Por: Jonas | 16 Abril 2015
Os filósofos gregos diziam que nem sequer Deus poderia mudar o passado. E a reação da Turquia diante das palavras do Papa Francisco a respeito do genocídio dos armênios demonstra uma tentativa de ocultar e invalidar um extermínio planejado, do qual existem provas documentais irrefutáveis. Foi o que explicou Aram I (foto), catholicos armênio da Grande Casa da Cilícia, ao Vatican Insider, enquanto continuam as reações turcas contra as frases que o Bispo de Roma pronunciou durante a liturgia de domingo passado. Segundo o líder do Catolicado da Grande Casa da Cilícia, que participou da cerimônia na Basílica de São Pedro, os cristãos ocidentais devem manifestar, nesta época, “de forma tangível e concreta”, sua proximidade com os cristãos do Oriente Médio. Contudo, Aram I acrescenta: “não estou dizendo que é necessário apregoar novas Cruzadas. Nós somos contra isto”.
Fonte: http://goo.gl/YS5ppA |
A entrevista é de Gianni Valente, publicada por Vatican Insider, 14-04-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Santidade, a Turquia reagiu com aspereza diante das palavras do Papa sobre o genocídio armênio. Esta reação possui legitimidade?
A dinâmica da reação nunca é boa, e nunca leva as pessoas pelo caminho de uma solução positiva dos problemas. Se a Turquia deseja enfrentar seriamente a questão do genocídio armênio, deve deixar de lado suas reações e tomar a iniciativa. Mais cedo ou mais tarde, terá que se reconciliar com a própria história. E se isto acontece, também haverá uma reconciliação com o povo armênio. Porque podem existir interpretações e aprofundamentos sobre muitos episódios individuais. Porém, o genocídio armênio não é nenhuma ficção. É história, e ninguém pode negar ou mudar a história.
A Turquia diz que não se pode usar a palavra genocídio, que surgiu na linguagem jurídica internacional em 1948...
Do genocídio armênio há prova irrefutáveis. Existem os documentos, as verificações, os depoimentos de testemunhas oculares, os relatórios dos diplomatas da época. E as investigações de legiões de historiadores, que em sua maioria não armênios.
Todos dizem o mesmo: foi um verdadeiro genocídio. E a intenção foi de genocídio. Queriam exterminar o povo armênio, cortar da historia e dos mapas tudo o que fosse armênio. A diáspora armênia é enorme. Na nação que se chama Armênia, atualmente, há 3 milhões de habitantes, ao passo que outros 8 milhões vivem em diferentes países. Quem criou esta diáspora? Não fomos nós que decidimos nos converter em uma diáspora. Inclusive, a diáspora armênia é em si uma constatação do que foi um genocídio no sentido real e também jurídico da palavra.
Também as reações turcas recorrem ao arsenal do enfrentamento religioso entre o islã e o cristianismo. Dizem que o Papa fez uma discriminação ao falar apenas dos sofrimentos dos armênios cristãos, ignorando os turcos muçulmanos...
Eu acredito que procuram, deliberadamente, delinear a questão em um marco errôneo, discutível e perigoso. O que aconteceu com os armênios, no genocídio, não foi planejado porque os armênios eram cristãos. O que o provocou foi a ideologia pan-turca, o panturquismo que inspirava as estratégias políticas e os planos dos Jovens Turcos. E os armênios eram o maior obstáculo para realizar esse projeto turco, centrado na afirmação da etnicidade turca. A simples presença dos armênios era um obstáculo para este projeto. Por isso, planejaram o genocídio. O fator religioso, no máximo, serviu de instrumento ideológico. E agora fazem isto também: estão usando a religião, procurando irritar a atual hipersensibilidade nas relações entre o islã e o cristianismo. E isto é inaceitável.
O Oriente Médio sofre por conflitos sectários. O senhor que vive lá, compreendeu o que verdadeiramente está ocorrendo?
Há muitos fatores que levaram à situação na qual nos encontramos. Existe o conflito entre xiitas e sunitas. E depois há muitas nações guiadas por regimes ditatoriais, e as pessoas estão cansadas de viver sob estes regimes opressivos. Em muitos países, há imensos problemas econômicos, com pequenas minorias muito ricas rodeadas por massas de miseráveis, e isto gera tensões entre os que têm muito e os que não têm nada.
E depois ocorrem os fluxos de armas e dinheiro, como disse o Papa.
Claro! Esta gente se mata com armas. Quem as deu? Eles respondem que compraram... E, então, quem lhes deu o dinheiro? Neste contexto, muitas vezes os que pagam um maior preço são os cristãos, poucos e indefesos. No entanto, continuamos sendo parte integral e inseparável das sociedades do Oriente Médio. Alguns cristãos se foram, mas outros ficaram. E as Igrejas compartilham a decisão de pedir aos cristãos que fiquem. O cristianismo não pode ser apresentado por ninguém como um elemento estrangeiro em um país no qual desde sempre vivemos.
O que pode ajudar os cristãos a superar este tempo de prova?
Conhecendo todos os problemas e as necessidades de nossos povos, percebemos que muitas urgências vão simplesmente muito além do que a Igreja pode fazer. Devemos ser realistas. Nós não podemos resolver todos os nossos problemas. Por isso, o enfoque possível e necessário é um enfoque pastoral. Acompanhar nosso povo, procurar estar com ele, ajudá-lo a permanecer unido em meio aos problemas nos quais está submergido. Por outra parte, neste momento, a solidariedade de nossos irmãos e irmãs que vivem no Ocidente e em todo o mundo é muito importante. É o momento para que a Igreja no Ocidente expresse, de maneira mais concreta e tangível, sua proximidade com os cristãos do Oriente Médio.
Há aqueles que, em nome da defesa dos cristãos, propõem e justificam inclusive possíveis intervenções militares...
Não estou dizendo que seja necessário apregoar novas Cruzadas. Nós somos contra isto. É necessário encontrar vias cristãs para expressar a proximidade aos cristãos do Oriente Médio. Devemos evitar os dois extremos. O extremo dos que se agitam e dizem que é necessário fazer algo e ir ao Oriente Médio para proteger os cristãos. E o extremo oposto, do imobilismo que se converte em indiferença. Todos devem perceber que os cristãos no Oriente Médio não foram abandonados. Que fazem parte de uma só Igreja de Cristo, que fazem parte do único Corpo de Cristo. E essa mensagem deve ser enviada aos líderes políticos e religiosos do Oriente Médio. Não se trata de fazer pressões, nem de usar linguagens ameaçadoras, mas dizer: nós somos irmãos, vivemos em diferentes partes do mundo, mas pertencemos uns aos outros, e nos queremos. Porque todos nós pertencemos a Cristo. Este sentido de comunhão pode ser expresso de diferentes formas. É o que o Papa está fazendo.
E em nível político, o que as potências regionais e globais devem fazer?
Se as potências ocidentais querem ser sérias em relação ao Oriente Médio, devem ajudar os povos e os líderes políticos e religiosos a se comprometer em processos de construção nacional. E para isso repetir que cada cidadão, cristão ou muçulmano, é igual perante a lei, e que possui os mesmos direitos e responsabilidades.
O Papa Francisco falou muitas vezes sobre o ecumenismo de sangue. Enquanto isso, os cristãos do Oriente Médio continuam divididos. Quais são os obstáculos que impedem a plena comunhão, inclusive sacramental, entre aqueles que compartilham a mesma fé?
Para nós, a unidade dos cristãos é uma meta para a qual devemos caminhar irrenunciavelmente. Estamos envolvidos em um diálogo teológico ao redor de temas controvertidos que no passado provocaram divisão, para verificar se mediante um processo é possível chegar a uma convergência. E depois vem o nível da vida cotidiana. Há muitos campos e muitas questões nos quais as Igrejas podem atuar juntas e expressar, agora, sua unidade.
Por exemplo...
Propus ao Papa que poderia ser uma boa ideia fixar uma data comum para celebrar os mártires cristãos. O dia de todos os mártires, assim como celebramos o dia de todos os santos. E, depois, encontrar para cada ano uma data comum para celebrar a Páscoa, e acabar de vez com a celebração separada entre as Igrejas que continuam o calendário juliano e o gregoriano. A Igreja armênia é uma Igreja flexível, aberta, ecumênica. Uma Igreja que deseja verdadeiramente a unidade visível das Igrejas.
Como o Papa pode ajudar nisto?
Gosto muito do estilo que o Papa Francisco deu ao seu ministério pontifício. Quando me reuni com ele pela primeira vez, no ano passado, disse-lhe que em muitos aspectos nossas Igrejas, as Igrejas mais antigas, e particularmente as Igrejas católicas e ortodoxas, institucionalizaram-se muito. E a instituição acaba mantendo a Igreja em limites congelados. Porém, a Igreja é essencialmente a comunidade que reza e confessa a fé em Cristo. Por isso, o que o Papa começou a fazer trouxe-me muito consolo. E acredito firmemente que esta é nossa responsabilidade comum. O título de um de meus livros é “For a Church beyond its Walls”, “Por uma Igreja para além de seus Muros”. E isto pode favorecer um tipo de ecumenismo centrado no povo de Deus, e orientado para o povo de Deus. O ecumenismo no qual estamos acostumados é feito por instituições, comitês, programas que são ocupados por pessoas selecionadas. Eu acredito que nós devemos desenvolver novos modelos e estilos de ecumenismo, com metodologias que ajudem a fazer com que o ecumenismo seja confiável e incisivo. Acredito que todos nós temos que trabalhar juntos nisto, incluindo os cristãos protestantes.
O senhor vive no Líbano. Um país que, até agora, não se viu atingido pelas convulsões da região.
O Líbano é um país de comunidades. Há 18 comunidades religiosas e étnicas. Há divisões entre partidos, orientações políticas... Quando em uma família há muitos filhos, podem ocorrer certos problemas. Nós somos como uma família com 18 filhos. Porém, todos nós, filhos, sabemos que pertencemos a uma só família. E esta família se chama Líbano.
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Os armênios não foram exterminados porque eram cristãos. Entrevista com o catholicos armênio Aram I - Instituto Humanitas Unisinos - IHU