27 Fevereiro 2014
Preocupadas com uma associação negativa com a Copa do Mundo - sentimento alimentado pelos protestos que começaram em junho de 2013 e transformaram o evento em uma fonte de problemas para governos - algumas prefeituras das cidades que vão sediar os jogos estão cortando os investimentos da festa oficial, a Fifa Fan Fest. Metade das 12 capitais que vão receber os jogos é governada pela oposição à presidente Dilma Rousseff, sendo que quatro são dirigidas pelo PSB, de Eduardo Campos, seu rival na corrida à Presidência da República.
A reportagem é de Letícia Casado e Guilherme Serodio, publicada no jornal Valor, 26-02-2014.
Entre os governadores, quatro devem tentar a reeleição e cinco são da oposição. Os governadores passaram os últimos quatro anos trabalhando pela Copa, e sabem que o legado e os gastos com o evento serão pauta das campanhas estaduais de outubro.
O lema do governo federal é que esta será a "Copa das Copas", e o Planalto trabalha para aumentar as ações positivas e reduzir a rejeição à Copa. Planejada para ser o evento mais popular do torneio, reunindo milhares de pessoas em espaços públicos para assistirem os jogos e a shows, a Fan Fest, é peça importante na estratégia de marketing da Copa. Mas a campanha não convenceu as prefeituras. A responsabilidade sobre a segurança e o temor a críticas pelo uso de dinheiro público na festa preocupam prefeitos e governadores.
A quatro meses da eleição, festas armadas com recursos públicos são uma ameaça que pode abalar a aprovação de governadores e prejudicar ambições na disputa de outubro. Outro temor é que a festa seja palco de protestos contra a Copa. Desde junho, o movimento "Não vai ter Copa" ganhou as ruas em várias cidades no país.
O receio nos governos municipais vai em linha com os resultados apresentados por pesquisas do Datafolha e da Confederação Nacional do Transporte (CNT) nas últimas duas semanas. Segundo o Datafolha, apenas 52% dos brasileiros apoiam a Copa no Brasil - o menor índice desde 2008. A rejeição ao evento subiu de 10% para 38% no período. De acordo com a CNT, 75,8% dos entrevistados acham que os investimentos para a Copa foram desnecessários, e 80,2% discordam dos gastos com estádios, alegando que a verba poderia ser usada em outras áreas.
Em Pernambuco, Eduardo Campos tem defendido o corte de gastos. Em jogo, sua pré-candidatura à presidência e a eleição de seu secretário estadual de Fazenda, Paulo Câmara (PSB) para o governo do Estado. Ontem, prefeitura e governo cancelaram os camarotes do Carnaval. E, com o apoio de Campos, a prefeitura, também do PSB, anunciou que não colocaria dinheiro público na Fan Fest, e pôs em xeque o evento, rompendo o contrato assinado pela administração anterior, do PT de Dilma.
Ao anunciar a decisão, o secretário de Esportes e Copa do Recife, George Braga, acusou a Fifa de favorecer São Paulo e Rio na negociação com patrocinadores. O evento custaria à prefeitura R$ 11 milhões. Mas o desgaste de Pernambuco com a Fifa não se limita à Fan Fest. Segundo o Valor apurou, a Prefeitura do Recife estaria preocupada com gastos com estruturas complementares do estádio "padrão Fifa" (como centro externo de mídia). A conta estaria além do orçamento inicial feito há dois anos.
Pelo contrato com a Fifa, os donos dos estádios devem bancar as estruturas - caso de nove das 12 prefeituras. Três clubes são donos de arenas da Copa: Corinthians (São Paulo), Internacional (Porto Alegre) e Atlético-PR (Curitiba).
Romper com a Fan Fest não implica em multa, mas a Fifa anunciou que pode acionar na Justiça cidades que não fizerem a festa.
O gasto de dinheiro público com a Copa é alvo de críticas de manifestantes, especialmente no Rio, onde o governador Sérgio Cabral (PMDB) foi um dos mais prejudicados com os protestos - pesquisa de dezembro apresentava Cabral com 47% de rejeição. Seu vice, Luiz Fernando Pezão (PMDB), concorre à sucessão no Estado.
No Rio, ainda há total indefinição sobre a festa. Também do PMDB, o prefeito Eduardo Paes trata o tema com cuidado. A reportagem apurou que Paes não considera a Copa uma festa sua, e concentra esforços na Olimpíada de 2016. A ordem é manter o mínimo de envolvimento com a Fifa. A Fan Fest, planejada para a praia de Copacabana, pode ocorrer no Sambódromo, mais barato e seguro.
A falta de proximidade do prefeito do Rio com a Fifa ficou patente recentemente, quando Paes aproveitou um balanço de obras para a Olimpíada para criticar a Fifa: "O COI [Comitê Olímpico Internacional] monitora permanentemente as transformações da cidade. A Fifa, ao contrário, nunca procurou a prefeitura para saber se a Transcarioca está atrasada ou em dia, aliás, acho que não fazem nem ideia de onde fica a Transcarioca".
São Paulo, cuja prefeitura é comandada pelo PT, vai na contramão. Além da Fan Fest, a cidade organiza outras cinco festas semelhantes, as "exibições públicas". Na gestão Fernando Haddad, o discurso é que protestos são parte da Copa e será preciso deixá-los em locais com visibilidade, como Avenida Paulista e Largo da Batata.
Criar um clima positivo em relação a Copa na capital paulista pode aumentar a simpatia ao PT e seu candidato ao governo estadual, Alexandre Padilha, de cuja campanha farão parte a presidente Dilma e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que trouxe a Copa para o Brasil. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) deve tentar a reeleição, e focou os esforços para a Copa em atrair seleções para se hospedarem no interior do Estado.
A preocupação com gasto público na Copa atinge outras sedes. Em Belo Horizonte, a Fan Fest será em um centro de exposições - em 2013 a festa da Copa das Confederações foi em um parque. Cuiabá também fará a festa em local fechado. Curitiba ainda finaliza o plano, e Salvador vai comunicar detalhes sobre a Fan Fest - inclusive se fará o evento - depois do Carnaval. Porto Alegre, Manaus, Cuiabá, Brasília, Fortaleza e Natal afirmam que vão fazer a festa, mas não fecharam orçamentos.
A Fan Fest é organizada por prefeituras, Fifa (responsável pelos palcos), e Globo (paga os shows e tem direito de transmissão). A festa foi criada em 2006, na Copa da Alemanha, e repetida em 2010, na África do Sul, e em outras seis cidades: Rio, Cidade do México, Paris, Berlim, Roma e Sydney.
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Prefeituras afastam-se da Copa e reduzem gastos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU