01 Junho 2015
"E o que quero mostrar aqui é que a preocupação da Igreja pela ecologia natural se baseia na crença, já afirmada claramente pelos papas João Paulo II (na Centesimus Annus, nn. 37-38) e Bento XVI (na Caritas in Veritate, n. 51), de que os males ambientais têm origem somente em uma falta de cuidado com a criação, mas também em uma falta de amor verdadeiro pelo próximo", escreve David Cloutier, professor de teologia moral e Ensino Social da Igrejaem na Mount St. Mary’s University (MD, em artigo publicado pela revista Commonweal, 28-05-2015. A tradução de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Em seu belo e novo livro intitulado “Finding and Seeking”, o eticista cristão Oliver O’Donovan oferece uma crítica estendida sobre o que chama de “antecipação” como fundamento da deliberação moral. A antecipação tem a ver com um “futuro de média distância” resultante das nossas ações, diferindo do “futuro mais próximo” imediato, de propósito específico das nossas ações, e do “futuro mais distante” que, para o cristianismo, repousa sobre a virtude da esperança.
O’Donovan sugere que a tomada de decisão boa envolve certa antecipação, mas ela “deve ser mantida em seu lugar”, porque a nossa capacidade de controlar o futuro a meia distância é “frágil”. Todos nós sabemos por experiência: se estivermos a contemplar uma mudança de emprego, poderemos perceber benefícios e custos específicos que resultarão imediatamente dele, e poderemos (como cristãos) esperar que estamos contribuindo para os propósitos de Deus neste mundo. Mas não podemos, de fato, saber muito claramente como, daqui a cinco anos, estará a nossa vida se pegarmos o emprego ou se o recusarmos. Quais oportunidades poderão vir com ele? O que acontece se haver uma mudança no modelo de negócio da empresa? As dúvidas são praticamente infinitas. Portanto, se nos prendermos a uma “exigência de definição”, baseando-nos em uma antecipação frágil, podemos acabar nunca decidindo e, com certeza, não iremos decidir corretamente.
A inquietação mais ampla de O’Donovan tem a ver com a forma como a nossa vida pública está, cada vez mais, determinada por esta “exigência de definição” das coisas. Candidatos, representantes e autoridades apresentam planos, e estes são avaliados com base “no que vai acontecer”. Isso resulta, inevitavelmente, em dois problemas. Um, surge uma “preferência pelo foco a curto prazo”, onde a previsibilidade está mais garantida. Dois, qualquer tentativa num foco a longo prazo significa que “deveremos fingir que temos uma previsão estatística científica, precisamente para adequar a nossa concepção generalizada do que deve ser uma tomada de decisão responsável”.
Mas tais “previsões” são, evidentemente, demasiado frágeis, resultando numa “confusão constante de antecipação especulativa com as ciências exatas”. A resposta à pergunta “o que vai acontecer” se, digamos, o salário mínimo for elevado é incerta – não inteiramente, é claro, e os economistas podem oferecer algumas afirmações razoáveis sobre as perdas e os ganhos aqui. Se a mão de obra estiver mais cara, uma empresa terá de pensar sobre várias situações – mas mesmo aqui as opções serão bem diferentes em circunstâncias também diferentes, com planos de negócios variados, em lugares e indústrias diversificados. Embora tudo isso tenha o seu valor, devemos colocá-los “em seu lugar” – não podemos dizer que os aumentos no salário mínimo simplesmente produzem resultados ou “bons” ou “maus”. A questão deve estar subordinada à pergunta sobre como a sociedade, como um todo, mantém salários justos ao longo do tempo.
O ensaio de O’Donovan, não obstante, me fez realmente pensar a respeito da vindoura encíclica sobre o meio ambiente e o lugar das mudanças climáticas dentro dele. “Antecipar” os efeitos das alterações climáticas é muitíssimo mais difícil do que antecipar os efeitos de uma mudança de emprego ou as que adviriam com o aumento no salário mínimo. Eventos climáticos extremos, como as precipitações sem precedentes no Texas e em Oklahoma ou a seca em curso na Califórnia, inevitavelmente levantam a questão sobre como as mudanças de temperatura na atmosfera afetam nos padrões climáticos.
Que os padrões climáticos são afetados não é questionável. Como eles são afetados é muito mais delicado. Com certeza, a possibilidade de efeitos extremamente maus deveriam pesar em nossas cabeças, especialmente tendo em conta a nossa atitude chocante para com, digamos, o ano de 2100, ano em que as crianças nascidas hoje provavelmente viverão para ver. Mas a contemplação de tais efeitos pode ter até mesmo efeitos paradoxais, levando-nos ao desespero, especialmente quando reconhecemos que quaisquer transformações individuais que possamos fazer podem se perder na atividade coletiva maciça da humanidade.
No começo deste ano participei de uma conversa em que uma amiga, moradora da região de Boston, afirmou que há muito tempo dirigia carros pequenos, mas que neste ano havia se cansado e, finalmente, acabou comprando uma camioneta. O que se deve fazer numa situação dessas? O que a pessoa definitivamente sabe é que este carro irá ajudá-la a suportar melhor um inverno rigoroso, e a “antecipação” do mundo em 2011 pode não ser um aspecto muito forte para uma avaliação em contrário.
Isso tudo aponta para algo central relativo à encíclica sobre o meio ambiente: a nossa cobertura midiática e a nossa política pública se fixam sobre a “exigência de definição”, e o problema sobre o qual o papa tem falado – a questão das as mudanças climáticas – receberá muita atenção. Isso é lamentável. O peso moral desta encíclica – e de qualquer encíclica – não repousa na “antecipação”. Em vez disso, ela provavelmente irá repousar em crenças tradicionais e fundamentais sobre duas coisas. Uma, que Deus ordenou a criação. O salmo responsorial para a missa de hoje era: “O céu foi feito com a palavra de Javé”. Isso não é uma previsão; é um ensinamento sábio sobre a boa ordem do mundo que nós, com arrogância, desfazemos por nossa conta e risco. Também não é uma previsão dizer que estamos desfazendo esta ordem; isso está bem claro. Estamos essencialmente usando a atmosfera como um depósito de lixo infinito – poder-se-ia dizer sem titubear: “O céu foi feito com as descargas dos nossos automóveis”.
E por que estamos fazendo isso? Para um propósito bom? A ênfase provável na “ecologia integral” irá sugerir que este nosso desordenamento da criação se entrelaça com o fracasso de amarmos o próximo à maneira como Cristo nos disse. Dito de outra forma: o problema com os carros grandes não é (simplesmente) os efeitos “antecipados” de todo esse uso de combustíveis fósseis; em vez disso, os carros são ruins para o nosso amor pelo próximo. Agora, não estou dizendo que, de alguma forma, os carros são ruins em si. Estou dizendo que os carros – ou pelo menos uma dependência absoluta deles – é ruim para a ecologia humana, não apenas para a ecologia natural. Na verdade, os carros podem ser a estratégia social mais importante para que as pessoas, nos EUA, evitem outros problemas.
Não devemos resumir os problemas ambientais a uma única coisa, como carros... Não mesmo. Mas uma das maiores estruturas de pecado que torna tão difíceis os esforços em lidar com as mudanças climáticas é que nós construímos uma sociedade onde nos tornamos demais dependentes dos carros. E o que quero mostrar aqui é que a preocupação da Igreja pela ecologia natural se baseia na crença, já afirmada claramente pelos papas João Paulo II (na Centesimus Annus, nn. 37-38) e Bento XVI (na Caritas in Veritate, n. 51), de que os males ambientais não têm origem somente em uma falta de cuidado com a criação, mas também em uma falta de amor verdadeiro pelo próximo. O uso excessivo de energia tem raízes profundas em nosso individualismo, em nossa preferência por seguirmos o nosso próprio caminho, qualquer que seja ele, e não na cooperação e interdependência. Francisco não precisará se basear no fundamento frágil da “antecipação” a fim de nos dizer isso.
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Antecipação e mudanças climáticas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU