Por: Cesar Sanson | 20 Junho 2014
"Sim, o futebol ainda é a paixão nacional no Brasil. No entanto, exatamente no momento em que o país abre suas portas para o maior evento do esporte, ruas que normalmente estariam cheias de bandeiras de apoio à seleção estão sendo ocupadas por protestos. Enquanto o país investiu grandes quantias de recursos públicos para o megaevento, críticos apontam que o mesmo não foi feito para a melhoria da qualidade de vida da população. A infraestrutura de transporte de massa é um grande exemplo disso". O comentário é de Camila Nobrega em artigo publicado no blog WITNESS e reproduzido pelo Canal Ibase, 19-06-2014.
Eis o artigo.
Cidades-sede da Copa do Mundo, como Rio de Janeiro e Salvador, convivem diariamente com uma deficiência grave nesta no que diz respeito à mobilidade.
Quando foi anunciada a eleição do Brasil como sede da Copa, governos municipais chegaram a prometer uma “revolução dos transportes.” Na prática, o que houve foi elevação das tarifas, sem a melhoria dos serviços. A percepção entre os usuários dos transportes coletivos é de que as obras realizadas para o Mundial foram feitas para atender às necessidades da FIFA, o órgão responsável pela realização da Copa do Mundo, e interesses de empresas privadas que monopolizam contratos de sistemas de transporte.
Esses fatores desencadearam grandes protestos iniciados em junho de 2013. Dias antes do início da Copa, os motoristas de ônibus e metroviários anunciaram greves em cidades-sede do campeonato, reivindicando contra baixos salários e más condições de trabalho. Um vídeo divulgado no dia 6 de junho mostra a repressão da polícia sobre os trabalhadores em greve.
No Rio de Janeiro, quatro milhões de viagens são feitas diariamente nos transportes públicos, de acordo com a Secretaria Municipal de Transportes. Trens e ônibus são os principais veículos de deslocamento, mas ambos os sistemas têm apresentam ainda falhas graves que afetam a rotina dos cariocas.
Moradora de Rio Duque de Caxias, Clara Costa Pereira trabalha como doméstica no centro do Rio. Ela e seu marido levam cerca de duas horas para chegar em casa, mesmo seu percurso sendo de 20 km. Ela diz: “Espero pelo menos meia hora na estação de trem e enfrento superlotação todos os dias. Assim não dá para achar que meus direitos estão sendo respeitados.”
A Estação Central de Trens do Rio de Janeiro é um cenário de superlotação diário. Nos horários de pico, há passageiros que chegam a se arriscar, cruzando os trilhos dos trens correndo para conseguir lugar dentro das composições. Mazio Neto, que é cadeirante, assiste à correria todos os dias e considera um desafio o uso do transporte público na cidade. “Eu pensei que teríamos melhorias para pessoas com deficiência por causa da Copa. Mas todos os dias me vejo espremido no trem”, relata ele.
Licinio Rogério Machado, membro do Fórum do Rio de Janeiro para a Mobilidade Urbana, afirma que os avanços foram muito pequenos. “O governo local tem feito melhorias, mas sem levar em consideração as necessidades e preocupações da população”, diz ele.
O sistema Bus Rapid Transit (BRT) é uma dessas melhorias. A rota do BRT Transoeste está em funcionamento e outra linha, que liga a da Barra da Tijuca ao Aeroporto do Galeão, foi aberta para a Copa. Moradores da cidade, no entanto, não foram consultados sobre as prioridades. O “Dossiê sobre megaeventos e violações de direitos humanos no Rio de Janeiro 2014“, lançado pelo Comitê Popular da Copa do Mundo e das Olimpíadas, no início deste mês, relata que, enquanto RS 6,2 bilhões foram gastos em mobilidade urbana, RS 1 billhão foi empregado na remoção de famílias para dar lugar às obras dos BRTs.
Para o pesquisador do Observatório da Metrópole (IPPUR / UFRJ) Juciano Rodrigues, essa informação já constitui uma grave violação dos direitos civis. “A mobilidade urbana está sendo completamente violada em cidades-sede da Copa do Mundo. Podemos dizer que melhorias foram feitas, mas a que custo? A verdade é que os serviços implantados não as áreas que mais necessitam de assistência. Remoções afetarão cerca de cem mil pessoas só no Rio de Janeiro, parte delas por causa de projetos de transporte .”, disse Rodrigues.
Rodrigues aponta que os problemas de acesso a transporte público são comuns à maioria das cidades que estão sediando a Copa. Em Salvador, a terceira cidade mais populosa do Brasil, com 2,8 milhões de habitantes, o sistemas de transporte é um obstáculo significativo para a mobilidade das pessoas. Nos principais terminais de ônibus, como Mussurunga e Lapa, longas esperas, superlotação e sinais de negligência, como vazamentos e calçadas mal iluminadas, são comuns. Quando perguntado sobre os mecanismos utilizados pela prefeitura para garantir a participação popular, a Secretaria Municipal de Transporte respondeu apenas que eles têm uma ouvidoria pelo telefone.
O sistema de metrô é uma espécie de piada em Salvador.
“Este metrô é uma lenda urbana. Quando eu ainda estava na barriga da minha mãe, há 35 anos, o plano já havia sido criado. Com a Copa do Mundo, nós pensamos, finalmente vai acontecer agora! Mas, ainda assim, nada”, disse Rebecca Almeida, que vende tapioca, uma iguaria baiana.
O governo do estado anunciou que o Metrô abriria a tempo para a Copa do Mundo. Em cima da hora, na semana anterior ao início do Mundial, o sistema foi aberto. Em vez de 20km, foram inaugurados apenas, ainda em fase de teste. Até o momento, as obras já custaram mais de R$ 1 bilhão .
Com os grandes problemas no transporte público, multiplicam-se os carros particulares e os engarrafamentos. Em todo o país, leva-se mais de 20% das pessoas mais de uma hora para chegar em casa. O País da Copa do Mundo está longe de ser o país da mobilidade.
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Com Copa, mas sem transporte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU