Por: Cesar Sanson | 08 Abril 2015
"A indiferença com que as mortes em favela são recebidas pela mídia e pela população não favelada é reveladora do quanto é profundo o preconceito da sociedade carioca para com as favelas. Uma breve olhada nas cartas de leitores dos grandes jornais e um passeio pelas redes sociais, deixa claro porque o Estado pratica a pena de morte nas favelas e nada acontece, nem mesmo perdem votos: a vida na favela vale menos". O comentário é de Itamar Silva, jornalista, liderança comunitária da favela Santa Marta e diretor do Ibase em artigo publicado por Canal Ibase, 07-04-2015.
Eis o artigo.
Sempre, a última morte violenta ocorrida na favela parece ser a gota d’água e ponto de inflexão na perspectiva de mudanças desejadas, há décadas, pelos cidadãos e cidadãs que vivem nas favelas. Mas, após uma semana, nada muda. É impressionante como a desgraça reiterada turva e encobre o sofrimento do dia anterior. A chaga da vez foi aberta no peito e na vida de Terezinha Maria de Jesus. Um dia antes da morte e paixão de Cristo, quinta-feira, Terezinha viu seu menino perder a vida da maneira mais estúpida e covarde possível.
Sexta-feira Santa, Terezinha Maria de Jesus contempla seu filho, Eduardo de Jesus Ferreira, dez anos, baleado na cabeça com um tiro disparado pela polícia pacificadora que atua no Complexo do Alemão. O menino foi alvejado porque estava em lugar suspeito (próximo a sua casa, na favela) e portava uma perigosa arma na pequena mão: um celular.
Não há dúvida: tiro na cabeça é execução sumária.
Mas a polícia ‘pacificadora’ certamente argumentará que aquele menino, portando um celular na mão, naquele momento de tensão, naquele lugar suspeito, representava uma ameaça às suas vidas e, portanto, tiveram que se defender. Julgaram e sentenciaram, atiraram para matar.
Pena de morte: tiro na cabeça de uma criança de dez anos.
A mesma justificativa não pode ser dada para a morte da dona de casa Elisabeth Alves Moura Francisco, de 41 anos, atingida na boca, dentro de casa, também no Complexo do Alemão. Um “confronto entre policiais e suspeitos de tráfico” tira a vida desta dona de casa e ainda atinge sua filha de 16 anos, no braço. Elisabeth não teve a oportunidade de ver nem mesmo o vulto de seus algozes. Mas, talvez, os policiais podem ter visto algum instrumento perigoso em suas mãos: uma faca de cozinha. Um pente ou quem sabe o quê mais…
A morte por balas ditas perdidas e as justificativas desmedidas da polícia não são novidades para quem vive na favela.Tampouco a anuência da maioria da população, por omissão ou ação, e o discurso vazio dos responsáveis pela segurança pública no Estado.No entanto, os últimos acontecimentos no Complexo do Alemão têm superado a realidade já vivida e revelado a inconsistência e fragilidade da política de segurança pública do Estado, alardeada de pacificadora.
Agora o Estado fala em reocupar o Complexo do Alemão: o que significa isso? A volta do exército? A presença permanente do BOPE? O reconhecimento do fracasso da estratégia da UPP para aquele território? Se fracassou a polícia ‘pacificadora’, a alternativa é o reforço da lógica da guerra?
A indiferença com que as mortes em favela são recebidas pela mídia e pela população não favelada é reveladora do quanto é profundo o preconceito da sociedade carioca para com as favelas. Uma breve olhada nas cartas de leitores dos grandes jornais e um passeio pelas redes sociais, deixa claro porque o Estado pratica a pena de morte nas favelas e nada acontece, nem mesmo perdem votos: a vida na favela vale menos.
No mesmo dia do assassinato do menino Eduardo, no Complexo do Alemão, os noticiários da televisão levavam a exaustão os detalhes e desdobramentos da morte do jovem de 31 anos, filho do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. A procura pelos culpados do acidente com o helicóptero importava muito e era motivo de auditorias, opinião de especialistas e muita comoção. A morte do jovem Thomaz Alckmin foi a pauta de dois dias seguidos nos telejornais. A morte do menino Eduardo ficou no limpo do discurso recorrente: a polícia está investigando….
Nesse ambiente, o protesto/revolta dos moradores do Complexo do Alemão é reprimido com truculência pela polícia: spray de pimenta foi asperjado com abundância e muito rapidamente a polícia associou o protesto a uma reação do tráfico. Como de praxe, a imediata desqualificação do direito de lutar por direitos e defesa da vida. Enquanto isso,o governador do Estado, responsável pela polícia que assassinou o menino, declara: “não vamos arredar o pé do combate ao crime” e mais adiante informa que o Estado se responsabilizará pelo translado do corpo do menino para o Piauí, para onde os pais estão voltando, em busca de um alento para suas vidas.
Ate quando? Também esta pergunta já virou um mantra, no entanto, é necessário que os favelados tomem as rédeas de um processo continuado de resistência e a luta. Não dá para esperar que essa iniciativa surja da classe média, essa é uma tarefa de quem vive cotidiana e historicamente um processos de rejeição e desrespeito.
Hoje é o Complexo do Alemão, amanhã quem será?
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Sexta- feira da Paixão no Complexo do Alemão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU