17 Junho 2015
O Papa Francisco fez uma oração nesse domingo pela sua próxima encíclica sobre o ambiente, pedindo a bênção de Deus para que "todos possam receber a sua mensagem". A se julgar pelo clima antes ainda que o documento apareça, no entanto, obter essa graça pode ser um milagre.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada no sítio Crux, 16-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em um sinal de agitação, a revista italiana L'Espresso postou na segunda-feira uma versão preliminar da Laudato si', o título da encíclica, três dias antes da sua data de lançamento oficial, nesta quinta-feira.
O Vaticano chamou o vazamento de "hediondo" e suspendeu as credenciais de imprensa do veterano vaticanista Sandro Magister. O chefe do departamento de língua alemã da Rádio Vaticano chamou o caso de "sabotagem" por parte de alguém que quer prejudicar a mensagem do papa.
Se fosse, de fato, uma tentativa de minar a encíclica, a L'Espresso não seria a primeira a sair do armário.
O ex-senador e candidato republicano à presidência dos EUA Rick Santorum, por exemplo, é um católico devoto que disse amar o papa, mas também chamou o aquecimento global de "farsa" e a pesquisa subjacente às descobertas sobre as mudanças climáticas, de "junk science" [ciência-lixo].
Em uma entrevista recente, Santorum aconselhou Francisco a "deixar a ciência para os cientistas" e, ao contrário, se concentrar na teologia e na moral. A sugestão era de que o pontífice, que estudou química quando universitário, não está no seu papel ao se pronunciar sobre algo que ultrapassa a sua competência. (Esse comentário foi o impulso para um meme da internet que reivindica que o Papa Francisco detém um mestrado em química, mais tarde desmentido.)
Outra cético das mudanças climáticas, o senador estadunidense James Inhofe, de Oklahoma, presidente do comitê do Senado dos EUA sobre o ambiente, disse na semana passada a uma plateia alinhada com o seu pensamento: "O papa deveria ficar no seu trabalho, e nós vamos ficar no nosso". E continuou: "Eu não vou falar sobre o papa. Deixem que ele cuide do seu negócio, e nós cuidamos do nosso".
Na verdade, há muita empolgação em outros setores em torno da encíclica. O documento já despertou comícios globais e campanhas publicitárias, incluindo um trailer de estilo hollywoodiano intitulado "The Encyclical", que se tornou viral na rede.
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A encíclica também inspirou o rabino estadunidense Arthur Waskow a escrever "Uma carta rabínica sobre a crise climática", dirigida "a todo o povo judeu, a todas as comunidades de espírito e ao mundo".
Até mesmo o líder budista Dalai Lama se uniu ao movimento, enviando uma mensagem aos seus 11,2 milhões de seguidores no Twitter na segunda-feira [leia aqui, em inglês].
Apesar de não haver referência à Laudato si' ou ao pontífice no tuíte, esta foi a primeira vez em mais de um ano que o Dalai Lama se referiu a questões ambientais.
Até mesmo os mais entusiasmados, no entanto, admitem que a carta encíclica provavelmente vai agitar um vespeiro de polêmicas.
O cardeal Óscar Rodríguez Maradiaga, de Honduras, que diz já ter lido a encíclica, descreveu-a como um "texto delicioso", que irá "medir a pressão" de questões como a "responsabilidade das grandes corporações na punição que estão infligindo ao planeta".
Rodríguez lidera um conselho de nove cardeais que aconselha o papa. Falando na Espanha no dia 12 de junho, ele disse que a encíclica vai dar "um grande choque" que vai fazer todo mundo pensar. Os jornais locais relataram que ele "riu" em relação àqueles que estão atacando o documento antes mesmo de lê-lo.
No entanto, Rodríguez reconheceu que ele irá gerar críticas. Ele até citou pontos específicos em que a repercussão provavelmente irá surgir, citando os Estados Unidos e a China como "os países ambientalmente mais prejudiciais".
Falando em Roma no mês passado, o cardeal criticou os "movimentos nos Estados Unidos" hostis à postura ambiental do pontífice.
"A ideologia em torno das questões ambientais também está ligada a um capitalismo que não quer parar de arruinar o ambiente, porque não querem abrir mão dos seus lucros", disse Rodríguez.
Um desses grupos, o Instituto Heartland, com sede em Chicago, disse ao Crux em um e-mail que eles irão ao encontro de "centenas de milhares de católicos com a nossa opinião sobre a encíclica do papa – contatos que coletamos desde a nossa viagem a Roma em abril", referindo-se ao seu protesto contra um congresso vaticano sobre a luta contra as mudanças climáticas.
Bill Patenaude, professor de teologia no Providence College e ex-autoridade do Departamento de Gestão Ambiental de Rhode Island, previu que a esquerda secular pode ficar tão nervosa quanto a direita pró-negócios quando os seus partidários realmente lerem o documento.
"O movimento ambiental tem sido liderado pela esquerda, muitas vezes pela esquerda muito progressista, por décadas", disse Patenaude ao Crux, dizendo que "não é à toa" que muitos conservadores acham que a versão liberal da ecologia é a única existente.
"Isso não é verdade, como São João Paulo II, Bento XVI e agora Francisco estão nos dizendo", disse Patenaude, prevendo que a Laudato si' vai desafiar as impressões do ambientalismo como uma clássica causa "de esquerda".
Até certo ponto, a disputa política sobre a encíclica é compreensível, já que o próprio Francisco disse que quer que ela tenha implicações políticas no mundo real.
No início deste ano, ele disse que queria vê-la publicada antes de um acordo promovido pela ONU sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e de uma cúpula da ONU sobre mudanças climáticas em Paris, no fim deste ano.
De acordo com uma fonte da Igreja familiarizada com o documento, a grande novidade é que ele "vem de um pastor que está pensando em todas as suas ovelhas".
A fonte, que pediu para não ser identificada porque não está autorizada a discutir a encíclica, disse que Francisco está buscando "uma ecologia mais integral que seja totalmente inclusiva e abrangente".
A ideia, disse a fonte, é que todos – desde alguém apaixonado pelas árvores ou pela água potável até as pessoas comuns que vivem em bairros comuns, passando por alguém que trabalhe pelas questões políticas ecológicas em Nova York ou em Washington – devem se sentir "chamados à ação".
Ninguém, disse a fonte, deve se sentir isento da convocação do papa.
"Ninguém deve poder dizer: 'Eu tenho a consciência limpa, porque a encíclica não está dirigida para mim'", disse.
Para Patenaude, o principal resultado político da carta pode ser a frustração das expectativas daqueles que poderiam reivindicar uma "vitória" a partir dela.
"Muitos dos nossos amigos conservadores sabem que serão desafiados pela Laudato si'", disse. "Eu não acho que muitos do outro lado do espectro estão esperando para ser desafiados – mas eles serão."
Uma dessas figuras poderia ser o senador estadunidense Edward J. Markey, democrata de Massachusetts e copresidente da Senate Climate Clearinghouse.
Na segunda-feira, depois de relatos sobre o vazamento do esboço da encíclica, Markey divulgou um comunicado dizendo que eles refletem o que o pontífice disse no passado: "Que a humanidade tem causado as mudanças climáticas, e que devemos agir agora para enfrentá-las".
"Estou ansioso para ler a encíclica do Papa Francisco na íntegra quando ela for liberada oficialmente e acolher esse chamado à ação para enfrentar o desafio geracional das mudanças climáticas", afirmava a declaração de Markey.
No entanto, dado o forte histórico de votos pro-choice de Markey, ele pode não ficar tão encantado com o parágrafo 120 da encíclica – que, se a versão vazada estiver correta, afirma que a defesa da natureza não é uma justificativa para o aborto.
(Não é necessário nenhum alerta de spoiler para isso, pois o Papa Francisco já condenou o aborto como uma prática "horrível".)
Como afirma Patenaude, o documento vai "chocar, deleitar e desafiar" praticamente todo o mundo.
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''Ecoencíclica'' do papa pode agitar um vespeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU