Por: André | 27 Fevereiro 2014
Um relatório da ONU humilha a Igreja exaltando o atual Pontífice, que não reage e cala também depois da legalização da eutanásia para crianças na Bélgica. Os riscos da estratégia do silêncio adotada por Bergoglio.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa, 21-02-2014. A tradução é de André Langer.
A quase um ano da sua eleição como Papa, a popularidade de Francisco continua sua marcha triunfal. Mas ele é o primeiro que não se fia nos aplausos que recebe das tribunas, inclusive das mais inesperadas e longínquas.
É o caso, por exemplo, da capa que lhe dedicou a revista Rolling Stones, uma coroação em plena regra por parte do templo da cultura pop.
Ou ainda o elogio que fez o relatório da Comissão da ONU sobre os direitos da criança ao famoso “Quem sou eu para julgar?” dito pelo Papa Francisco, o único que saiu incólume de um relatório que diz o pior do pior sobre a Igreja católica.
Em suas primeiras homilias matutinas como Papa, Jorge Mario Bergoglio nomeou muitas vezes o diabo. E também isto agradava, causava ternura.
Mas uma manhã, a de 19 de novembro, em vez de nomear o diabo, arremeteu contra o “pensamento único, fruto do mundanismo”, que quer submeter tudo a uma “uniformidade hegemônica”. Um pensamento único, continuou, que já domina o mundo e legaliza também “as condenações à morte”, inclusive “os sacrifícios humanos” com todas as “leis que os protegem”. E citou um dos seus romances preferidos, o apocalíptico O Senhor do Mundo, de Robert H. Benson.
Quando, no começo deste mês de fevereiro, folheou as 16 páginas do relatório da ONU, que peremptoriamente ordena à Igreja católica “corrigir” sua doutrina sobre o aborto, a família e o sexo, Francisco teve que se convencer mais ainda de que os fatos estavam lhe dando razão, que o príncipe deste mundo estava trabalhando e que, adulando suas decantadas “aberturas”, queria associar ele, o Papa, à empresa de uniformizar a Igreja ao pensamento hegemônico com o objetivo de aniquilá-la.
Não é fácil penetrar na mente do Papa Bergoglio. Suas palavras são como pedras de um mosaico do qual, no entanto, não aparece de imediato o desenho. Diz coisas fortes, inclusive duras, mas nunca no momento em que poderiam provocar um conflito.
Se tivesse pronunciado essa tremenda homilia contra o pensamento único que quer hegemonizar o mundo no dia seguinte à publicação do relatório da ONU, e como resposta explícita ao mesmo, o fato teria formado parte das notícias de última hora do noticiário mundial. Mas não foi o que aconteceu. Pronunciada em uma data qualquer, essa mesma homilia não provocou a menor agitação. Passou em silêncio.
E, contudo, é precisamente aqui que é preciso ler o pensamento recôndito do Papa jesuíta, seu juízo sobre a época atual do mundo.
“Conhecemos a opinião da Igreja e eu sou filho da Igreja”, disse uma e outra vez Francisco. Seu pensamento é o mesmo que está escrito no catecismo. E algumas vezes o recorda de maneira polêmica a quem espera dele uma mudança de doutrina, como na passagem menos citada da sua Evangelii Gaudium, onde tem palavras duríssimas contra o “direito” ao aborto.
Mas nunca proclama em voz alta a doutrina da Igreja sobre os pontos ou nos momentos em que o conflito se poderia fazer incandescente.
Calou agora que na Bélgica foi aprovada por lei a eutanásia para crianças. Mantém-se afastado dos milhões de cidadãos dos diferentes credos religiosos que na França e em outros países se opõem à destruição da ideia de família formada por pai, mãe e filhos. E permaneceu calado depois da inaudita afronta do relatório da ONU.
Com isto ele se propõe neutralizar o ataque do inimigo e derrotá-lo com a imensa popularidade da sua figura de pastor da misericórdia de Deus.
Há um ataque à Igreja de tipo jacobino, não apenas na França, que visa unicamente excluí-la da sociedade civil.
Mas há também um ataque mais sutil, que se cobre de consenso para com uma Igreja refeita totalmente, atualizada com o passar dos tempos. Isto faz parte também da popularidade que tem Francisco, um Papa “como nunca houve antes, “finalmente “um de nós”, modelado com um copiar-colar das suas frases abertas, polivalentes.
Contra seu predecessor Bento XVI esta astúcia moderna não podia ser exercida. Ele, o manso, preferia o conflito em campo aberto, com a coragem de dizer sim ao sim e não ao não, “opportune et importune”, como em Regensburg, quando tirou o véu das raízes teológicas do vínculo entre fé e violência no islã e quando, tempo depois, pronunciou-se sobre as questões “não negociáveis”. Por isso o mundo foi tão feroz com ele.
Com Francisco é diferente. É outra partida. Mas nem sequer ele sabe como continuará o jogo, agora que fica mais duro.
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Na quinta-feira, 20 de fevereiro, o Papa Francisco abriu o Consistório dirigindo aos cardeais breves palavras sobre o tema da família que foram “longamente refletidas”, disse o padre Federico Lombardi. Dizendo: “Nestes dias refletiremos de modo particular sobre a família, que é a célula básica da sociedade humana. O Criador abençoou desde o princípio o homem e a mulher para que fossem fecundos e se multiplicassem sobre a terra; assim, a família representa no mundo um reflexo de Deus, Uno e Trino”.
“Nossa reflexão terá sempre presente a beleza da família e do matrimônio, a grandeza desta realidade humana, tão simples e ao mesmo tempo tão rica, cheia de alegrias e esperanças, de cansaços e sofrimentos, como toda a vida. Trataremos de aprofundar a teologia da família, e a pastoral que devemos empreender nas condições atuais. Façamo-lo com profundidade e sem cair na casuística, porque isto reduziria inevitavelmente o nível do nosso trabalho. Hoje, a família é desprezada, é maltratada, e o que se pede a nós é reconhecer a beleza, a autenticidade e bondade que é formar uma família, ser família hoje; o indispensável que é isto para a vida do mundo, para o futuro da humanidade. Pede-se a nós que realcemos o plano luminoso de Deus sobre a família, e ajudemos os cônjuges a vivê-lo com alegria em sua vida, acompanhando-os em suas muitas dificuldades, com uma pastoral inteligente, corajosa e cheia de amor”.
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O relatório final de janeiro de 2014 da Comissão das Nações Unidas de verificação dos direitos da infância, que depois de ter apreciado “a declaração progressista feita pelo Papa Francisco em julho de 2013”, impõe à Igreja católica “corrigir” sua doutrina sobre o aborto, a família e o sexo.
Esta comissão é presidida pela norueguesa Kirsten Sandberg. Seus quatro vice-presidentes são da Arábia Saudita, Bahrein, Etiópia e Sri Lanka, países que não se sobressaem por seu respeito aos direitos humanos.
Ao emitir juízos sobre os abusos sexuais cometidos contra meninas e meninos, a ONU é uma das instituições mais desacreditadas, vista a inumerável sucessão de violações por parte dos Capacetes Azuis que trabalham em vários países do mundo e que ficaram impunes.
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O duplo jogo do diabo, a favor e contra o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU