Por: André | 18 Novembro 2013
Christian Bouchacourt reconheceu como membros de sua base os ultraconservadores que, na noite de 10 de novembro, tentaram impedir uma cerimônia judeu-cristã na catedral de Buenos Aires. Disse que o fizeram “por amor à Igreja”. Crescem os repúdios.
Fonte: http://bit.ly/17vVSPe |
A reportagem está publicada no jornal Página/12, 14-11-2013. A tradução é de André Langer.
O superior da Fraternidade Sacerdotal São Pio X para a América Latina, Christian Bouchacourt, justificou aqueles que entraram na catedral no dia 10 de novembro, no início da comemoração judeu-cristã pela Noite dos Cristais, ao mesmo tempo que reconheceu como membros da sua paróquia. “Conheço-os e entendo a reação que tiveram. O que aconteceu não foi o desejo de provocar uma rebelião, mas manifestar o nosso amor à Igreja católica”, explicou Bouchacourt, em uma entrevista a uma rádio, ao mesmo tempo que os repúdios pelo acontecimento se multiplicavam. O líder do grupo ultraconservador que se separou da Igreja católica após o Concílio Vaticano II, considerado por Marcel Lefebvre como desrespeitoso com a tradição, reforçou suas declarações com a publicação de um comunicado no sítio oficial da Fraternidade (fsspx-sudamerica.org). Após retomar trechos de uma encíclica de 1928 (Mortalium Animos, de Pio XI), Bouchacourt acrescenta que “sem nenhuma forma de ressentimento para com qualquer outra comunidade religiosa”, seu grupo “desaprova firmemente a organização de qualquer cerimônia inter-religiosa nas igrejas católicas”.
Em declarações à Rádio La Red, Bouchacourt justificou a irrupção na catedral de cerca de 20 pessoas – entre elas três sacerdotes – com a pretensão de suspender a cerimônia programada para comemorar a noite que abriu a porta ao Holocausto. Para o hierarca, o fato de que tenham distribuído panfletos onde advertiam contra os “adoradores de falsos deuses” e que tenham começado a rezar aos gritos para impedir o encontro foi “um modo de protestar pacífico”. “Estas cerimônias incomodam a todos nós. Não foi um desejo de provocar uma rebelião, mas manifestar o nosso amor pela Igreja católica” porque “as igrejas são feitas para o culto católico”.
Bouchacourt garantiu, além disso, que se trata de uma reação com antecedentes históricos. “Sempre se condenou a celebração de outro culto. Não se celebra uma missa em uma sinagoga nem em uma mesquita, os muçulmanos não aceitam. Da mesma forma, nós, que somos católicos, não podemos aceitar que haja outro culto em nossa igreja”. Em sua explicação, Bouchacourt obviou assinalar que a cerimônia interrompida na terça-feira passada não era uma missa, mas um encontro inter-religioso que recordaria uma data. O sacerdote Fernando Giannetti, da Comissão Arquidiocesana de Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso, recordou que a cerimônia na catedral “não foi uma missa, nem uma liturgia, nem uma paraliturgia” e que aqueles que entraram sabiam disso, porque “há mais de 15 anos que cristãos e judeus recordam juntos em diferentes templos católicos esta data e foi o cardeal Jorge Bergoglio, hoje Papa, quem nos autorizou nas últimas vezes a realizar esta comemoração na catedral”.
A explicação do hierarca do grupo cismático destacou também suas discordâncias com a gestão do Papa Francisco, fervoroso defensor do ecumenismo e do diálogo inter-religioso. “Reconheço a autoridade do Papa, mas ele não é infalível. Neste caso, há coisas que não podemos aceitar”, assinalou. Na sexta-feira, 13 de novembro, não foi a primeira vez que Bouchacourt, em nome dos lefebvrianos, criticou duramente as decisões do papado de Bergoglio por considerá-las excessivamente liberais e prejudiciais à tradição. No final de março, pouco depois da eleição de Bergoglio, Bouchacourt havia objetado a intenção do novo papa de evitar a imagem de luxo vaticano. “Cultiva uma humildade militante que pode, no entanto, mostrar-se humilhante para a Igreja. Seu aparecimento na sacada das bênçãos de São Pedro com simples batina, sem outro atributo de Papa, é a perfeita ilustração”.
O diálogo inter-religioso e a presença de pessoas de outros cultos nas igrejas, disse Bouchacourt, são “uma violação à nossa Igreja”, algo que “os papas sempre condenaram em suas pregações”. “É a Igreja no Código de Direito Canônico que diz que os não católicos não podem rezar em uma igreja. A igreja é para o culto católico”, disse. “Se um judeu quer entrar e respeita o lugar, não há problema. Pode rezar de forma privada, caso quiser”, continuou. Para o hierarca, uma igreja só tem a função de celebrar missas. “Cada pessoa pode participar de uma missa, mas deve respeitar o culto católico. Não é uma recusa para ninguém, mas a realidade é que um rabino não vai aceitar uma missa em uma sinagoga. Ao se ler a Bíblia, fica claro que Deus sempre se irou com as pessoas que não respeitaram a liturgia que ele havia decidido”, justificou.
O lefebvrismo é um grupo cismático fundado pelo francês Marcel Lefebvre no começo da década de 1970, em dissidência com o Concílio Vaticano II. A Argentina é o único lugar do mundo onde o lefebvrismo tem um seminário em língua espanhola, que se tornou célebre em 2009, quando o seu então diretor, Richard Williamson, negou o Holocausto em uma entrevista a uma TV sueca. O hoje papa emérito Bento XVI aceitou perdoar as desobediências dos lefebvristas ao Vaticano II.
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Ultraconservadores tentam impedir cerimônia judeu-cristã na catedral de Buenos Aires - Instituto Humanitas Unisinos - IHU