16 Dezembro 2014
Não é fácil dar uma interpretação unívoca dos Lineamenta para o Sínodo Ordinário sobre a família marcado para outubro do próximo ano, divulgados no dia 9 de dezembro passado pela Secretaria Geral do Sínodo dos bispos.
A reportagem é de Ingrid Colanicchia, publicada na revista Adista, n. 45, 20-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se, de um lado, enfatiza-se neles a necessidade de fazer de tudo para que "não se recomece do zero", assumindo "o caminho já feito no Sínodo Extraordinário como ponto de partida", de outro, são poucos os sinais que podem levar a pensar em grandes mudanças em vista.
Como destaca John Allen (Crux, 09-12-2014), as 46 perguntas – que, junto com o Relatório final do Sínodo de outubro passado constituem os Lineamenta – parecem acima de tudo pensadas para entender como os pilares tradicionais da vida cristã, os sacramentos, a Bíblia, a formação dos padres podem ser mais bem utilizados para sustentar casais e famílias.
Além disso, talvez não se podia esperar muito mais, dada a divisão – nada nova, mas profunda – que se manifestou abertamente no Sínodo Extraordinário sobre os temas mais candentes e sobre os quais estavam concentradas as expectativas.
Quanto ao questionário divulgado no ano passado junto com o documento preparatório (Lineamenta) para o Sínodo passado, agora também o convite é a envolver "todos os componentes das Igrejas particulares e instituições acadêmicas, organizações, agregações laicais e outras instâncias eclesiais", deixando às Conferências Episcopais a escolha das modalidades adequadas.
As respostas deverão chegar à Secretaria Geral do Sínodo até o dia 15 de abril de 2015 e formarão – como ocorreu com as relativos ao questionário do ano passado – a base do próximo Instrumentum laboris.
Sejam corajosos...
O questionário começa com uma pergunta prévia em relação ao grau de correspondência da família descrita na Relatio Synodi com a realidade na Igreja e na sociedade de hoje, convidando a indicar aspectos faltantes.
Um sinal de escuta e de abertura que encontra uma imediata confirmação no parágrafo introdutivo à primeira parte do questionário (que, seguindo a ordem dos temas da Relatio, está intitulado "A escuta: o contexto e os desafios sobre a família"), em que se sublinha que "o renovado caminho traçado pelo Sínodo Extraordinário está inserido no amplo contexto eclesial indicado pela exortação Evangelii gaudium do Papa Francisco, isto é, partindo das 'periferias existenciais', com uma pastoral marcada pela 'cultura do encontro', capaz de reconhecer a obra livre do Senhor também fora dos nossos esquemas habituais e de assumir, sem constrangimento, aquela condição de 'hospital de campanha' que tanto beneficia o anúncio da misericórdia de Deus".
E ainda onde se diz que "as perguntas que são propostas a seguir, com referência expressa aos aspectos da primeira parte da Relatio Synodi, pretendem facilitar o devido realismo na reflexão dos episcopados individuais, evitando que as suas respostas possam ser fornecidas segundo esquemas e perspectivas próprias de uma pastoral meramente aplicativa da doutrina, que não respeitaria as conclusões da Assembleia sinodal extraordinária e afastaria a sua reflexão do caminho já traçado".
Um convite repetido também na introdução à segunda parte do questionário ("O olhar para Cristo: o evangelho da família"), na qual se lê que "as perguntas que surgem da Relatio Synodi têm o objetivo de suscitar respostas fiéis e corajosas nos pastores e no povo de Deus para um renovado anúncio do Evangelho da família".
E naquela relativa à terceira parte do questionário ("O confronto: perspectivas pastorais"), em que se salienta que, "ao aprofundar a terceira parte da Relatio Synodi, é importante se deixar guiar pela virada pastoral que o Sínodo Extraordinário começou a delinear, radicando-se no Vaticano II e no magistério do Papa Francisco. Às Conferências Episcopais – continua o documento – compete o fato de continuar a aprofundá-la, envolvendo, da maneira mais oportuna, todos os componentes eclesiais, concretizando-a no seu contexto específico. É necessário fazer de tudo para que não se recomece do zero, mas se assuma o caminho já feito no Sínodo Extraordinário como ponto de partida".
Um passo para a frente e um para trás
Com efeito, sobre uma questão, a dos divorciados em segunda união, um pequeno passo para a frente parece ter sido feito. Ou, melhor, foi se consolidando a hipótese – levantada pela primeira vez no Instrumentum laboris de junho – de levar em consideração a práxis das Igrejas Ortodoxas.
Nos Lineamenta, repropõe-se, portanto, aquilo que está escrito na Relatio Synodi, afirmando que "a pastoral sacramental em relação aos divorciados recasados precisa de um aprofundamento ulterior, avaliando também a práxis ortodoxa e tendo em mente 'a distinção entre situação objetiva de pecado e circunstâncias atenuantes'".
E acrescentando: "Quais as perspectivas em que é possível se mover? Quais os passos possíveis? Que sugestões existem para evitar formas de impedimentos indevidas ou desnecessárias?". E, portanto, deixando transparecer nas entrelinhas a possibilidade de alguma suavização.
Ao mesmo tempo, porém, reitera-se várias vezes o caráter indissolúvel do matrimônio, como onde se pergunta: "O que se pode fazer para mostrar a grandeza e beleza do dom da indissolubilidade, de modo a suscitar o desejo de vivê-la e construí-la cada vez mais?".
E se, de um lado, pode-se captar uma significativa mudança de linguagem no fato de que os casamentos civis e as convivências já não são mais definidas como situações "irregulares" – como ocorria no Instrumentum laboris divulgado em junho e no documento preparatório para o Sínodo Extraordinário –, de outro, parece um passo para trás o fato de que, enquanto na Relatio se fala de "orientação homossexual", nas perguntas dos Lineamenta passa-se a definir gays e lésbicas como pessoas com "tendência homossexual", perguntando de que modo é possível cuidar das pessoas em tais situações à luz do Evangelho, "evitando toda injusta discriminação" e "como propor a elas as exigências da vontade de Deus sobre a sua situação".
Não por acaso, Marianne Duddy-Burke, diretora-executiva da organização de católicos LGBT DignityUSA, expressando profunda frustração, falou de uma "reversão ao tom datado e julgante que muitos esperavam que estivesse desaparecendo no passado, dado o aparente conforto do Papa Francisco de falar com e sobre as pessoas LGBT de uma forma mais realista e respeitosa".
"Certamente – continuou ela –, as pessoas LGBT precisam de um cuidado pastoral apropriado, que comece a partir do reconhecimento da nossa igualdade moral com todas as outras pessoas e que aceite a realidade das nossas vidas e das famílias que criamos. Mas nós não somos um problema para a Igreja resolver. Somos seres humanos, membros batizados da nossa Igreja, amados de Deus assim como todos os outros membros da Igreja. Temos 'dons e qualidades' necessários e gratuitamente oferecidos à Igreja e ao mundo, para tomar emprestada a linguagem do relatório intermediário do Sínodo anterior."
"As autoridades da Igreja – disse ainda – estão décadas atrasadas em relação aos fiéis no reconhecimento dos verdadeiros ensinamentos do Evangelho sobre as pessoas LGBT. Nós as convocamos a ouvir ativamente o chamado do Espírito que fala nessa verdade, caso contrário, eu temo que o próximo Sínodo vai levar a mais dor, mais alienação, mais devastação para as vidas das pessoas LGBT e para as famílias em todo o mundo."
Em suma, de fato, só sobre os processos de nulidade matrimonial, que, de algum modo, afetam a doutrina, a pergunta contida nos Lineamenta é clara e explícita: "Como tornar mais acessíveis e ágeis, possivelmente gratuitos, os procedimentos para o reconhecimento dos casos de nulidade?".
Provavelmente, não é um acaso, já que, sobre a questão, em setembro, o Papa Francisco instituiu uma comissão especial, e que o assunto foi um daqueles que, dentro do Sínodo, se coagularam os maiores consensos (o parágrafo sobre o reconhecimento dos casos de nulidade obteve 143 placet e 35 non placet).
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Entre conservação e tímidas aberturas: os Lineamenta do Sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU