02 Outubro 2014
Na última década, houve avanços no acesso à saúde e educação das 45 milhões de pessoas indígenas que vivem na América Latina, que representam 8,3% da população do continente. Esse público tem tido mais acesso à saúde e à educação, além de conquistado progressos no reconhecimento de seus direitos territoriais e de sua participação política. Ainda assim, há muito o que melhorar. A informação faz parte do novo informe da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal).
A reportagem é de Marcela Belchior, publicada pelo site Adital e reproduzida pelo portal Envolverde, 30-09-2014.
O documento Os povos indígenas na América Latina: avanços na última década e desafios pendentes para a garantia de seus direitos contribuiu para os debates levantados durante a Conferência Mundial sobre os Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em 22 e 23 de setembro deste ano, em Nova York. Além disso, o levantamento colabora como uma referência para o processo de implementação e prosseguimento da agenda de desenvolvimento pós-2015.
De acordo com o informe, importantes avanços no acesso a serviços de saúde se refletem em melhorias nos indicadores de atenção ao parto e de mortalidade infantil entre os indígenas de vários países. O índice de morte de crianças de até cinco anos de idade foi reduzido entre os anos 2000 e 2010, em pelo menos nove países: Costa Rica, México, Brasil, Venezuela, Equador, Panamá, Guatemala, Peru e Bolívia. Além disso, pelo menos 17 países latino-americanos dispõem de estrutura estatal com a competência específica de gerir a saúde intercultural.
No setor da educação, a Cepal aponta um aumento nas taxas de frequência escolar em todos os níveis de ensino. Pelo menos oito países da América Latina apresentam um percentual de presença em sala de aula de 82% a 99% entre os estudantes de seis a 11 anos de idade, nos anos 2010 e 2011. Entretanto, permanecem lacunas significativas no acesso dos indígenas à educação de nível médio e superior.
No que tange aos progressos no reconhecimento dos direitos territoriais dessa população, entre eles o direito à propriedade coletiva de terras, o estudo indica avanços na região, especialmente com relação à demarcação e titulação de terras. No entanto, permanecem estagnadas iniciativas para controle territorial, incluindo o uso de recursos naturais. Nesse âmbito específico, houve, entre 2010 e 2013, mais de 200 conflitos em territórios ameríndios ligados a atividades extrativistas de hidrocarbonetos e mineração.
Foi constatado também aumento da participação política dos povos indígenas, refletido em um contínuo fortalecimento de suas organizações sociais e no estabelecimento de alianças políticas. Ainda assim, o segmento segue ocupando escassa representação em órgãos dos poderes do Estado nos diversos países da América Latina. Houve avanços também no que se refere ao respeito às instituições e sistemas de autogoverno dos povos indígenas, mesmo que prossiga insuficiente diante de instâncias internacionais, que reconhecem o direito fundamental à livre determinação desses povos.
Incremento no número de índios
Dos 45 milhões de indígenas que existem na América Latina, 17 milhões vivem no México e outros 7 milhões no Peru. Os países com maior proporção dessa população no continente são Bolívia (62,2%), Guatemala (41%), Peru (24%) e México (15,1%). Atualmente, é possível apontar um incremento do número da população indígena, que contabilizava 642 povos em 2006 e, hoje, soma 826 povos indígenas em território latino-americano. Segundo a Cepal, isso se deve ao aperfeiçoamento dos levantamentos estatísticos e à incidência dos povos indígenas às lutas pelo seu reconhecimento.
Desse número, o Brasil abriga a maior quantidade de etnias indígenas (305), seguido da Colômbia (102), Peru (85), México (78) e Bolívia (39). Muitas delas se encontram em risco de desaparecimento físico ou cultural, como foi constatado em território brasileiro (70 etnias ameaçadas), colombiano (35) e Bolívia (13). Além desses, estima-se que haja outras 200 etnias em isolamento voluntário na Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Venezuela.
De acordo com a Cepal, o potencial de crescimento da população indígena é maior em relação à não indígena em pelo menos cinco países (Brasil, Equador, México, Panamá e Venezuela), uma vez que sua estrutura etária é mais jovem e suas taxas de fecundidade são mais elevadas. O documento também revela que a migração interna recente é menor entre os povos indígenas do que entre a população não indígena. No México, Peru, Uruguai e Venezuela, a maioria dos índios vive na zona urbana.
Censos recentes de nove países latino-americanos também confirmam a existência de profunda lacuna digital. No Equador, Panamá, Peru e Venezuela, a amplitude de acesso à Internet em lares não indígenas é até seis vezes superior em relação aos lares não indígenas.
Resistência gera nova relação política
Segundo a secretária executiva da Cepal, Alicia Bárcena, esses avanços encontram obstáculos para sustentar-se ou expandir-se e a região deve enfrentar desafios referentes à heterogeneidade estrutural, vulnerabilidade externa e persistência de altos níveis de desigualdade social. Porém, a resistência desse segmento se expressa, hoje, na instauração de novos statuspolíticos e territoriais, assim como novos modos de relação institucional entre os Estados e os povos indígenas.
“É necessário redesenhar os equilíbrios entre o Estado, o mercado e a sociedade para construir pactos em que contribuam aqueles atores que garantam acordos políticos de longo alcance. (…) Um os principais desafios nessa matéria é a integração dos direitos dos povos indígenas em um novo modelo de governança dos recursos naturais”, avaliou Bárcena, no documento.
“Os conhecimentos ancestrais, as inovações e práticas tradicionais dos povos indígenas para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica, assim como o desenvolvimento das diferentes modalidades coletivas das economias indígenas, oferecem uma oportunidade valiosa para a construção de um novo paradigma de desenvolvimento, baseado em uma mudança estrutural para a igualdade e sustentabilidade”, indicou a secretária.
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Reconhecimento e acesso aos direitos indígenas aumentam, mas profunda desigualdade persiste - Instituto Humanitas Unisinos - IHU