Por: Cesar Sanson | 22 Abril 2014
Cerca de 55% dos brasileiros reprovam um Mundial cujo custo total ultrapassa 30 bilhões de reais.
Até a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República, há 11 anos, o Brasil era um gigante dormente imerso na pobreza. Sua eleição estimulou e catapultou o país, que passou deste estado básico para se tornar um ator internacional ativo e protagonista. Hoje, com a presidente Dilma Rousseff no comando, o país é a sétima maior economia do mundo. Uma nação poderosa, avançada no setor de biotecnologia e rica em matérias-primas, como minerais, soja e carne bovina. No entanto, o Brasil é uma entidade muito contraditória.
A reportagem é de Alejandro Ciriza e publicada pelo jornal El País, 21-04-2014.
Paralelamente ao seu crescimento, se desenvolveu um descontentamento generalizado na sociedade, cansada de corrupção, da insegurança e de um aumento desbaratado da inflação. Diante do nascimento de uma nova classe média com maior poder de compra, inquieta e disposta a protestar, mais exigente, ainda há uma pobreza resumida nos quase dois milhões de pessoas que vivem jogadas nas ruas. Essa nova camada da sociedade considera que se vive bem e que o país evoluiu, mas que a vida poderia ser ainda melhor.
O pavio foi aceso há quase um ano, quando houve um aumento de 20 centavos, depois suspenso, no preço da passagem do transporte público em São Paulo. Até 1,2 milhão de pessoas tomaram a Avenida Paulista, a principal artéria da cidade, para protestar.
As manifestações se voltaram para a Copa das Confederações e desde então envolve a Copa do Mundo, que começa em 12 de junho na capital paulista. O Brasil, um país que ama a bola, agora rejeita o Mundial. “Nós amamos o futebol. Como é que vamos querer que a Copa não seja realizada aqui? O problema é o dinheiro que foi investido. Qual é o sentido de ter 12 sedes? E a de Manaus? Depois do torneio, ninguém vai jogar lá”, reclama Eduardo, torcedor do Santos, debaixo de um sol escaldante nos arredores do estádio do Pacaembu.
As obras de construção ou reforma dos estádios que sediarão jogos da Copa do Mundo, estimadas inicialmente em 2,4 bilhões de reais, já ultrapassam 8 bilhões de reais. Um investimento total superior aos da Alemanha em 2006 e África do Sul em 2010 combinados. Apesar de o Governo tentar camuflar, o desconforto é evidente. Agora mesmo está controlado, mas basta ir a alguma destas cidades para encontrar mensagens contrárias ao evento.
“Não vai ter Copa”, diz um cartaz colado no térreo do edifício Martinelli, no centro de São Paulo. A indignação também se manifesta na conversa de qualquer boteco. “É a Copa da elite, dos ricos, da FIFA. Existem outras prioridades”, lamenta Jô, vendedor no colorido Mercado Municipal. O orçamento para o torneio supera os 30 bilhões de reais. É o maior gasto da história das Copas, 10% a mais do que o inicialmente estipulado. No entanto, persistem problemas de infraestrutura em todo o país. Os projetos de mobilidade urbana, indispensáveis em um estado em que o tráfego é um problema endêmico, quase não avançaram. Os aeroportos estão inacabados e entram em colapso facilmente. O preço dos serviços ficou mais caro e subiram 8,75% em 2013, enquanto o desperdício de dinheiro público enerva a população, que exige mais recursos para a educação e a saúde.
Neste ano, os protestos não pararam. Mas, sim, a participação da população diminuiu consideravelmente. No fim de janeiro, cerca de 2.500 pessoas participaram de um dia de protestos em São Paulo. Um jovem foi baleado pela polícia e houve 128 prisões (dos 143 detidos em atos por todo o Brasil). Na semana passada, o saldo foi de 1.000 manifestantes e 54 detidos. A causa do declínio dos participantes não é outro senão a violência. Durante os eventos da Copa das Confederações de 2013, o grupo Black Bloc se infiltrou entre os manifestantes e impôs seu discurso anarquista com a queima de placas, ataques a bancos e confrontos diretos com a polícia.
A maioria das pessoas quer se distanciar. “A sensação de que vamos ter uma grande festa começa a predominar”, argumentou a vice-prefeita da cidade, Nádia Campeão. “Vamos defender as manifestações pacíficas e atuaremos contra as violentas. Na Europa e na Rússia há guerras civis. Como não vai ter problemas aqui? Somos um país pacífico e tolerante, mas há uma desigualdade significativa. O Brasil tem 16.000 quilômetros de fronteiras, mas não travamos nenhuma guerra com ninguém”, defende o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, a um grupo de jornalistas convidados para vir ao Brasil.
A segurança é um dos pontos que mais preocupa o Governo brasileiro, que concebeu um esquema complexo que integra as 12 cidades-sede da Copa do Mundo e no qual participarão 180.000 agentes, um número recorde. A célula principal está em Brasília. O sistema integrado começará a funcionar em 23 de maio e permanecerá em vigor até 18 de julho, cinco dias após o término da Copa. Funcionará 24 horas por dia e o custo é de 800 milhões de reais. Junto ao Rio e a Salvador, que receberão o maior número de visitantes, Belo Horizonte também preocupa. É na capital mineira que a seleção da Argentina irá se concentrar (Messi já alugou uma casa de luxo para a sua família no valor 170.000 reais, no luxuoso complexo de Lagoa Santa, onde Ronaldinho mora) e até lá se deslocarão cerca de 600 integrantes das barras bravas, espécie de torcida organizada, com amplo histórico criminoso, liderados pelo chefe do Independiente. O grande conflito está dentro de casa. Com a eleição presidencial em 5 de outubro e os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em 2016, a popularidade de Dilma despencou.
A Copa do Mundo e as Olimpíadas vão exigir uma despesa total de 60 bilhões de reais. Em contraste, o impacto econômico será limitado, de acordo com um relatório da Moody’s. Dos 600.000 turistas esperados, a expectativa caiu pela metade. Só os hotéis, o comércio e a alimentação vão se beneficiar por um breve período.
Mas para a FIFA é um bom negócio. Até agora, suas receitas estão estimadas em 3,1 bilhões de reais. Uma pesquisa recente do Instituto Datafolha revela que 55% dos brasileiros acreditam que o Mundial vai trazer consigo mais prejuízos do que benefícios. Apenas 36% se mostram otimistas. “Eu nasci em 1958. Claro que eu quero uma Copa do Mundo realizada aqui! Todos nós sabemos que o país não está completamente pronto, mas é a nossa oportunidade de mostrar ao mundo como somos. Embora tenhamos deixado tudo para o fim, como de costume, vamos organizar uma grande Copa do Mundo”, diz João, vendedor de sorvete no Parque do Ibirapuera.
São as duas caras do Brasil, um colosso paradoxal. Um país que adora futebol e esse outro que quer mais atenção. As brasas continuam incandescentes. Pelo menos até que a bola role e que entre no gramado o seu exército mais reconhecível – o futebolístico, a toda poderosa seleção canarinha.
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Um país que adora futebol, mas que quer mais atenção - Instituto Humanitas Unisinos - IHU