreição, não a Morte. A cruz, por mais que se empenhem os mais radicais de um lado ou de outro, não é o sinal fundamental do ser cristão. É Jesus, sua vida – também sua Paixão e Morte – e, sobretudo, seu modo de vencer a Morte. E o apelo para construir o Reino aqui e agora. O Cristo das Bem-aventuranças, pelo qual lamentavelmente morreram, ao longo dos séculos, milhões de cristãos: desde os mártires do Coliseu até os mártires da “perseguição religiosa” da Espanha da década de 1930 ou as vítimas do Estado Islâmico; desde Romero até Ellacuría, Angelelli ou – sim, também – o “vermelho” do Luis Espinal.
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A cruz de Luis Espinal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU