12 Fevereiro 2014
Em uma tentativa de minimizar os impactos das manifestações na imagem do país e, por consequência, na campanha da presidente Dilma Rousseff à reeleição, a Secretaria-Geral da Presidência da República enviou representantes para as 12 cidades-sede da Copa do Mundo para se antecipar aos protestos contra o evento e buscar diálogo com os líderes.
A reportagem é de Raphael Di Cunto, Guilherme Serodio, Alessandra Saraiva e Letícia Casado, publicada pelo jornal Valor, 11-02-2014.
O anúncio da missão para dialogar com os manifestantes foi feito no mesmo dia em que morreu o cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes, internado desde quinta-feira depois de ser atingido por um rojão enquanto registrava imagens de um confronto entre a polícia e manifestantes em um protesto contra o aumento da tarifa de ônibus no Rio de Janeiro.
Carvalho lamentou a morte do cinegrafista, assim como tinha feito a presidente Dilma mais cedo pelas redes sociais. "Queremos manifestar nossa profunda tristeza e solidariedade à família desse nosso companheiro que foi assassinado", disse. "Esse episódio deveria fazer o país refletir que só a paz é o caminho e que a violência, seja da polícia ou dos manifestantes, só leva a destruição", afirmou.
"Estamos mandando companheiros para as 12 cidades-sede para conversar com todos os grupos que têm questões contra a Copa. Vamos mostra que os investimentos em logística, ainda que não fiquem prontos para o evento, são um avanço para o país, e que a Copa traz frutos como a geração de empregos", afirmou o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral.
O governo receia que os protestos deixem uma imagem negativa do evento para os brasileiros, com possível impacto na campanha eleitoral. Pesquisas em posse do Palácio do Planalto têm mostrado que os eleitores têm a percepção de que as únicas obras que avançaram com a Copa foram os estádios e a parte da mobilidade urbana, que seria o "legado", foi deixado de lado.
Uma das missões do novo ministro das Comunicações, Thomas Traumann, foi justamente promover uma ofensiva para defender o evento e melhorar a imagem que a população tem da Copa. A competição tornou-se um dos principais temas da presidente Dilma nas redes sociais e ganhou o slogan em discursos como a "Copa das Copas".
Carvalho, que participou ontem da abertura de uma feira do Movimento dos Sem Terra (MST) em Brasília, afirmou que o governo vai buscar mostrar as vantagens da Copa para os brasileiros. "Queremos criar um ambiente de estímulo para que o país vivencie a Copa em sua plenitude", disse.
O Planalto teme ainda uma escalada de violência com a proximidade da Copa do Mundo. Durante a Copa das Confederações, em junho de 2013, imagens dos protestos e do enfrentamento entre policiais e manifestantes em frente aos estádios foram transmitidas por televisões de todo o planeta e chegaram a colocar em risco a realização do evento no Brasil.
A escalada de violência nos protestos de rua que causou a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes preocupa ativistas e políticos ligados a movimentos sociais. Andrade estava internado desde quinta-feira, quando foi atingido por um rojão enquanto registrava imagens do confronto da polícia do Rio com manifestantes contra o aumento da passagem de ônibus urbano. Ele sofreu afundamento do crânio e estava em coma induzido desde então, mas ontem foi decretada sua morte cerebral.
A presidente Dilma Rousseff disse, pelo Twitter, que não é admissível que protestos democráticos sejam "desvirtuados por quem não tem respeito por vidas humanas" e lamentou a morte de Andrade. "A liberdade de manifestação é um princípio fundamental da democracia e jamais pode ser usada para matar, ferir, agredir e ameaçar vidas humanas, nem depredar patrimônio público ou privado", escreveu Dilma, que disse que o episódio "revolta e entristece". "Determinei à PF que apoie, no que for necessário, as investigações para a aplicação da punição cabível."
O governo e a Prefeitura do Rio também emitiram nota lamentando a morte do cinegrafista
A polícia do Rio prendeu no domingo o estudante e tatuador Fábio Raposo, 22 anos, indiciado como coautor da explosão que atingiu o cinegrafista. Ontem, o advogado de Raposo, Jonas Tadeu Nunes passou à Polícia Civil a identidade do suspeito de ter acendido o rojão.
Na noite de domingo, Nunes envolveu o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) no caso. Seu estagiário, Marcelo Matoso, declarou à polícia ter recebido um telefonema da ativista Elisa Quadros, conhecida como "Sininho", no qual ela afirmou que o autor do disparo de rojão é ligado a Freixo. A ativista nega.
Ontem, Freixo negou ter qualquer relação com os dois manifestantes e disse que pedirá à polícia para apurar a denúncia. O deputado criticou a imprensa por dar crédito ao advogado Jonas Tadeu, que defendeu o ex-deputado estadual Natalino Guimarães na CPI das Milícias, presidida por ele, em 2008. Segundo Freixo, o advogado teria pedido desculpas pela denúncia.
Freixo lamentou a morte do cinegrafista; defendeu a permanência das manifestações; mas condenou o que chamou de "escalada de violência nos atos". Para ele, os protestos podem ficar mais violentos este ano com a aproximação da Copa do Mundo e das eleições. "A gente está vivendo um momento preocupante. A Copa do Mundo vai acirrar os ânimos, a crise do governo [de Sérgio] Cabral vai acirrar os ânimos. Este é um ciclo difícil de ser quebrado", afirmou o deputado, para quem governo, polícia e manifestantes foram "inábeis" em barrar a violência.
Reconhecido pela juventude como uma liderança de oposição a Cabral e a Paes, Freixo diz que a violência nos atos reduziu a legitimidade das manifestações ao afastar a população e fez as conquistas diminuírem.
Para o cofundador do coletivo Mídia Ninja - grupo que ganhou projeção ao transmitir os protestos em tempo real pela internet -, o jornalista Bruno Torturra, os manifestantes precisam entender o papel da imprensa na cobertura dos protestos: "O manifestante quando agride e expulsa veículo de comunicação da rua age com o mesmo autoritarismo que ele critica sobre o Estado. Ele está negando o direito de alguém estar na rua. E, mais importante que isso, é que a pessoa não entendeu o papel que a mídia tem na comunicação dos fatos, de que a descrição dos fatos seja a mais fiel. O ideal é que existissem mais veículos [da imprensa] na rua, não menos".
No Facebook, o grupo Black Bloc RJ lamentou o falecimento do cinegrafista. Mas classificou a morte como "acidental" e disse que "nunca aconteceu tanta investigação por um caso como o do cinegrafista". O grupo afirmou terem havido outras quatro mortes em protestos desde junho, supostamente causadas pela ação da polícia. Nenhum dos casos, no entanto, foi confirmado até hoje.
O valor da passagem de ônibus no Rio subiu no fim de semana de R$ 2,75 para R$ 3, alta de 9%. Ontem um novo protesto contra o aumento reuniu no começo da noite cerca de 500 pessoas.
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Depois da morte de cinegrafista, Dilma busca diálogo com manifestantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU