Por: André | 03 Outubro 2013
Aquele que até ontem exerceu o cargo de núncio apostólico no país, reconhece que deixa a Venezuela com angústia devido às diferenças, mas espera que estas sejam superadas em prol do reencontro e da reconciliação.
Fonte: http://bit.ly/18g6jn0 |
A pisada do seu sapato preto é firme. Salvo o clergyman branco e a cruz prateada que carrega no pescoço, há um predominante preto que produz respeito e formalidade. Bastam alguns segundos para que o sorriso surja. Pietro Parolin, novo Secretário de Estado do Vaticano, apresenta-se e propicia a conversa. Então, a simplicidade se personaliza e o até ontem Núncio Apostólico na Venezuela conduz a conversa, como se costurasse ideias em silêncio.
Explicou que se converterá no colaborador mais imediato do Papa, em seu braço direito. “É um cargo muito delicado e importante”, garante. Sustenta que falará sempre com franqueza e sinceridade.
A entrevista é de Dalila Itriago e publicada no jornal venezuelano El Nacional, 29-09-2013. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
O Papa Francisco declarou que quando o elegeram pontífice, recordou a história de Mateus e por isso escolheu o lema: “Olhou-o com misericórdia e o escolheu”. Qual será a frase que guiará você?
É uma tradição que quando alguém é feito bispo, escolhe um escudo que é acompanhado de uma frase do Evangelho. Há quatro anos, quando me mandaram para a Venezuela como Núncio Apostólico, recebi meu episcopado das mãos de Bento XVI, e escolhi a frase de São Paulo: “Quem poderá nos separar do amor de Deus”, porque creio que a vida cristã antes de ser uma série de ritos, celebrações e normas morais, é a forte experiência de um amor que veio até nós em Jesus Cristo. Deste amor ninguém pode nos separar, salvo nós mesmos.
Como a Igreja poderá incorporar mais crentes à fé católica em um mundo com outros valores?
Diria que adotando o método de Jesus: aproximar-se de cada pessoa, qualquer que seja a sua condição ou situação, e oferecer-lhe esta experiência fonte do encontro com o Senhor.
O que a Igreja fará para levar esta mensagem a alguém que não quer escutá-la, a quem não acredita na instituição?
Se formos perseverantes no amor conseguiremos vencer qualquer resistência. Certamente, necessita-se de muita paciência. Necessita-se também aceitar a recusa e, além disso, não devemos medir os resultados pelos números e quantidades como se fossemos uma empresa. O Papa nos está dando uma lição de como proceder: aproximarmo-nos de cada um dos nossos contemporâneos assim como Jesus o fez.
Qual será o seu papel na missão de limpar a imagem da Santa Sé com respeito às denúncias de pedofilia e corrupção?
Com Bento XVI vimos o compromisso que a Igreja assumiu na questão da pedofilia e sobre isso o Papa Francisco se pronunciou claramente, com medidas muito concretas. Imagino que o Papa pedirá uma opinião e nosso dever será dizê-la com liberdade e franqueza. Depois, caberá a ele decidir sobre os diferentes assuntos.
Há uma intenção real da Igreja para ser menos hierárquica e incorporar os leigos nas decisões da instituição?
Esta é uma visão classista. A Igreja não é um lugar em que há diferentes classes de pessoas: os que estão acima e os que estão abaixo. A Igreja é uma comunhão na qual todos são iguais porque receberam o batismo, o que nos dá a condição fundamental de sermos filhos de Deus e irmãos entre nós. Creio que devemos aceitar que a Igreja não é um poder, no sentido mundano do termo; é um serviço. Todo aquele que estiver dentro dela tem que assumir esta visão.
Dizem que suas qualidades para a negociação propiciaram a proximidade entre o Governo da Venezuela e o Vaticano, e que, além disso, tornaram-no merecedor deste cargo.
O que posso dizer? Meu princípio é fazer o pouco de bem que se pode fazer. Agora, se tenho estas capacidades de negociação será algo que os outros veem. Eu não o percebo. Não é modéstia nem falsa humildade. Não vejo em mim estas grandes habilidades de diplomata, porque sempre tentei ser eu mesmo. Se isto é um dom ou um talento que o Senhor me deu, e isto pode servir, demos graças a ele. Agora, pode haver muitas razões pelas quais o Papa me escolheu: sou italiano, e normalmente quando o Papa não é italiano, escolhe um Secretário de Estado que o seja; o fato de que venho do serviço diplomático, se queria que viesse dali; e, provavelmente, o apreço que o Papa tem para comigo.
São amigos?
Não. Nos conhecíamos, mas não tínhamos familiaridade.
Trabalharam juntos?
Nos encontramos na Secretaria de Estado quando ele era arcebispo da cidade de Buenos Aires e eu subsecretário para tratar alguns assuntos. Mas eram reuniões de trabalho, não o dia a dia. Então, terei que aprender isso.
Mas a pergunta continua sem resposta: que papel exerceu na Venezuela?
Quando apresentei minhas cartas credenciais disse que esperava ajudar no diálogo entre as partes. Isto foi o que sempre me propus a fazer. Se realmente pude ajudar em algo, agradeço ao Senhor porque me mandou aqui. Se não o exerci bem, temos que pedir perdão.
Que balanço faz do seu trabalho aqui? Por que diz que sai com pesar?
A Venezuela é um país pelo qual tenho grande carinho. Aqui tive muitos momentos de encontro com as pessoas e isto vou estranhar: a fé simples, mas muito profunda das pessoas.
Leva alguma angústia em relação ao país?
Sim. Espero que os venezuelanos se encontrem como irmãos. Na vida há diferenças, mas o importante é que não se tornem conflitos, mas que sirvam para integrar-se e trabalhar pelo bem comum. Essa é a minha inquietude, que expressei à Conferência Episcopal da Venezuela (CEV) muitas vezes: é tempo de reencontro, de reconciliação, de ouvir, de respeitar, de dar espaço a todos. Porque uma sociedade justa e solidária nascerá somente da contribuição de todos. Meu desejo é que a Venezuela e todos os seus filhos possam caminhar por esta estrada.
Que influência pode ter o encontro entre a direção da CEV e o Papa para o futuro da Igreja na Venezuela?
Os bispos visitam o Papa para serem confirmados na fé. No caso do Papa Francisco, os bispos encontrarão indicações muito práticas, porque ele conhece muito bem a situação e poderão conversar e encontrar linhas de ação que lhes sirvam quando retornarem à Venezuela.
Como falar da integração quando a política também dividiu a Igreja venezuelana?
Este é, exatamente, o grande desafio. Para além da polarização, busca-se que a Igreja seja uma comunidade que se aceite reciprocamente. Ouvi algumas experiências muito bonitas neste sentido, de comunidades que, embora estivessem divididas politicamente, sabiam superar estas diferenças em algo comum que era a fé. Justamente, porque se há este problema é preciso trabalhar para superá-la. De acordo?
* * *
Pietro Parolin viajou no sábado para Roma para assumir suas novas responsabilidades. Previamente, concedeu esta entrevista, que lhe foi solicitada desde o começo de setembro. O prelado insistiu em que aumentou o papel e a responsabilidade dos leigos dentro da Igreja, especialmente no caso das mulheres. “É um tema que encontrou um ponto muito importante no Concílio Vaticano II. O caminho está traçado. Os leigos têm dois papéis fundamentais: enquanto batizados, têm que assumir um serviço dentro da Igreja, que pode ser na liturgia, na celebração, na catequese, na evangelização, na caridade; e depois, um papel para fora, que consiste na santificação do mundo. Isto é, infundir o espírito cristão e o espírito do Evangelho em todas as realidades humanas, em todos os âmbitos da vida e atividades humanas: família, escola, trabalho, política”.
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“Sempre me propus a ajudar no diálogo na Venezuela”. Entrevista com Pietro Parolin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU