Por: André | 18 Junho 2015
A agenda argentina e a francesa coincidem em Paris em torno desse crime da finança internacional facilitado pelos bancos, que é a evasão fiscal, e os multiterritoriais paraísos fiscais. Nesta quinta-feira 18 o Senado francês organiza um colóquio sobre o tema “Uma nova etapa para lutar contra a evasão fiscal e regular as finanças?” O presidente da AFIP (órgão similar à Receita Federal brasileira), Ricardo Echegaray, participa deste colóquio junto com os membros da comissão bicameral argentina composta por cinco deputados e cinco senadores.
A reportagem e a entrevista são de Eduardo Febbro e publicadas por Página/12, 17-06-2015. A tradução é de André Langer.
O presidente da AFIP fará uma colocação no Senado francês e também terá uma conversa com Hervé Falciani, o ex-funcionário do HSBC que revelou o mecanismo pelo qual este banco operava como ponte de evasão fiscal em muitos países do mundo. O encontro no Senado francês contará com a presença de dezenas de personalidades e dirigentes políticos e pretende formular “propostas precisas, em particular legislativas, tanto ao nível europeu como mundial, para iniciar uma nova etapa e reforçar a mobilização política e cidadã”.
Mas antes deste evento a embaixadora argentina na França, María del Carmen Squeff, organizou na quarta-feira 17 um encontro na sede diplomática argentina da capital francesa com Ricardo Echegaray, os integrantes da bicameral e Stéphanie Gibaud, ex-funcionária do UBS – União de Bancos Suíços – que descobriu e revelou a poderosa maquinaria que o UBS havia posto em marcha para facilitar a evasão fiscal para a Suíça.
Stéphanie Gibaud é um emblema do que pode acontecer com quem ousar dar o passo e denunciar as práticas ilícitas do sistema bancário nos países ocidentais. Gibaud é o que se conhece em inglês como uma whistleblower, isto é, uma pessoa que vaza informações comprometidas a favor do bem comum. Só que, como ocorreu com muitos vazadores – Edward Snowden, Julian Assange, John Kiriakou ou Bradley Manning –, a defesa desse bem comum torna-se uma condenação. Perseguidos pela Justiça e pelos serviços secretos, acossados pelas empresas ou instituições que denunciam, exilados, sem trabalho, acusados de traidores, incompreendidos pela opinião pública, o destino destes heróis modernos da verdade é simplesmente terrível.
O destino de Stéphanie Gibaud não escapa desta tragédia. A mulher não trabalhava na estrutura financeira do banco, mas como responsável pelo que em francês se conhece como marketing événementiel, ou seja, a montagem de eventos para os clientes do banco. Mas esses eventos tinham um objetivo muito diferente daquele enunciado inicialmente: tratava-se de colocar em contato os abastados clientes franceses com os gestores de contas do UBS na Suíça para captar seu dinheiro.
Em 2008, depois do estouro nos Estados Unidos do escândalo da evasão fiscal protagonizado por este banco, a direção do UBS exigiu que Stéphanie Gibaud apagasse os documentos em sua posse (nomes dos clientes, gestores de contas, etc.). Ela se nega e exige uma ordem escrita. Ali começa seu inferno. Não descobriu apenas o caráter ilegal das atividades do banco, mas, além disso, vai denunciá-las. Na França, sua intervenção conduzirá à imputação do UBS por lavagem e fraude. Demitida do trabalho, acossada pelo UBS, Stéphanie Gibaud pagou um alto tributo por seu gesto. Está há mais de três anos sem encontrar trabalho, nem no setor público, nem no privado.
Esta história, ao mesmo tempo pública e íntima, está narrada no livro que Stéphanie Gibaud escreveu em 2014, La femme qui en savait vraiment trop. Les coulises de l’évasion fiscale en Suisse (A mulher que verdadeiramente sabia demais. Os bastidores da evasão fiscal na Suíça). Stéphanie Gibaud detalhou na quarta-feira 17 na Embaixada argentina de Paris os dispositivos dessa evasão fiscal que atormenta todas as economias do mundo. Mas não é sua única batalha. Vítima do peso sufocante dos Estados e das instituições financeiras, Stéphanie Gibaud pedirá ao Estado argentino que interceda junto às Nações Unidas e aos demais países do G20 para a adoção de uma legislação internacional específica para proteger as pessoas que vazam informações que, em nome de todos os cidadãos e da Justiça, revelam as irregularidades e armadilhas protegidas por interesses colossais.
Eis a entrevista.
A mulher que realmente sabia demais, o título de seu livro deixa intuir uma história execrável. Em que momento você começou a saber demais?
A partir do momento em que comecei a me fazer perguntas que ultrapassavam o meu ofício. Eu tinha um trabalho de representação, isto é, de imagem. No banco, meu posto chamava-se “embaixador da marca”. O que eu fazia era organizar eventos com as marcas de luxo para nossos clientes. Para mim, todo o resto estava submerso. Mas quando me pediram para que destruísse os arquivos e não entendi por que exigiam isso de mim, comecei a puxar o fio. Por conta de puxar o fio, vi coisas que não devia. Os colaboradores do banco me explicaram o perigo penal que corriam caso eu revelasse o que havia descoberto. Também me contaram sobre as bonificações que recebiam por cada cliente que atraíam à sucursal suíça do banco. Eu não sabia que tudo isso era ilegal. De fato, o banco UBS França não podia proceder assim segundo a lei: os bancos offshore e onshore são ofícios diferentes. Mas aqui foram juntados; colocou-se o bom grão e grão ruim na mesma cesta.
Você descobriu nessa época que existiam duas contabilidades.
Sim, fiquei sabendo da existência de uma contabilidade puramente manual, paralela, escrita à mão, dentro do próprio banco. Falei para mim mesma: isto não é possível! Os colaboradores, os gestores das contas que ajudavam os clientes a transferir seu dinheiro para contas offshore, não declaravam essas quantias na contabilidade legal do banco, mas em uma caderneta escrita à mão. Essa caderneta permitia-lhes, além disso, estabelecer a contabilidade de suas bonificações. Os gestores de contas são como agentes comerciais: têm objetivos comerciais e devem cumpri-los.
Assim como no caso do HSBC, o sistema do UBS também girava em torno da deslocalização da informação.
Eu via as coisas como através de um prisma. Depois, através do prisma dos outros pude reconstruir a teia e ver além das paredes. Assim compreendi algo tão simples como a deslocalização. Por exemplo, hoje, no UBS França, uma parte do serviço de recursos humanos foi deslocalizado, transferido para a Polônia; o serviço de marketing foi transferido para a Índia e o sistema informático foi transferido para Mônaco. E o mais incrível é que o presidente do UBS França também é o chefe do UBS de Mônaco. Não sei se é realmente legal que uma pessoa seja simultaneamente responsável offshore e onshore. No entanto, trata-se de uma questão fundamental. Todo este sistema de evasão fiscal está pensado no mais alto nível da casa central de Zurique e aplicado depois em todo o planeta.
Em suma, pode-se perfeitamente falar de uma montagem especialmente desenhada para organizar a evasão fiscal para a Suíça.
Bom, desde 2008, as coisas mudaram. A Suíça aparece hoje como um país que fez esforços para melhorar. Desde que estourou o escândalo UBS nos Estados Unidos, com todas as medidas e sanções que foram adotadas, a Suíça antecipou o que ocorreria na Europa. Em resumo, os grandes fornecedores de fundos para a Suíça, os norte-americanos e os europeus, foram substituídos por pessoas da Rússia, da Índia, do Brasil, da Argentina. Os banqueiros disseram que as democracias dos países emergentes não iriam se interessar imediatamente pelo tema dos bancos ou pelas operações offshore. Pensaram que poderiam agir com total impunidade durante 30 anos. Mas tudo mudou.
Mas apareceu, entre outros, a Argentina para arruinar-lhes um pouco a festa. Acaso, não ficou assombrada com o fato de que um país da América do Sul entrasse na arena com tanta força?
É, com efeito, incrível que as boas notícias venham da América do Sul. Estamos aqui, na França, no país dos direitos humanos, e se deveria proteger os cidadãos em vez de proteger informações sensíveis, secretas, instituições financeiras. Por isso, é muito positivo o que acontece com a Argentina. A Argentina é uma democracia que tem memória.
Para você, pessoalmente, esta história foi muito sofrida.
Sim, sete anos de luta é muita coisa. Ao meu redor, as pessoas tiveram tempo para se casar, divorciar, ter filhos, voltar para casa, encontrar outro trabalho, ter aumentos de salário. Eu, há sete anos, luto com a mesma coisa. Mas sou muito positiva. Meu problema foi que estava sozinha. Mas pelo fato de estar sozinha e fazer barulho me converti um pouco no catalisador de muitas pessoas que vazam informações, de toda essa gente que vê coisas e diz: “eu, por consciência, não quero dar minha caução a isso”.
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“Puxei o fio e vi coisas que não devia”. Entrevista com Stéphanie Gibaud - Instituto Humanitas Unisinos - IHU