10 Março 2015
Na entrevista publicada a seguir, o arcebispo Charles G. Palmer-Buckle, de Accra, Gana, sugere que Sínodo do próximo mês de outubro considere como "o poder das chaves" (Mt. 16, 19) poderia ser empregado para "desvincular" os divorciados e recasados civilmente sem um decreto de nulidade. Ele caracteriza o seu pensamento sobre o assunto como "ousado", ao mesmo tempo em que aponta para inúmeros exemplos de Jesus que estende a Sua misericórdia aos excluídos da sociedade. Ele também pergunta se os filhos e filhas da Igreja não têm alguma responsabilidade pela estridência em torno do lobby gay por causa de suas atitudes desumanas.
A reportagem é de Diane Montagna, publicada no sítio Aleteia, 25-02-2015. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Os bispos de Gana escolheram o arcebispo Palmer-Buckle, 64 anos, para ser um dos participantes do Sínodo dos bispos, programado para os dias 4 a 25 de outubro no Vaticano. O Papa Francisco confirmou sua eleição no fim de janeiro.
Dom Palmer-Buckle também atua como bispo responsável pela família na Conferência dos Bispos de Gana e como tesoureiro do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar (SECAM), organização de todos os bispos católicos do continente africano.
A entrevista com o arcebispo Palmer-Buckle aconteceu no dia 5 de fevereiro, após uma reunião do Comitê Permanente do SECAM em Roma.
Eis a entrevista.
Sua Excelência, o que é importante para a África no Sínodo?
O que é importante para a África é que a Igreja seja clara sobre a doutrina antiga e moderna da Igreja sobre o casamento, ou seja, que o casamento é uma união entre um homem e uma mulher.
O que estamos realmente esperando ouvir é a posição clara da Igreja em relação ao que é e continua sendo a doutrina sobre o sagrado matrimônio: a união entre homem e mulher, um homem e uma mulher, para se ajudarem mutuamente e para a procriação. Isso é o que estamos esperando ouvir, porque há muitas vozes conflitantes, não necessariamente da Igreja - mas, infelizmente, do mundo ocidental - que estão tentando abafar a voz de Deus, a voz da Igreja. Essa é a primeira coisa.
Na África, muitas pessoas, previamente, estavam envolvidas em casamentos polígamos. Mas, para o nosso povo, o casamento sempre foi entre macho e fêmea, entre homem e mulher. Inclusive entre um homem e várias mulheres, ou, em casos raros, mesmo entre uma mulher e vários homens. Mas, já que o Cristianismo não aceita isso, a maioria de nosso povo tem tentado muito duramente viver de acordo com os preceitos de Jesus Cristo.
Em Mateus 19, 1-6, Jesus diz que "o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher e serão os dois uma só carne ... Então, o que Deus uniu o homem não separe". Isso é o que nós estamos esperando ouvir, claramente enunciado pela Igreja.
O senhor tem alguma dúvida de que o ensinamento da Igreja sobre o casamento não seja enunciado claramente no Sínodo em outubro?
Eu não tenho absolutamente nenhuma dúvida em relação a isso. A minha preocupação é que muitos gostam de tornar a "voz dos meios de comunicação" em "voz da Igreja". É a Igreja que deve se pronunciar sobre isso.
O primeiro Sínodo Extraordinário foi concebido para trazer à tona as questões relacionadas com o casamento na era atual - para as pessoas de dentro da Igreja e para aquelas de fora da Igreja - e perguntar quais deveriam ser as nossas preocupações pastorais sobre o casamento: sobre as pessoas casadas, sobre as pessoas que se casaram e deixaram a relação, sobre aqueles que voltaram a se casar, e até mesmo pensar sobre as novas formas de uniões que estão sendo impostas sobre a humanidade com o nome de casamento.
O Sínodo Extraordinário, na verdade, era só para dizer: este é o status quaestionis [estado da investigação]. O que a Igreja faz com isso? O que vamos fazer com isso? Como vivemos neste tipo de mundo sem ser desse tipo de mundo? Como podemos viver neste mundo e levar o ensino e a salvação de Cristo ao povo? Isso é o que tratava o primeiro Sínodo Extraordinário.
O próprio Santo Padre elaborou uma síntese muito bonita. O resumo dela é: ninguém deve impedir ninguém de dizer o que pensa sobre o estado atual do casamento, família etc. Ninguém deve sufocar ninguém. Devemos ouvir uns aos outros e devemos refletir sobre isso e tentar ver o que o Espírito Santo vai nos dizer sobre como acompanhar as pessoas que se encontram em qualquer forma de casamento em direção a Cristo. Essa é a preocupação principal [do Papa Francisco]: como vamos levar essas pessoas, sejam elas quem forem, em qualquer contexto em que se encontrem, a Cristo. Eu acho que foi uma mensagem bonita.
O que o senhor quer dizer com "qualquer forma de casamento"?
Tome como exemplo a África. Há pessoas em relações poligâmicas, que estavam envolvidas nelas antes de se tornarem cristãs. Sua família teve que fazer uma escolha: mandar embora uma mulher ou duas mulheres com todos os seus filhos, sem ferir as crianças, sem ferir as esposas. Por isso, é um problema.
Como faço para batizar filhos de casamentos polígamos? O que eu vou ensiná-los? Se eu lhes disser: "Seu pai deve deixar a sua mãe", isso não vai machucar a criança emocionalmente, espiritualmente, até mesmo pelo resto de sua vida, a ponto de que ela possa até decidir que a Igreja é má porque dilacerou a sua família?
Eu posso dizer com certeza que existem casamentos polígamos, em que você vai se surpreender com a harmonia entre o marido e as suas diferentes esposas, entre as diferentes mulheres e entre os seus filhos. É incrível. Há muitos, muitos outros casos em que há muita dor em curso entre as diferentes mulheres, entre as diversas crianças, e isso deve ser trazido à tona. Como podemos ajudar todos os envolvidos a olharem para Cristo e para o que Cristo os convida a fazer?
A carta aos Hebreus diz para termos "o olhar fixo em Cristo" e nos empenharmos em direção a ele. Então, como posso ajudá-los a manter Cristo em vista? E como faço para acompanhá-los em qualquer circunstância em que se encontram?
Na África - este é o contexto com que estou lidando - eu não vou fechar meus olhos para o fato de que há casos de homossexuais, de pessoas com tendências homossexuais, de pessoas com tendências lésbicas. A África sempre desaprovou isso, uma vez que sempre olhou para o casamento como algo que contribui para o bem-estar da sociedade, não necessariamente só para o bem-estar dos indivíduos.
Então, de certa forma, podemos dizer que qualquer um que tem uma certa tendência não foi visto com ternura. De fato, tem havido casos em que os seus direitos humanos foram violados. A Igreja está nos pedindo para entender isso. Se a pessoa tem tendências homossexuais ou tendências heterossexuais, a pessoa é criada à imagem e semelhança de Deus, e essa imagem e semelhança de Deus é o que devemos proteger. Isso é o que devemos defender. E é por isso que temos que ajudar essa pessoa a ouvir o que Deus diz sobre o seu estado. E eu acho que essa é a beleza do que a Igreja nos ensina.
Portanto, esse período entre o Sínodo Extraordinário e o Sínodo Ordinário está nos proporcionando um tempo, enquanto analisamos os Lineamenta, para ouvir, para orar e discernir. Quando nos encontrarmos em outubro, eu acredito que nós estaremos indo para afirmar o que a Igreja sempre ensinou. Nós não estamos indo para diluir o ensinamento. Mas isso vai ser declarado de uma forma que não exclua, de modo algum, quem quer que seja da jornada e do caminho para Cristo, que é o cumprimento da nossa perfeição.
No Ocidente, o lobby gay é muito forte e tem muito poder na mídia. Muitas pessoas, portanto, estão preocupadas que, se a linguagem for muito "solta", o Sínodo será uma ocasião em que alguns poderão usar essa linguagem vaga para levar adiante ideias que são contrárias ao Evangelho. Por exemplo, a palavra "accogliere" [acolher] foi uma palavra muito usada durante o Sínodo Extraordinário em outubro passado. A palavra, em alguns casos, foi sequestrada para fazer parecer como se a Igreja estivesse a caminho de aprovar as relações homossexuais. O que os bispos precisam dizer em outubro próximo, a fim de comunicar tanto para a África quanto para o Ocidente a posição exata da Igreja?
Você sabe, se há algo que eu acho bonito sobre o Papa Francisco é como ele nos faz voltar à pergunta: como é que Cristo agiria nesta circunstância?
E eu creio que um dos aspectos mais profundos foi quando ele estava voltando do Rio de Janeiro e foi entrevistado por jornalistas que estavam interessados em saber o que o papa pensava sobre gays e lésbicas e ele disse: "Se um gay está à procura de Cristo, quem sou eu para julgar a pessoa?".
Acho que o papa tomou a postura de Jesus Cristo. Por exemplo, diante da mulher que foi pega em adultério, aqueles que estavam ali queriam apedrejá-la até a morte. E o que Jesus disse? "Quem de vós estiver sem pecado atire a primeira pedra". A Bíblia nos diz: "Eles foram embora, um por um". Agora, se você se lembra da pergunta que Jesus fez para a mulher: "Mulher, alguém te condenou?". Ela responde: "Ninguém". Ele diz: "Então, eu também não te condeno. Vai e não peques mais".
A beleza disso é que Jesus primeiro pensou que ele deveria salvar essa mulher, a sua dignidade dada por Deus e o dom da vida que Deus lhe dera. Depois de lhe ter salvo e feito compreender que Deus a ama, então ele diz a ela: agora vá e repare tudo o que há entre você e Deus. Acho que isso é bonito.
Eu gostaria de dizer que isso não acontece somente no caso da mulher pega em adultério, mas também na forma como ele se relaciona com os leprosos. Quando o leproso vem e diz: "Senhor, se quiseres, podes purificar-me", Jesus diz: "Sim, eu quero". Ele toca o leproso e diz: "Fique purificado". Por que Jesus tocou o leproso? Era contra a lei judaica tocar um leproso. Ele fez o leproso entender que: "O fato de que você tem essa doença não significa que você não é um filho de Deus. É também por sua causa que eu vim".
Eu gostaria de usar outro exemplo, não só os negativos. Tomemos a mulher que foi ao encontro de Jesus e estava chorando aos seus pés. Agora, o que é muito engraçado é que diz que todo mundo sabia que ela era uma pecadora. Quanto ao tipo de pecado, não nos é dito, mas eles a conheciam como uma pecadora.
As pessoas que convidaram Jesus já estavam condenando a mulher em suas mentes, e ele diz: "Simão, você vê esta mulher? Eu vim para a sua casa, e você nem sequer lavou minha cabeça, e ela não parou de lavar os meus pés com suas lágrimas, e, portanto, os seus muitos pecados, eu não sei quantos são, nem quais são, mas eles estão perdoados, porque ela muito amou".
Então, veja, Jesus tem uma bela maneira de confirmar em cada pessoa: "Você é um filho de Deus, você é único, e eu amo você por quem você é, independentemente do que os outros pensam de você ou do que você se tornou. No entanto, tenha Deus em vista, continue andando".
Então, eu não culpo a mídia. O mais provável é que temos feito as pessoas sofrerem por tanto tempo apenas porque elas não são "como nós". Nós já as fizemos sofrer, as discriminamos, as ostracizamos. Então, se hoje o lobby gay é muito grande, é porque quase desumanizamos essas pessoas.
O senhor gostaria de explicar isso melhor?
O que o papa está levantando é que não temos o direito de desumanizar ninguém, seja pela cor, pelo credo ou pela orientação sexual. Nós devemos abraçar essas pessoas e, em seguida, apontar, caminhar com elas para o que o papa acredita ser essa certa voz interior que ninguém pode sufocar, que nem mesmo a mídia pode sufocar.
Aqueles que estão no lobby gay, por uma razão ou outra, têm sido obrigados por nós, os chamados "bons", até mesmo a sufocar uma certa voz interior que definitivamente eu acho que os está advertindo de que algo não está 100% certo. Temos contribuído para isso. Nós também estamos calando em nós mesmos a voz que diz: "Todos são filhos de Deus, e devemos acolher a todos". Não temos o direito de apedrejar ninguém, e não temos o direito de desprezar ninguém. Devemos acolhê-los.
Alguns leitores estão se perguntando: O que se entende por "acolher", se é o caso de um casal que se divorciou e casou novamente civilmente ou algum outro caso? O cardeal Kasper propôs que, em alguns casos, aqueles que estão divorciados e recasados civilmente - mas sem uma nulidade - deveriam ser autorizados a receber a Sagrada Comunhão, depois de seguir um caminho de penitência. Essa é uma maneira de acolher as pessoas. Outra maneira de acolher é dizer: "Sim, venha à Igreja, faça parte da comunidade, mas há limites em termos de recepção da Sagrada Comunhão". O que significa "acolher", na sua opinião?
Deixe-me usar um parâmetro muito diferente. Deixe-me usar a Europa. Deixe-me usar os Estados Unidos.
O que está acontecendo agora, por exemplo, nos Estados Unidos, é que o presidente Obama está dizendo que há muitas pessoas vivendo ilegalmente nos EUA. Não podemos mandá-las de volta para casa. Por isso, vamos achar um jeito de legalizar seu estado para que elas possam contribuir dignamente para o bem do país. Há muitos norte-americanos que são contra isso. Não é verdade?
Sim, muitos norte-americanos pensam que não é por isso que Obama quer que as pessoas sejam legalizadas nos Estados Unidos. Eles enxergam como uma tentativa de mudar o caráter do eleitorado.
Veja, tentar pensar por ele [Obama] é sempre o problema. Tudo o que ele disse é: "Se você está nessa posição, como você gostaria que nós o tratássemos?".
Quando se trata dos refugiados em Lampedusa, olhe para a atitude aqui na Europa. O que eu acho é que o papa está tentando nos fazer analisar, especialmente no que diz respeito às pessoas divorciadas e novamente casadas. Ele não disse "sim" ou "não". Ele disse "pensem".
A Sagrada Comunhão é remédio para os doentes. Não é uma recompensa para os perfeitos.
Mas, de acordo com a doutrina da Igreja Católica, seja qual for o seu pecado, é preciso estar em um estado de graça, a fim de receber a Santa Eucaristia (CCC 1415).
Eu tenho que admitir que, ao longo dos séculos, nós fizemos uma linha muito dura nesse contexto. Eu conheci um pastor protestante uma vez. Tivemos uma grande discussão. Ele disse que, em Mateus 16, Jesus deu o poder das chaves para Pedro, dizendo: "Tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus".
De acordo com esse meu amigo pastor protestante, por causa disso, em algumas das Igrejas protestantes, eles acreditam que Cristo deu-lhes o poder de desvincular aqueles que se comprometeram em alguns casamentos que são irregulares, que são difíceis, que são contraproducentes, e permitir-lhes ir adiante em outro contexto.
Então, veja, é uma interpretação. Segundo a nossa interpretação, sim, a Igreja tem o poder das chaves, mas não nesse contexto particular dos casamentos. Portanto, o casamento deve passar por todo o processo e ser anulado antes de o casal estar autorizado a ir mais além. Eu acho que nós vamos olhar para o que "o poder das chaves" pode significar nesse contexto.
Como isso pode ser conciliado com as palavras do Senhor: "O que Deus uniu, o homem não separe"?
Isso é verdade. O que Deus uniu... Na verdade, não é "o homem não separe", mas "o que Deus uniu, o homem não pode separar". Nenhum homem pode separar o que Deus uniu, e isso é verdade. Mas, em seguida, o mesmo Jesus diz: "Tudo o que ligares na terra será ligado no céu, tudo o que desligares na terra é desligado no céu." Então, o que ele quis dizer com isso? São duas afirmações que se contradizem?
Bem, Vossa Excelência, elas não podem se contradizer, porque foi o Senhor que disse, e Ele é a Verdade.
Elas não podem se contradizer, por isso vamos ter que descobrir por meio da oração o que fazer. Eu acredito que cada instituição, como a Igreja, deve ter regras e regulamentos. Mas as regras e regulamentos são ideais, pontos de chegada. Eles são a perfeição a que aspiramos. No entanto, estamos caminhando e, quando caímos, deveríamos ser capazes de levantar e de seguir em frente. E é por isso que o papa nos pede: como podemos ajudar as pessoas, cujos casamentos estão em ruínas, sem possibilidade de reparo, a tomar o remédio de que necessitam e a continuar a andar?
Vamos mantê-las perpetuamente se sentindo culpadas por si mesmas e pelas crianças que tiveram a partir daí, e assim por diante? Vamos ajudá-las dessa maneira? Deus não é todo misericórdia? É somente em Deus que a justiça e misericórdia se encontram e se abraçam. Nós somos apenas seus instrumentos, então eu acredito fortemente que devemos ser capazes de dizer: "Senhor, esta é a situação, mas nós a elevamos a ti em sua grande misericórdia". Vai ser difícil, mas vamos ter que fazer isso.
É ousado dizer o que estou dizendo.
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Arcebispo africano faz um desafio ousado para o Sínodo sobre a família - Instituto Humanitas Unisinos - IHU